quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Quando um perturbado bate na porta

Sai do banho, ainda estava de ressaca, mas aquela altura eu já me sentia acostumado com aquele estado. Morfina arrumou uma linda mesa para tomarmos café, apesar de serem três horas da tarde. O sol refletia seus lindos olhos claros.

- E então, como se sente?
- Ainda confuso... O que aconteceu ontem? Como vim parar aqui?

Ela me passava uma tranquilidade estranha e sorria enquanto me indicava onde sentar.

- Quando me contaram que você tinha saído do hospital e assustado o psicólogo, eu sabia que te encontraria, ainda mais por que já tinha visto aquela velha padaria enfestada de bebuns.

Me serviu uma grande caneca de café. Divino café, o melhor remédio para ressaca, estresse ou qualquer merda que te cutuque a consciência.

- Não foi difícil te convencer a ir embora quando meu turno acabou e fui te procurar por lá. Na verdade, fiquei espantada com a facilidade.
- Por quê?
- Eu não sei explicar... Você não dizia coisa com coisa, ficava dizendo que era um pirata e que queria “invadir o meu barco para me saquear”.
- É eu sou um charme quando bebo. – Me senti um pouco envergonhado.
- Há há, achei engraçado. Bom, então eu te trouxe até aqui, não seria fácil te levar para sua casa. Entramos, conversamos e você encontrou uma garrafa de champanhe na cozinha. Bebemos a garrafa inteira, entrei no banheiro para lavar meu rosto e quando voltei você tinha sumido. Fui te encontrar caído ao lado da cama.
- Por isso meu rosto está inchado?
- Sim. Nós rimos muito disso. Depois disso você subiu na cama e me convidou, na verdade me agarrou.
- Novamente, um charme quando bebo.

Ela sorria com malicia.

- Você estava completamente bêbado, foi impressionante como conseguiu fazer tudo aquilo.
- Tudo aquilo?
- Sim, aquilo. – Seu olhar era sincero e especifico. – Falando nisso, eu estou com marcas por toda a perna, você não deu descanso para elas!
- Eu gosto de pernas... – Olhava para suas pernas como um tigre observa sua preza.

Ela não tentava de maneira alguma esconder seu magnifico tesouro, na verdade, mostrava ainda mais. Minha vontade era ataca-la, fazer tudo aquilo que fizemos durante a noite de novo, mas dessa vez eu teria consciência e lembraria cada detalhe na manhã seguinte.

- Meu querido, eu tenho de ir trabalhar, por que não guarde suas forças para mais tarde?

Balancei a cabeça e voltei para a realidade.

- Sim, é claro.
- Vou me trocar para ir, voltarei lá pelas 23 horas. Fique inteiro, há uma chave extra atrás da porta. Qualquer coisa que precisar, meu telefone estará anotado naquele caderno ao lado do sofá.

Não ouvi uma palavra do que disse, voltei para as pernas.

Enquanto uns trabalham, eu bebo. Fui sai do prédio onde morava Morfina em busca de um lugar para repor as energias. Encontrei apenas uma padaria, como não tinha recordações da ultima “visita” a uma padaria, achei melhor continuar andando. Fumava meu cigarro e pensava em um poema:

“Ela foi encontrada!
Quem? A eternidade.
É o mar misturado
Ao sol.

Minha alma imortal,
Cumpre a tua jura
Seja o sol estival
Ou a noite pura.

Pois tu me liberas
Das humanas quimeras,
Dos anseios vãos!
Tu voas então...

— Jamais a esperança.
Sem movimento.
Ciência e paciência,
O suplício é lento.

Que venha a manhã,
Com brasas de satã,
O dever
É vosso ardor.

Ela foi encontrada!
Quem? A eternidade.
É o mar misturado
Ao sol.”

Arthur Rimbaud, um gênio, um alucinado, um grande poeta.

Encontrei um bar poucas ruas a baixo, parecia muito movimentado para aquela hora, entrei. Minhas expectativas foram correspondidas, o lugar estava cheio. Sentei de frente para o balcão, assim ficaria mais fácil pegar meus drinks e não teria de encarar os desconhecidos ao redor.

- Rum com coca, muito rum, pouca coca.
- É pra já!

Mandou meu drink, como pedido, muito rum.

- Excelente! Obrigado Jack, está ótimo.
- Meu nome é Marcos Antônio.
- Vou te dizer uma coisa Jack, dos drinks que eu já tomei essa semana, até onde eu lembro, o seu só perde para a dose de Morfina que eu tenho lá em casa.
- Sempre tentando satisfazer os clientes.
- Grande Jack! Traga uma dose de Jack Daniel’s depois desse, Jack.
-Boa escolha.
- Faça duas. – Uma voz diferente.

Olhei para o sujeito com o canto do olho. Era um boa pinta mal encarado, algumas tatuagens no braço, as pontas do cabelo chegavam a encostar nos ombros e a barba para fazer. Retribuiu o olhar, mas ele não tentou disfarçar, me encarou com hostilidade. Voltei para meu drink, virei.

Na TV passava o “jogo das estrelas”, alguns ex-jogadores, apresentadores, jogadores centro da mídia e tudo por uma “boa causa”. Não me importava a razão, quando tenho a chance, é um dos meus passa tempos favoritos simplesmente deitar assistindo uma partida e bebendo um bom drink.

- Então, é você? – O mal encarado me questionava.
- Você... ?
- Você é o cara que roubou a minha garota.
- Desculpa você vai precisa ser mais especifico, não é a primeira vez que me dizem isso.
- Seu filho da puta não vem de gracinha pra cima de mim.
- Não planejo fazer nada por cima de você. Cuidado com as palavras garoto.

Jack trouxe minha dose, olhou para o sujeito.

- Ei Dênis, não arranje nenhuma confusão essa noite, tenho a casa cheia e não quero ter de te por pra fora outra vez.
- Fica na sua Marcos, eu cuido desse. – Ele nem sequer olhou para Jack, nem piscou, apenas olhava para a minha cara como se quisesse me bater com seu copo.
- É Jack, deixe que nos resolvemos. Dênis, meu caro, não faço ideia de quem é a “sua garota”, mas pode ter certeza que se ela está com outro, não é culpa sua, ela apenas encontrou alguém com mais colhões que você.
- Seu bastardo! Devolva minha garota!

Ele se levantou, o copo na mão vinha na direção da minha orelha. Abaixei a cabeça, o copo se estraçalhou na parede do outro lado do balcão.

- DÊNIS, PORRA! – Gritou Jack.
- É bom ter consciência do que esta fazendo.
- Eu vou te matar!

Ele veio em minha direção, me joguei em cima dele, caímos no chão. Segurava seus braços e quando abria sua guarda acertava socos em seu rosto. Me chutaram na costela duas vezes e rolei para o lado. Dênis se levantou, empurrou o desgraçado que me acertou, pegou uma cadeira e me acertou nas costas quando tentei me levantar, rolei novamente e consegui me levantar. Os olhos do filho da puta estavam vermelhos de ódio.

“Morfina, no que diabos você se meteu no passado?” – Eu me perguntava a todo instante.

Dênis vinha em minha direção com uma garrafa de uísque, maldito desperdício! Começou a gritar e correr pra me acertar, porra, ninguém fazia nada para impedi-lo. Abri as mãos e estiquei os dedos como se estivesse em um filme do Indiana Jones, ele levantou a garrafa sobre a cabeça, fui mais rápido acertando um soco no meio da cara. A garrafa caiu, ele não se abalou e me empurrou contra a porta, em seguida acertou uma sequencia de socos em meu rosto. Fiquei ligeiramente atordoado, não conseguia me concentrar em acertar o desgraçado.

Jack finalmente apareceu com um extintor de incêndio e apartou a briga. Fogos expulsos como já era esperado. Sai direto para a padaria próxima a casa de Morfina, Dênis desapareceu logo depois que saímos do bar, fiquei preocupado com ele encontrar ela quando voltasse do hospital, então esperei lá até ela chegar.

Quando finalmente ela chegou, corri em sua direção.

- Ei, Morfie!
- Leo? – Respondeu assustada.
- Oi, como foi o trabalho?
- Mas que merda aconteceu com o seu rosto?
- O que, isso? Não foi nada, só o animal do seu ex-namorado! Caralho Morfina, em que merda você se envolveu?
- Ex? De quem você estava falando?
- Você sabe muito bem.
- Olha, Leo. Eu não esperava que ele voltasse a me causar problemas.
- Te causar problemas? Olha pra porra do meu rosto!
- Dênis tem certos problemas, ele estava sobe tratamento.
- O que? E você saia com aquele cara? Não é possível, todos os seus namorados saíram daquele hospital?
- Ei, o que você está dizendo com isso?

Respirei fundo, doía.

- Vamos subir, eu preciso de um banho.
- Tá.

Depois de um longo banho finalmente me sentia descansado e sem sangue dentro das narinas. Morfina olhava pela janela, provavelmente procurando por Dênis. Ela tinha um copo com vodca nas mãos.

- Não sei como consegue beber isso.
- Olha quem fala. Você vive a base de cachaça, uma dose de vodca não é nada. Como você está?
- Melhor agora, mas vou precisar de um copo desses.
- Acabou de dizer que odeia isso.
- Não quer dizer que eu não tome, afinal, você não tem nada muito forte por aqui.
- Tá legal. Creio que você precise de algo forte para se curar.

Aos poucos ficamos mais tranquilos com toda a situação. Ela me explicou que quando conheceu Dênis ele parecia um cara legal, mas depois que saiu do hospital, após ter sofrido um acidente com a escada de sua belíssima casa, ele ficou louco de ciúmes. Fazia visitas aos ex-namorados dela, a perseguia quando estava desconfiado de algo, ligava sem parar, às vezes chegava a ameaça-la e quando o medo de ser agredida chegou ao limite, eles terminaram. Mas as perseguições e ameaças nunca tiveram fim.

Deitamos na cama, ambos tortos de bêbados. Tirei sua roupa enquanto ela ria e falava besteiras.

- Você é um pervertido, um alcoólatra e muito gostoso!
- Calma que isso é efeito da bebida.

Trepamos, ela gritou a noite inteira, não se conteve nem por um segundo. Fizemos a cama tremer junto das paredes, do chão e das janelas. Eu estava bêbado, excitado e puto, eram os três requisitos para uma excelente transa. Talvez eu fosse apenas mais um dos loucos da vida de Morfina, provavelmente estava me metendo em um grande problema como o daquela tarde. Bom, aquilo não importava no momento, eu tinha o meu pau duro dentro dela como não tinha há tempos, a bebida corria alegremente pelo meu sangue novamente. Era bom me sentir vivo depois de tudo que tinha passado

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Morfina

Meus olhos doíam por conta da claridade, o quarto era inteiro branco, não sei quem achou que deixar um paciente dentro de um quarto completamente branco era algo que o acalmaria em um estado ruim. Eu me sentia como uma ideia pré-matura dentro do infinito dos pensamentos vazios.

- Bom dia, campeão.

Reconhecia aquela voz.

- Alex? Cacete, como eu vim parar aqui? Eu morri? – Tudo ainda era confuso.
- Relaxa, um babaca te pegou com o caro. Estava chapado e furou o sinal vermelho.
- Que cagada...
- Ainda não sei como, mas entraram em contato comigo e estou aqui desde manhã. Bob foi apertar um lá fora, nós ficamos assustados.
- Valeu, é sempre bom ter vocês por perto.

Mais tarde eu descobri o porquê apenas eles estavam ali. Papai teve um compromisso, mamãe estava na praia, meus irmãos nem ficaram sabendo do ocorrido. Sinto-me tão seguro.

- O que eu ainda faço aqui?
- Você levou uns pontos na cabeça, mas está em forma.

Entrou a típica enfermeira dos sonhos. Rosto simpático de expressão tranquilizante, lábios vermelhos, cabelos castanhos, pernas, bunda, peitos na medida.

- Olá, que bom que acordou. Esta na hora de trocarmos o seu curativo.
- Uau... – Mal sabia como reagir. – Olá, enfermeira Morfina.
- Morfina?
- Sim, você me trouxe o mesmo efeito.
- Pra certas partes... – Sussurrou Alex, pelo menos ele achava que o tinha feito.

Alex teve que sair, ele não aguentava ver machucados ou sangue.

- Como você se sente? – Começou a trocar meu curativo.
- Bem melhor agora. – Seus peitos me tocavam.
- Então você é do tipo que prefere morrer jovem e bonito?
- Não, não me acho grande coisa.
- Você é bonitinho, mas se continuar assim acabará logo.
- Não é uma fã, certo?
- Vi na sua ficha que era escritor, consegui ler algo na internet. Gostei.
- Não te agrada meu estilo de vida. Você vê desgraças de mais, é por isso. No seu lugar, eu beberia o dobro.
- Não sou de beber muito.
- Você é uma graça, Morfina.

Ela sorria enquanto saia com aquele rabo enorme balançando.

Me deixaram sair para dar uma volta e respirar um ar puro. Fui fumar um cigarro com Bob e Alex.

- Ó ar puro!
- Esse lugar me dá arrepios. – Disse Bob.
- Odeio hospitais, é o centro das doenças. – Eu disse.
- Foda... – Disse Alex.

Voltamos para meu quarto, enquanto eu esperar a segunda a enfermeira ajeitar meu curativo, ela mal parava para respirar. Bob e Alex falavam com Morfina. Malditos amigos, era a minha garota. Olhavam para mim, sorriam e se foram. Novamente estava sozinho.

Um homem não deve ficar só em um momento como este. Não me refiro ao acidente, mas sim ao local e o sentimento que ele trás. Ao redor haviam doentes terminais, remédios para dor, médicos que não exercem sua profissão, em todos os lados está ela, a morte.

No outro dia recebi a notícia de que queriam me fazer um teste psicológico para definirem se eu seria ou não levado para a clínica de reabilitação.

- Mas que porra? Enfie essa merda no rabo!
- Calma, você não esta são. – Tentava me levar no papo a segunda enfermeira.
- O que? Eu estava bem até um filho da puta tentar me matar. Não preciso disso, este lugar que me enlouquece. É por isso que vocês ainda me seguraram aqui? Reabilitação?
- O senhor tinha álcool suficiente no sangue para derrubar um gorila.
- Leve o seu gorila para o teste. Eu não farei essa merda!

Morfina entrou, estava linda e calma.

- Leo, vamos, fique calmo. Se não há nada de errado, mostre a eles.

Agora ela me queria? Vaca. Como todas, quer se mostrar superior por ter algo além de amor por entre as pernas.

Tomei um calmante e aceitei uma breve conversa.

- Olá, Leonard. Você está ciente do que nós faremos aqui, certo?
- Depende do que quer dizer com “nós”... Sim, estou ciente.
- Daremos inicio ao acompanhamento psicológico. Como você se sente?
- Eu me sinto e isso já é suficiente. Estou vivo.
- Sim. Emocionalmente, como está?
- Excitado, puto, cansado. O que você quer ouvir? Vamos direto ao ponto, doutor.
- Leonard, você sente falta da bebida? Como foram seus dias aqui?
- Deprimentes. Ao meu redor há apenas desespero.
- E a bebida?
- Como você se chama doutor?
- Wagner. Por favor, responda a minha pergunta.
- Wagner, você bebe?
- Sim, casualmente.
- Wagner, eu vou te dizer o que faremos. Você vai entrar para um acompanhamento psicológico e em seguida para a reabilitação, pois você é um alcoólatra.
- Não, espere...
- Sim, você é, não eu. Na verdade, sou o mais sóbrio e são aqui.
- Vamos retomar o acompanhamento, não fuja do assunto, nem tente me distrair. Como são seus dias?
- Não tão ruins como algumas noites. E sim, bebo, mas não preciso de ajuda. Loucos são os que não tomam consciência de seus próprios pensamentos.

Ele se calou, me olhava sem saber exatamente o que fazer. Olhava a faixa em minha cabeça.

- Doutor, nós acabamos por aqui. – Levantei, abri a porta. – Até a próxima sessão, meu velho.

Estava livre outra vez. Peguei minhas coisas, troquei de roupa e sai daquele manicômio. Deixei aqueles monstros para trás. Bem na frente do hospital tinha uma velha padaria, entrei para me refrescar. Pedi uma dose e uma cerveja. Os velhos olhavam para a faixa branca e para o copo em minha mão, eu me virei para eles.

- Um brinde aos santos que criaram essa maravilhosa bebida que um dia nos matará – Os olhares se voltaram para meus olhos. – de prazer!

Eles abriram um sorriso enorme. Deu-se inicio a vida puritana.

O álcool subiu rápido em meu sangue, os remédios contribuíram para isso. Logo estávamos em vivendo em fleches. Tive a sensação de que éramos piratas com nossos copos estourando em brindes no ar, as conversas gritadas e o alegre caos no ambiente. Éramos verdadeiros piratas, io ho, io ho!

Acordei ainda bêbado, minha cabeça doía e meus movimentos eram lentos, pense se tudo aquilo não passou de um sonho.

- Caralho... Tenho de me acostumar com isso.
- Acostumar com o que?

Arregalei os olhos, Morfina estava em pé na minha frente segurando um copo d’água e um remédio. Ela usava apenas uma camisa social branca, tinha as pernas grossas e brancas nuas se aproximando das minhas mãos. Meu coração acelerou, a respiração ficou ofegante com longos intervalos. Se aquilo fosse um sonho, eu não queria acordar.

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Outro Mistério

Bar cheio, todos os lugares ocupados. Eu estava sozinho naquela noite, queria descansar, tomar uns goles e apreciar o show.

- Boa noite, senhor. O que gostaria de pedir?

Eu finalmente fiz a barba, quero dizer, aparei-a.

- Olá, eu quero um dos seus melhores uísques. E um conhaque.
- Estarei de volta em um minuto.
- Obrigado.

Logo ele voltou com meu pedido.

O show estava prestes a começar, subiu no pequeno palanque um cara sozinho de cabelos longos, barba para fazer, sorriso amarelado e meio rouco. Apresentou-se e deu inicio ao concerto.

- Oi, me desculpe pelo incômodo, mas... Posso me sentar?

Uma mulher linda, cabelos longos e negros, olhos escuros, memoráveis pernas por de baixo da saia.

- Por favor, sente-se minha querida.
- Quanta gentileza. Meu nome é Raquel.
- Leonard.
- E então, o que você faz Leonard?
- Além disso? – Tomei meu conhaque. – Eu escrevo.
- Jura? Que legal!

Sempre a mesma reação.

- O que você escreve?
- Contos, poemas...
- E você é bom?
- Talvez, não sei. É o que me mantem aqui, devo ter algo. Ou sou apenas um grande charlatão.
- Hm, não, você tem cara de escritor. E é engraçado.
- Obrigado, acho.
- Eu sou enfermeira.
- É mesmo? Bacana.

Não me interessei muito, o show estava realmente bom.

Ao longo da noite ela percebeu que eu bebia para viver, ou vivia para beber, nem eu sabia aquela altura.

- Você tem talento para isso.
- Aprendi logo cedo.
- Tome cuidado, isso pode acabar com você e com seu outro talento.
- Eles andam juntos, quase como irmãos siameses.

Era impressionante como aquele sentimento de cuidado e preocupação surgia com frequência quando uma nova mulher aparecia em meu caminho. Não há como negar, de certa forma era estranho, mas sempre me agradava. Tenho essa ligação com os cuidados femininos.

Sabia que tinha conquistado ela, então depois me deu seu número e longos sorrisos. Conversar com ela era agradável. Eu tinha encontrado uma nova paixão, os cheiros e os perfumes, Raquel tinha um excelente aroma que me laçou de tal maneira. Ela se foi, o show acabou e todos aplaudiram. Paguei a conta, deixei uma gorjeta e também fui embora.

Passei por um boteco para comprar cigarro e uma garrada da mais bela e marcante paixão de toda a minha vida. Eu te amo minha aguardente.

- Ei, rapaz!

Olhei para trás.

- Você mesmo moço bonito.

O sorriso de fumante era inconfundível.

- Noel, seu safado! E eu achando que iria me dar bem essa noite.
- Há há, ainda dá tempo.
- Amor, eu estou bem aqui. – Repreendeu-o Ana.
- Estamos apenas brincando. O que está fazendo?
- Acabei de sair de um grande show, vou para casa.
- E saiu desacompanhado?
- Hoje sou toda dessa beldade. – Levantei a garrafa.
- Nunca se separam né? – Disse Ana.
- Você precisa perguntar? Há há. – Respondi.
- E o trabalho? Quando teremos algo novo?
- Tenho pensado em um novo projeto.
- A é? Como seria?
- Roteiros.
- Uau, que foda!
- Gostei.
- É algo que venho pensando há um tempo. Quero me arriscar.
- Você vai se dar bem, pode apostar.
- Obrigado, Ana. Bom, não quero tomar o tempo de vocês.
- Vai tomar outra coisa já já. – Disse Noel.
- Quer carona?
- Nããão, eu vou sozinho.
- Você está a pé Leo.
- Ela vai me levar para casa – Levantei a garrafa. -, assim posso pensar, dar uma relaxada.
- Tem certeza?
- Sim, boa noite.
- Pra você também.

Ana sempre faz muito por seus amigos, valorizo isso nela. Não queria me aproveitar.
Andava com minha garrafa na mão, um cigarro na outra e as ruas vazias, eram os velhos tempos dando um alô. A noite havia sido boa, conheci uma garota excelente, revi amigos, ótima música e minha amada me aquecia novamente. Esbocei um sorriso, uma tragada em seguida, grande desfecho.

...

...

...

Abri os olhos devagar, estava tudo girando. Veio como uma bala, minha cabeça explodia. Quanta dor. Aos poucos retomei minha consciência e a visão. Sentia o chão quente, era o asfalto grudado em meu rosto, ouvia vozes, algumas pessoas ao redor e uma forte luz vermelha piscava.

- Ele está acordando.
- Calma, devagar.
- Mmm... Mas que... – Era difícil falar, minha cabeça estava a mil. - Que porra aconteceu?
- Devagar, olhe para mim. Cuidado com o pescoço.

Não reconhecia o cara, nem onde eu estava.

- O senhor sofreu um acidente, foi atropelado. Fique calmo, vamos leva-lo par ao hospital.

Sentia o sangue em minha cabeça.

- Porra!

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Desfrutando Outra Noite

A noite estava agitada, todos bêbados enchiam a casa com uma energia especial para a ocasião, era o aniversário de Alex – parabéns alcoólatra safado.

Na cozinha, um número respeitável de pessoas apreciavam o momento único.

- EU QUERO VER VOCÊS CHEIRAREM O MEU CIGARRO! – Disse Noel.
- POEM O PÓ NA MESA! – Respondeu Alex.
- Cacete... – Me esquivei.

Me deram um copo com rum, olhei para aquela careira de cigarro. Por um segundo pensei em como aquela ideia era estúpida. Virei o copo, matei a merda da carreira.

- Porra Alex... – tossi- Seu idiota!
- Há há, foi legal. – Disse Alex.

Aquilo ardia, não foi uma das melhores experiências.

- Vamos beber! – Alguém gritou.

Não sabia mais de onde havia surgido tanta gente. Me juntei a Alex, Noel, Bob, Ana Leticia e alguns “amigos de momento”.

- Pessoal, eu só queria agradecer a presença de todos e dizer que essa noite será completamente esquecida, estou quase no ponto do esquecimento... Mas foi muito foda até esse momento. – Agradecia Alex – Leo, essa é sua deixa, me de tudo o que temos no estoque.
- Vocês são foda. – Dizia Ana Leticia.
- Espere aqui, vou pegar nossos drinks. – Eu disse para Alex e Bob.

Sai na direção do bar, ainda pude ouvir Noel falando algo sobre sal no pescoço e doses no umbigo. Entrei na casa, estava escuro, com luzes azuis e verdes piscando, a música fazia as paredes e o teto tremerem. Passei entre pessoas que eu nem sequer conhecia.

A cozinha também estava escura, mas era possível ver algo. Uma garota se aproximou, belo rosto, bons peitos, boas pernas.

- Olá.
- Olá.
- Prazer, Jú.
- Eu sou...
- Sei quem você é.
- Sabe?
- Sim, você fodeu a minha tia.
- Sua tia?
- Sim. Cerca de 40 anos, com corpo de 28 e um rosto a cada dia mais jovem.
- É claro! Larissa, certo? Como ela está?
- Divorciada.
- Essas coisas acontecem... Me lembro muito bem dela agora.
- Ela também. Lembra como a cabeça desse seu pau?
- Como ponta da minha língua.
- Safado.
- Não, você lê demais.
- Aposto que não é como nos livros.
- Não mesmo. Os livros são feitos para serem lidos, imaginados como quiser em sua cabeça. O que acontece fora deles é algo diferente. Às vezes não, às vezes sim, depende do meu humor.
- Mostre como você é homem. Me fode agora.
- Não faça isso.
- Faça você comigo, agora, me fode!

Tomei meu drink.

- Não, não tenho de provar nada a você e prefiro não me envolver com parentes de alguma das minhas ex.
- Seu frouxo, eu quero te chupar todo!

Virei e sai. Ela merecia uma boa enrabada, mas eu não deveria fazer aquilo, tinha muito trabalho a fazer, o bar ainda estava cheio.

Sai com nossas bebidas, enfrentei a multidão e voltei para fora. Estavam próximos da piscina (horas depois eu entraria/cairia nela, assim como Alex e Noel).

- Dai eu botei no rabo dela!
- Bob, cala a boca. Não me venha com detalhes.
- Cara, você devia ter visto o tamanho do detalhes.
- Voltei na hora certa... – Ironia, um dos meus charmes.

Conversamos, bebemos e quanto mais bêbado eu ficava, maior era minha vontade de me afastar. Nos separamos e deixamos a festa seguir seus próprios passos. Noel e Ana foram para um dos quartos desfrutar de suas paixões. Bob encontrou duas garotas para satisfazê-lo. Eu e Alex nos acomodamos num dos lugares mais privilegiados do local, eram duas poltronas na varanda onde podíamos beber, ouvir o que conversávamos, observar a piscina e a festa.

- Sinto falta desses momentos. – Disseram Alex e seu copo de rum.
- Sei como é.
- Precisamos fazer mais isso.
- Festas como está só podem acontecer a cada três meses, precisamos nos preservar.
- Tá certo, boa cara.

Duas lindas mulheres nos olhavam. Uma era morena, vestido branco, decote, copo em ambas as mãos e o olhar voltado para Alex, que devolvia a atenção. A outra, uma loira, vestido preto até metade das pernas, perfeitas pernas brancas e macias. Segurava sua cerveja, me olhava com um sorriso simpático, cheio de alegria.

Nem mesmo Darwin faria uma teoria tão perfeita sobre a evolução daquela mulher.

Eu e Alex nos olhamos, sabíamos exatamente o que havia acontecido. A sensação nos enchia, voltamos a trocar olhares e sorrisos, mas elas estavam indo embora. A loira se despediu com certa tristeza, não queria ir. Devia ter ficado um pouco mais.

O dia começava a amanhecer, grande parte das pessoas se foram enquanto o resto delas dormia espalhadas pela casa.

- Um brinde a tudo que nos rodeia. – Propôs Alex.
- Alcóolatras e paixão.
- Sim, bela análise da situação.
- E um brinde as próximas noites, estaremos juntos, estaremos bêbados, estaremos impressionantemente felizes.

Bebemos nossos últimos copos antes de finalmente deixarmos o mundo real de lado. Dormíamos em nossas poltronas, dormíamos bem, foi uma grande noite. Meus parabéns grande Alex.

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Anáfora

Eu mal enxergava a estrada, chovia muito e eu estava bêbado. Devia passar das 4 da madrugada, antes estávamos eu, Bob, Noel e Alex em um bar conversando, bebendo, fazendo o que sempre fazíamos as quartas assistindo futebol. A noite com eles tinha sido mais longa do que de costume, fora isso, eu também me sentia diferente. O sentimentalismo rondava meu coração.

Simplesmente acelerava, não havia pedágios e nem obstáculos em meu caminho. Um bom Blues fazia a trilha sonora, mas não era a música que eu escutava, sua voz é que encantava meus ouvidos. Aos poucos, sua imagem também surgia com lembranças muito especiais para mim. Sinto tanto a sua falta.

O barulho do motor ao mesmo tempo em que me acalmava, também acelerava meus batimentos cardíacos, é esse tipo de sensação que se procura quando se compra um carro ou uma moto. Um homem tem de criar seus princípios, um homem sempre tem uma garrafa em mãos, um homem sempre tem um motor para acelerar seu coração.

Diminui a velocidade, andava a 80 km/h. Acendi um cigarro e comecei a pensar. Lembrei-me das vezes que íamos visita-la, do carinho que recebíamos e logo depois a velha cobrança das visitas cada vez menos frequentes. Sempre me arrependi disso.

Decidi parar em algum buraco na beira da estrada para reabastecer o carro e meu fígado. Parei no primeiro lugar que encontrei.

Casmurro
Restaurante, lanchonete e bar.

Abasteci o carro, fumei. A chuva já tinha parado.

- Sua vadia, você me traiu!
- O que você tá falando, Bentinho?
- Vaca, cala essa boca. Eu vi quem saiu de dentro do banheiro antes de você.
- O que...
- Eu te mato! Acabou eu quero o divórcio!

Entrei sem descobrir o fim daquela história.

O lugar estava cheio demais para àquela hora.

- E ai, qual a boa, Capitão?
- A boa? É, me de uma da boa.

Ele pegou uma garrafa de Velho Barreiro que de tão velha o rótulo estava aos pedaços e a garrafa toda empoeirada. Me deu um copo cheio. Virei. Mais um. Virei. Outro. Tossi, depois virei.

- Você vai capotar no carro.
- Ou junto dele, veremos o que é melhor.
- Gostei de você, sujeito.
- Eu??
- É.
- Obrigado.

Mais uma dose e eu estava partindo. O casal não estava mais ali, ele nunca mais seria o mesmo.

De volta à estrada dirigindo em direção as mágoas. Rádio desligado, eu e meu carro conversávamos. Ele me entendia como ninguém.

Começamos a descer a serra na mesma velocidade que cortamos o asfalto da rodovia. Era bela a visão lá de cima. O mar refletia as luzes da cidade, a lua já se mandou, o sol viria em algumas horas. O céu aos poucos ia clareando a tons de cinza, a chuva voltaria logo.

Passamos pela serra, agora era apenas uma grande linha reta na direção certa. Meus pensamentos foram dominados outra vez, não o ouvia falando comigo, ouvia outra voz, a sua voz... Ela me pedia calma, não queria me ver daquele jeito, triste. Eu não queria decepciona-la desse jeito, será que eu seria capaz?

Parei num semáforo, fechei os olhos, sentia minhas mãos tremulas piores do que das outras vezes. Meu carro tentava me acalmar, rangia seu motor, tremia junto comigo. Ele queria apenas me ajudar, é um grande amigo. Abri os olhos e pisei fundo, me sentia como um animal outra vez.

O muro descascado, céu nublado. Estacionei, encarei aquele portão enferrujado, era horrível, a pior sensação da minha vida de volta com força. Mas não me derrubou, passei pelo portão, andava entre túmulos, as moscas voavam em bandos, fedia. Então, eu a encontrei.

Foi tão triste vê-la ali no meio daquela porcaria toda, você merece coisa muito melhor, espero que agora tenha alcançado esse lugar maravilhoso.
Mal sabia o que dizer, eu estava paralisado, minhas mãos se acalmaram, eu não me movia. Lentamente peguei um cigarro e o acendi. A chuva voltou. Traguei, soltei, olhei para ela... Passamos horas conversando, não há definição para o momento, triste, feliz, amargo, nada. Apenas aconteceu, é sempre bom revê-la.

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Vamos todos a São Paulo!

Acordamos cedo, eram nove horas da manhã, saímos da casa dela e fomos comer algo em uma padaria.

- Bom dia, aqui está o cardápio – Fomos recebidos pelo atendente.
- Bom dia.
- Bom dia, obrigado.

Mélanie me observava.

- Vou querer um café.
- Você tem de comer algo.
- Nem vou argumentar.
- Por que agiu daquela maneira ontem?
- Mél, eu estava bêbado.
- Novidade. Leo, você foi estúpido com meus amigos.
- Não quis agrada-los como você.
- Ei, deixe de ciúmes. O que te fez mudar?
- O que mudou?
- Antes tentava ser legal com os outros.
- Não quero novos amigos.
- Você mal tem amigos, Bob e Alex são os únicos, praticamente.
- Já é o bastante.
- Sim, eles são ótimos e te ajudam em tudo, mas não são os mais calmos... Quero dizer, eles são pirados e cachaceiros como você.
- Como Maquiavel diria: "É melhor ser temido do que ser amado".
- Sua paciência se foi, não é mesmo?

O garçom voltou.

- Escolheram?
- Vou querer um café grande e um pão de queijo.
- E eu um expresso pequeno e um croissant.
- Anotado. É... O senhor me permite dizer algo?
- Claro.
- Vocês formam um belo casal.

Olhei para ele curioso com o comentário.

- Bom, obrigado, você é muito simpático.
- Há há, gentileza sua. – Ele se virou e saiu satisfeito.
- Espere... – Puxei-o para baixo pelo braço – Você pode me trazer uma boa dose de conhaque?

Ele me olhou, sorriu.

- Não é permitido vendermos bebidas alcoólicas antes das onze, mas eu dou um jeito.

Coloquei uma nota no bolso de sua camisa.

Mélanie me olhava no fundo dos olhos, sabia que não era pela bebida, geralmente eu tomava umas às oito horas da manhã.

- Com ele você é gentil?
- “Sempre seja bom com os que trazem sua comida ou sua bebida.”.
- Você é encantador.

O garçom voltou logo com nossos pedidos, todos eles. Agradeci, ele sorriu outra vez. A felicidade às vezes depende de um gesto simples como tratar alguém bem ou com respeito, recebendo isso de volta.

Eu estava feliz com meu conhaque em mãos.

- Leo, olhe discretamente para o lado direito.

Um casal se acariciava, estavam bêbados talvez, ela brincava com a calça dele.

- Que baixaria...
- Estão apenas vivendo o momento. Hoje é um saco viver, acordar pra sentir o vazio da alma. Gostaria de ser como eles em certos momentos, são felizes e desinibidos.

Tomei um gole de café.

- De certa forma está certo. Mas isso é um local público.
- Sim.
- Você está triste?
- Não se preocupe, estou bem.
- Sei que não.

Ainda tomei dois copos de conhaque antes de sairmos.

Combinamos de encontrar com um casal de amigos, Ana Letícia e Noel. Ana era jornalista formada, tinha a pele branca como neve, corpo magro, porém belo, sorriso e olhar de tristeza, apesar de ser capaz de alcançar a felicidade, principalmente graças a Noel. Já ele, era alto, magro, sempre com um belo sorriso amarelado e engraçado no rosto para nos fazer rir.

- Leo! – Exclamaram juntos e sorridentes.
- Meus amigos! – Olhei para Mélanie me recordando de seu desabafo quanto ao número de amigos que eu possuía.
- Há quanto tempo não nos vemos, você mudou muito.
- Cara, você tá parecendo aqueles homens das cavernas dos desenhos, há há há.
- Obrigado – Apesar da brincadeira, eu realmente me orgulhava daquilo.
- Mélanie, sempre linda, não?
- Obrigada Leticia. Você também não deixa de ser uma fofa e linda.
- Então, prontos para ir?
- Sim, vamos logo para evitar o trânsito.

Entramos no meu carro, eles deixaram o deles em casa. Logo estávamos na estrada, a caminho de São Paulo para a Bienal do Livro. Este ano eu iria credenciado, nós escritores também merecemos certos privilégios, por que não?

A viagem fora tranquila, muitas conversas colocadas em dia, músicas calmas, outras agitadas, mas todas de ótima qualidade. A estrada impecável, sem transito até chegarmos no Sambódromo, onde uma fila de uns 30 carros nos aguardava.

- Mas que merda!
- Mal chegamos e já entramos no clima paulista... – Disse Leticia.
- Ei, você! Vá à merda! – Gritei para todos que olharam. – Agora sim, o ar puro me proporcionou essa alegria paulista.
- Afinal, qual a diferença de paulista para paulistano? – Perguntou Mélanie.
- Paulista nasceu aqui, paulistano somos nós que nascemos no estado de São Paulo. – Respondi.
- Mas que bonito. Você é muito mais do que apenas álcool e odor de cigarros. – Elogiou-me Noel.

Deixamos o carro no estacionamento, 20 reais até o fim do evento. Peguei minha credencial e nos encaminhamos todos para a entrada dos credenciados.

- O senhor não pode fumar lá dentro, terá de apagar seu cigarro. – Direcionou-se a mim um segurança.
- Ó, perdão. Eu não me dei conta disso, apagarei meu cigarro agora. Me desculpe. – Olhava para ele com um sorriso falso no rosto e em meu tom de voz.

A fumaça ia diretamente a seu nariz antes de apagar meu cigarro. Entramos, acendi outro.

O lugar estava enfestado de gente, alunos, velhos, adolescentes, adolescentes esquisitos com roupas esquisitas e caras esquisitas e cheiros esquisitos. Por sorte o cheiro dos livros anulava o odor de todos ao meu redor, a temperatura estava alta, ainda mais por que eu, como de costume, não largava de minha flanela azul marinho.

- Vamos naquele estande!
- Venham, vamos ver aquele outro!
- Ali parece ser legal, vamos, vamos!

Andamos como loucos, fomos a todos os estandes possíveis, até nossas pernas se sentirem mortas.

- Vamos comer. – Disseram Mél e Leticia.
- Puta que pariu! Com essas filas iremos comer amanhã de manhã. – Disse Noel com seu belo sorriso no rosto.
- Caralho...

Entramos na fila. Quinze minutos depois estávamos na metade. Mais dez e estávamos a cinco pessoas de sermos atendidos. Outros dez minutos e finalmente, éramos nós os escolhidos pelo divino.

- Bom tarde, o que vão querer? – Perguntou a vaca da atendente sem a menor vontade de nos servir.

Pedimos dúzias de lanches, não me lembro do que eram. Ela, novamente com má vontade, nos cobrou e em troca, recebemos um papel com uma senha. Outra vez na fila de espera.

- Mas que estúpida. – Reclamei – Entendo que a esta altura ela deve estar exausta, mas e dai? Não sou culpado por ela ter de receber meu dinheiro e se sentir irritada para descontar no atendimento.
- Calma, amor, tudo irá melhorar. Olhe este lugar, você ainda irá ser o dono de um evento de tamanho porte. Seus livros já estão por ai, aguarde, o mundo se curvará diante de seu talento.
- Tá...

Em vinte minutos todos estavam comendo, menos eu, é claro. Esqueceram-se do meu pedido, fiquei mais alguns minutos, intermináveis minutos, até dar no saco.

- Ainda não recebeu?
- Não.

A luz foi cortada, pela terceira vez. O evento estava ótimo, se não fosse pelo número interminável de pessoas, odores, cortes de luzes e pelo atendimento do “restaurante”.

- Nossa como não?
- Esqueceram-se dessa merda.
- Calma. Ei, moça... Moça...
- EI AMIGO!
- Sim, o que foi? – Ele me olhava feio.
- Vocês se esqueceram do meu lanche.
- Tá legal, já vou ver isso.
- Estou aqui a muito mais tempo do que qualquer um.
- Já vou ver. – Ele nem se dava ao trabalho de me olhar nos olhos mais.
- Você não entendeu, eu disse que se esqueceram da minha comida, aquela que eu esperei infernos para pedir e pagar e não receber.

Ele me olhou feio outra vez.

- O que você quer?
- Entreguei o papel.
- TÁ.

Recebi meu lanche. Comi sem vontade de comer, malditos...

Bebia em meu cantil, andávamos mais pelos estandes a procura de algo que valesse a pena pagar para ler.

Povo brasileiro, por favor, valorizem mais nossos escritores, valorizem mais os que prestem e não se percam em best-sellers. Há tanto o que ler por ai, da poesia aos romances, não se deixem ficar presos a esse único tipo de literatura, para não falar nos cultuados monólogos das redes sociais...

Ficamos lá por horas. Comprei dúzias de livros – “As Barbas do Imperador”, “Desespero”, “Doze Anos com Hitler”, “Poemas - Fernando Pessoa”, etc. No final foi um dia bom e rentável. Mas eu não via a hora de sairmos de lá. Estávamos todos cansados e, apenas eu e Noel, ainda pouco embriagados.

- Acho que está na hora de irmos embora. – Disse Leticia.
- Sim, está mesmo, Mal sinto minhas pernas. – Disse Mélanie.
- Eeei, esperem! – Disse Noel ofegante.
- O que foi? – Perguntaram.
- O Leo, de novo se metendo em confusões!
- O que?!?! – Exclamou em alto tom Mélanie.
- Ali, olhem.

Eu estava discutindo com um segurança e um babaca gordo.

- Olha aqui seu idiota, você acha que por ter esse crachá no pescoço pode falar o que quiser? – O gordo soltava um bafo de hambúrguer ao se direcionar a mim.
- Enfie suas palavras no CU!
- Senhor, eu vou pedir pra você se retirar.
- Não se mete.
- Senhor, - O segurança colocou a mão no meu ombro – você andou bebendo? É melhor tomar cuidado com o que diz.

Joguei-o contra a parede com um empurrão, segurava ele pela gola da camisa.

- Não me ameace seu filho de uma vaca. – Sentia que estava com um olhar de louco, com os olhos pulsando apontados como armas para seu rosto patético assustado.
- LEO! Larga ele agora!

Noel me pegou pelo braço e pediu para eu larga-lo. Soltei-o, mas antes o mandei tomar num certo lugar. Fomos embora.

No carro, eles me perguntaram o que havia acontecido.

- Aquele gordo fedia de mais. Ele pegou um livro e começou a falar merda.
- Tudo aquilo por isso??? – Perguntou Mélanie.
- Eu escutei sem perceber. Ele falava que On The Road era uma bosta qualquer, que assim como Crepúsculo, era apenas uma “jogadinha de marketing” para lucrar com as histórias de “outro drogado americano que se via como um filósofo qualquer”.
- Leo!
- O que? On The Road não é um livro qualquer. Jack Kerouac não é um homem qualquer...
- Ai meu deus. Nunca mais faça isso.

Noel e Leticia riram. De repente todos começaram a rir do ocorrido.

O som estava alto, a música era boa, todos conversavam outra vez. A estrada de volta estava limpa como antes, o sol se punha diante de meus olhos, era a melhor parte da viagem, a estrada. Olhei pelo retrovisor, São Paulo ficava para trás, o gordo ficava para trás, toda aquela poluição também. Coloquei a mão para fora da janela, levantei o dedo e sorria. Meus olhos estavam calmos por trás de meus óculos escuros. Nos vemos por ai...

segunda-feira, 30 de julho de 2012

Reunião de Negócios

- PUTA QUE PARIU!
- O que foi?
- EU TO CAGANDO MERDA VERDE!
- O que?!
- A minha bosta tá verde!
- Como assim, Leo? Verde?
- É, cacete, tá verde.
- Há há há. – Ela ria da minha desgraça.
- Do que você tá rindo? Não iria rir se fosse com você.
- Sim, por que eu nunca bebo tanto quanto você, então eu não chego nesse ponto.
- Isso não vai ajudar a resolver meu problema.
- Talvez se diminuísse a bebedeira... Isso é normal, você não se alimenta direito, bebe o dia inteiro. Como foi a sua reunião ontem? Pelo jeito de arrasar, não?

Fiquei alguns minutos ainda no banheiro, tentando esfriar a cabeça jogando água no rosto. Odeio quando isso acontece, a bebida estava acabando comigo naquela manhã e pra piorar Mélanie se aproveitava da situação para me dizer como eu estava abusando dos meus hábitos.

A reunião a que ela se referia, não foi nada convencional. Eu, Bob e Alex fomos nos encontrar na noite anterior, realmente para uma reunião. Bob e eu iriamos discutir alguns assuntos de trabalho, um amigo dele me queria como roteirista em um curta que estava para fazer. Alex foi para beber, é claro. Então nos encontramos em um bar, conversamos e por fim fomos a uma boate de strip-tease.

- Aqui estamos nós! O Inferno Verde, o melhor lugar para beber, ver umas tetas balançado e um bumbum requebrando no seu colo.
- Você é um péssimo publicitário Alex.
- Cala a boca e vamos entrar logo!
- Tarado... – Disse Bob com ar decepcionado e irônico.

Entramos na fila e alguns cigarros e conversas sobre raspar ou não a bunda depois (nunca entendi como chegávamos nesse tipo de assunto) chegamos até a porta.

- 80 reais com duas cervejas por conta da casa.
- É, espero que isso valha a pena, não cago dinheiro.
- Leo, fica quieto e entra seu cachaceiro.

O lugar piscava luzes verdes, obviamente. O chão era coberto por uma fina camada de fumaça com tonalidades esverdeadas devido às luzes. Havia um bar, mas todas as cadeiras estavam ocupadas, assim como as duas fileiras de frente para o palco onde as dançarinas fariam suas belas apresentações. Sentamos no canto, duas poltronas para duas pessoas e uma mesa.

Uma das garotas se aproximou e se apresentou:

- Olá rapazes, vocês são novos aqui, certo?
- Sim, minha linda. – Alex, sempre tarado olhava aqueles peitões enormes.
- Bom, é um prazer conhece-los. Meu nome é Catarina, eu sou responsável por satisfazê-los com nossos drinques.
- Eu sou Bob, esse tarado aqui é o Alex e o barbudo encarando o poste de iluminação do palco é o Leonard.
- Há há, vocês são engraçados.
- Não diga isso, Bob tem a ilusão de que sabe fazer piadas tão boas quanto Jerry Seinfeld.
- Ei, fica na sua maluco!

Rimos todos juntos.

- E então cavalheiros o que gostariam de beber?
- Uísque para todos?
- Se você pagar... – Alex, sempre mendigando.
- Uísque e as nossas cervejas gratuitas.
- Estarei de volta em cinco minutos rapazes.

Ela tinha um lindo sorriso.

Algumas garotas começaram a sair de toda parte. Algumas muito lindas, outras apenas com pernas, peitos e bunda exageradamente grandes. Elas rodavam as mesas oferecendo danças no colo, danças na sala particular e coisas do tipo. Eu nunca fui do tipo que fica olhando para cada pedaço de bunda que passa empinando por ai, na verdade eu sempre reparo nas pessoas ao redor, vejo cada olhar que aquela bunda ganha e a reação que ela causa em um velho tarado ou em um adolescente punheteiro.

- Então, Leo. Aquele assunto que queria tratar com você...
- O que tem ele?
- Um amigo meu lê seu trabalho e é um grande apreciador dele. Assim como você também idolatra Bukowski, Kerouac, e ele vai fazer um curta agora em Agosto, me pediu para te apresentar a ele para conversar, conhecer o autor. Eu acredito que ele vai te fazer a proposta logo nessa primeira conversa. Ele te quer trabalhando com ele.
- Não gostei disso.
- Do que?
- Ele parece me desejar muito, isso pode dar cadeia.
- Cadeia? Do que você tá falando? Há há.
- O cara vai pensar que tem intimidade, só por que leu algo meu acha que me conhece.
- Não é assim, eu te garanto. Ele quer seu trabalho, gosta dele e acha que encaixa perfeitamente no filme.
- E sobre o que seria esse tal filme?
- É sobre um vagabundo que larga os estudos com 19 anos, após repetir duas vezes seguidas o último ano do ensino médio. Ele começa a viajar em contos eróticos e de aventuras, como as de Kerouac. Ele se prepara para um mochilão pela Europa, mas não chega nisso. O curta mostra toda a preparação, o que ele acha que sabe, mas no fim precisa aprender para enfrentar esse tipo de desafio. Coisas assim.
- Hm.
- Hm? Eae, interessado?
- Acho que sim, preciso pensar um pouco. Ei, querida! Caty, por favor, traga mais uma dose para mim.
- Vocês vão passar a noite nessa conversa mole? Vamos apreciar o trabalho das meninas, elas se esforçam tanto pra chegar onde estão e vocês não valorizam isso. – Alex, sempre falando mais do que deveria.
- Ééé! Vamos curtir essas garotas! –Bob entrou no clima.
- Agora sim! – Alex se entusiasmou mais.

Rodas de bebidas e mulheres se foram num piscar de olhos.

- Cara, eu tô viciado num mamãe e papai. – Disse Alex com água na boca.
- Eu prefiro que ela dê uma boa cavalgada. – Continuo Bob.
- E você Leo, o que prefere?
- Eu? Sexo é ótimo de qualquer maneira, mas se fosse escolhe uma posição... Não sei, talvez por trás, pegar numa cintura desenhada e ver duas pernas brancas indo para frente e para trás, com a sensação de total entrega no rosto de uma mulher... Não tem preço.
- Você sempre tem de ser tão especifico, não é? Maldito, preciso disso agora! – Bob era um pervertido nato.
- Sua francesa deve estar realizada com essa sua imaginação.
- Realizada? Meu velho amigo Alex, aquela desgraçada parece ter sido feita sob medida para mim. Somos perfeitamente moldados, como se fossemos duas peças que apenas se encaixariam com perfeição se estivermos unidos.
- Tá apaixonado... – Debochava Bob.
- Vocês não entendem, quando ela abre aquelas pernas para mim, meu pau entra com amor e precisão.
- De novo? Cara, eu já tô enlouquecendo com esse papo todo, preciso de uma xoxota molhada nesse momento... Encontro com vocês mais tarde, verei o que consigo por aqui. – Alex, sempre conseguindo o que quer, quando quer.

O que aconteceu em seguida é difícil descrever, as coisas que lembro depois de mais rodadas de uísque com Bob são pedaços mal resumidos do restante da noite. Algo com um negro e um careca nos expulsando por alguma bobagem que Alex aprontou pra cima dos peitões da garçonete, algumas porradas na barriga e na cara em seguida, uma longa caminhada até alguma parte da Dutra... Em fim, estava tudo bem no final, estava em casa, estava vivo, estava com Mélanie me comendo os ouvidos com tantas reclamações.

domingo, 15 de julho de 2012

Papa, Maman, É Um Prazer Conhece-los

O sol se escondia atrás das nuvens e uma leve brisa esfriava nossas mãos e narizes desprotegidos. Mél comia um pão de queijo acompanhado de uma xícara de chá, ela também lia um livro de poemas de Fernando Pessoa. Eu lia meu jornal enquanto tomava uma grande caneca com café bem forte. Esse era outro hábito que herdei de meu pai, canecas e canecas cheias de café e cada vez menos açúcar. As pessoas falam a respeito do álcool, do cigarro, da maconha e do crack, mas poucos querem abrir seus olhos para essa droga que nos rodeia, chamada açúcar. O maldito pode ser pior que as demais drogas. Entre em uma padaria ou em um supermercado e faça uma lista de cinco coisas que tenham açúcar e outra que não tenha uma grama. Qual será mais fácil e rápido de encontrar?

- Você não contou como foi em Paraty.

Ela se referia ao festival de literatura da Flip, em que se reúnem diversos
escritores para debates, amostras de seus trabalhos e por ai vai.

- Não foi grande coisa... Diferente dos outros anos, este foi terrivelmente monótono, não me contive e fiquei completamente embriagado durante a maior parte do tempo.
- Que novidade.
- O ultimo dia, que em geral é o mais vazio e chato, recebeu o maior público, mas não quer dizer nada, afinal os dois debates foram como um papo entre comadres. Não houve discussão, apenas concordâncias. Uma grande perda de tempo, se eu estivesse sóbrio.
- Por que tudo te leva a esse caminho?
- Todo dia é dia, só muda de nome.
- Você nunca está satisfeito com as coisas como estão.
- E você está? Nunca devemos nos dar por satisfeitos com nada e com ninguém.
- De onde saiu isso?
- Eu li uma vez em um livro de autoajuda.
- Agora sim, tudo faz sentido outra vez.

Era um sábado agradável, a cidade parecia menos agitada. Estávamos no carro dando uma volta após o café da manhã.

- E então, os seus pais viram esta noite?
- Sim, e, por favor, você se comporte durante o jantar, senhor Cocain. – Ela me olhava de um jeito que eu pularia daquele carro ainda em movimento se fosse de sua vontade.
- Quando eu te decepcionei minha linda?
- Não vamos entrar nesse assunto, pois você sabe que duraria horas.

Fiquei calado.

Olhei para o semáforo que nunca acendia a luz verde, e refleti sobre tudo por alguns segundos.

- Eu serei aquele que escreverá sobre o fim do mundo.

Fomos até o salão de beleza, Mél tinha hora marcada para fazer cabelo, unha e sei lá mais o que. Joseph, o cabeleireiro nos recebeu.

- Menina, mas que cabelão lindo!

Ele era uma bicha magricela, cabelo espetado, sorria o tempo inteiro. O problema era sua voz, típica, aguda, alta.

- E esse deve ser o seu bofe, encantada em recebê-los em meu estabelecimento.
- Oi Jô, quanto tempo. Nossa como as cosias mudaram aqui, incrível!
- Ai, menina... Tem sido uma loucura! Mas Graças ao nosso bom Deus tem dado tudo certíssimo.

Eles riam, eu não entendia metade do que eles falavam. Aliás, todos naquele lugar falavam, era uma feira, um num tom maior do que o outro.

Passei horas sentado esperando, até que me cansei daquilo tudo, era muito barulho. Decidi dar uma volta, é claro, procurar por um lugar onde houvesse cerveja barata.

Encontrei um boteco, apenas um velho sentado tomando uma. Pedi uma garrafa para acompanha-lo, ele me olhou nos olhos quando entrei e me cumprimentou, parecia ser muito sábio e simpático, gostei dele.

- Então, o que te trás até aqui? Não é deste bairro, certo meu jovem?
- Não, não sou mesmo. Minha mulher está no salão, não aguentei muito tempo e vim respirar um ar puro.
- Com uma cerveja gelada, muito esperto!

Rimos despreocupados.

- Não consigo passar perto daquele salão, o bicha de lá sempre fala muito e muito alto, dói meus ouvidos.
- Eu não entendo o que os gays de hoje em dia ainda reclamam, eles já conquistaram muita coisa nos últimos anos e ainda reclamam da falta de direitos?
- Nem me fale, no meu tempo eles não podiam sair do armário, hoje eles se apertam por todos os cantos.
- Se eu acender um cigarro aqui dentro, posso ser preso, no mínimo alguém terá de pagar uma multa. Eles podem se beijar, se casar, fazer o que quiser, até adotar um filho, mas ainda assim querem brigar?
- Um brinde aos velhos tempos!
- O senhor é quem manda, eu estou só de passagem.

Voltei para o salão depois de quase quarenta minutos bebendo com o velho. Paguei por tudo, elogiei o resultado olhando em seus olhos durante alguns segundos, para mostrar confiança no que dizia, e então voltamos para casa.

- Bom, vou me arrumar. Preciso tomar um banho e escolher algo para vestir. Você também faça o mesmo, tá?

Olhava enquanto ela se despia, seu corpo é magnifico.

- Eu prefiro você assim, não precisa de roupa alguma.
- Sim, para encontrar com meus pais.

Eu sorri para ela, a mensagem foi clara. Mélanie largou suas roupas no chão e veio em minha direção, eu já estava deitado na cama. Passou a perna por cima de mim e montou. Suas pernas macias me aqueciam, agarrei firme sua bunda, com as duas mãos.

- Eu odeio quando você faz isso.
- A é? E por que meu lindinho?

Desgraçada, ela sabia exatamente o porquê e queria me ouvir dizer. Maldito instinto dominador que ela tinha aquilo me excitava!

Segurei na cintura e peguei a coxa com a outra mão, como se estivéssemos em uma luta livre rolamos, para o lado. Eu estava por cima agora.

Aproximava meu rosto ao dela devagar, coloquei seu cabelo atrás da orelha olhando fixo para seus lábios. Suas pernas me laçaram e como dois animais exalando tesão, transamos. Às vezes me sentia como um monstro perto dela, uma espécie de Jim Morrison no fim da vida, a barba enorme, a barriga crescendo, mas sem tanta fama ou dinheiro como ele. E ela cada vez mais linda e sexy com um cara desses em cima dela, era um pensamento horrível me imaginar diante de seus olhos.

O sexo com ela era natural, selvagem e inovador, cada transa é diferente, melhora a cada metida.

Fomos encontrar os pais dela em um restaurante de comida burguesa, não lembro qual era a especialidade da casa, o que me lembro é que não seria nada barato. Para a ocasião eu tomei banho e vestia minha melhor camisa social, preta como sempre e tinha aparado a barba depois de quase quatro meses.

- Minha filha! Mas que saudade! – Disse o pai dela.
- Meu amor, você está linda! – Disse a mãe.
- Papa, Maman esse é meu namorado, Leonard.

Ambos estavam muito elegantes. Aparentavam ter entre 60 a 75 anos, muito bem fisicamente e de saúde, como Mél já havia me contado antes.

- Bonjour, é um prazer finalmente conhece-lo pessoalmente.
- Digo o mesmo. Estou encantado, a senhora é tão linda quanto sua filha.
- Mas que galanteador, estou lisonjeada.
- Trouxe um pequeno presente. – Entreguei a caixa de uísque.
- Mas que belo presente! Muito obrigado.

O pai se chamava Bernard, e a mãe era Noelle.

Comíamos e bebíamos em um jantar agradável, sem nenhum problema causado por mim, o que Mél temia antes.

- Então, Leonard você é um escritor muito bom e sincero.
- Obrigado, Bernard. Fico feliz em saber que meu trabalho chegou até uma pessoa com o senhor, e ainda mais feliz por tê-lo agradado. – Eu sei ser educado e formal quando necessário.
- Mas o que eu deveria sentir ao ler sobre sexo e imaginar a minha filha nesse livro? – Ele estava ficando bêbado.
- Bom... – Pensei, pensei muito antes de responder – ao menos não é sobre outra mulher, não é mesmo?

Ele poderia ter uma arma mocozada dentro de seu paletó e iria usa-la para me matar naquele momento. Ou então ele quebraria aquela garrafa caríssima de uísque bem no meio da minha testa. Mas sua reação me surpreendeu muito mais.

- Há há há! O mundo está precisando de homens como você, sinceros e confiantes em seu dom. Você será grande, meu filho! – Ele dava tapinhas nas minhas costas e sorria.

Tive de respirar fundo e tomar uma grande golada depois daquela.

- Diga-me, além de escrever livros, o que mais você faz Leonard?

Olhei para Mélanie, ela sabia o que eu responderia: “Eu não faço nada, meu subconsciente é quem trabalha de verdade. Eu só preciso de uma garrafa como está para liberta-lo e deixar a coisa fluir num pedaço de papel qualquer...”, ou algo do tipo.

- Eu já tentei ser músico, tentei usar meu diploma para alguma coisa, mas nada foi tão impactante na minha vida quanto à escrita. Ela é a única que consegue me atingir de verdade.
- Mas que lindas palavras! Você realmente ama seu trabalho. – Disse Noelle.

A noite seguiu seu caminho sem grandes surpresas. Impressionantemente agradável e levemente bêbado, até eu estava surpreso quando chegou a hora de me despedir deles. Os três ficariam na casa de Mélanie.

- Vejo que minha filha está em boas mãos. Continue cuidando bem dela.
- É um prazer estar ao lado de uma mulher tão encantadora como a sua filha, senhor. Obrigado pela noite muito agradável. - Respondi Bernard - E obrigado pela belíssima presença está noite. – Falei me direcionando para Noelle.

Mélanie me acompanhou até meu carro.

- Obrigada por isso, meu querido.

Seu sorriso mostrava que meu esforço valerá a pena.

- Não se preocupe, eu cuidarei bem de você.
- Eu sei disso.

Nos beijamos e ela se foi. Foi uma grande noite, merecia uma comemoração, então se Mél estaria com seus pais em sua casa, eu estaria comemorando com a minha garrafa de uísque caríssima, ou você pensou que eu iria dar uma daquelas para ele e depois iria tomar cachaça num boteco?

terça-feira, 26 de junho de 2012

Direção Certa

- Sejam todos bem vindos a Exposição Literária de Escritores da Região. Esperamos que vocês possam apreciar as obras apresentadas. Estaremos servindo bebidas e petiscos durante toda a exposição, que terminará às 23 horas em ponto. Tenham uma boa noite! – Anunciou o anfitrião do evento.

Era uma noite importante, meus escritos estariam sendo expostos no local. Mélanie usava um vestido preto, com detalhes brilhantes e saia até a metade das coxas, ela havia comprado ele especialmente para a ocasião. Eu também estava bem vestido com meu smoking preto e com Charles cheio até a tampa com uísque para acalmar meus nervosos, afinal eu teria de apresentar meus trabalhos para o público. É estupidez fazer um artista ter de explicar sua obra, não importa qual seja, está ali, escrita, desenhada, pintada da forma como o autor pensou. O trabalho já foi feito, agora basta interpretar, usar um pouco do que resta da inteligência dentro de suas cabeças. A pior coisa para um artista é apresentar seu trabalho, é aquela pessoa não entender a mensagem dentro da arte.

- Em fim a grande noite! – Bob chegou todo elegante com sua nova acompanhante, Melissa.
- Sim... Finalmente. - Respondi.
- Nervoso?
- O que acha meu velho? – Tomei uma golada.
- Relaxa, você escreve bem pra caralho, as pessoas te adoram.
- Não é isso... – Peguei um copo de uísque com o garçom e comecei a tomar.
- Não é esse o temor dele, Leo tem medo de palco. Acha que sua voz muda, que seu comportamento fica diferente e que todos o odeiam. – Interviu Mélanie.
- Leo, fica tranquilo cara, toma mais um gole e vamos fumar um cigarro. Você se sairá bem lá na frente, confie em mim irmão. – Tranquilizava-me Bob.
- Meu caro, mas que bela noite não? – Disse alguém que se aproximava.

Era outro escritor, o pior dos tipos, aquele que se acha o melhor mas não admite isso e ainda se considera o mais culto dentre todos ao seu redor, seu nome era Thiago Fernando de Souza, quem nesse ramo se chama Thiago Fernando?

Ele era um babaca. Estava com suas roupas de alta classe, seu topete levantado, a barba “para fazer” mas muito bem feita, seu sorriso idiota na cara, os olhos verdes, cara estúpida... Eu queria soca-lo quando reconheci a voz grossa soando em meus ouvidos.

- O que você quer? – Respondi.
- Apenas cumprimenta-lo e desejar boa sorte a meu companheiro de ofício.
- Não existe amizade entre concorrentes, é isso que somos, concorrentes. Você quer o meu pão, e eu quero o seu. Odeio o seu trabalho e você odeia o meu.
- Leo, não fale assim com ele somente por que está nervoso. Olá Thiago, há quanto tempo. – Mélanie novamente interviu.
- Olá minha nega, como você está?

Deram um abraço apertado e um beijo no rosto. Bastardo, essa é a minha mulher.

- Estou ótima e você? Nervoso também para a apresentação?
- Melhor impossível, ainda mais quando tenho o privilegio de estar em sua companhia. Nervoso? Jamais, me acostumei com esse tipo de evento, afinal faz parte do trabalho não?

Riram como dois idiotas.

- Como é bom vê-la novamente querida, você não sabe como eu sentia falta desse seu jeitinho e de como você puxa o...

Bob me puxou para o canto.

- Calma, não comece a ficar puto.
- Maldito, você me conhece melhor do que eu mesmo. Olhe para eles, dois babacas.
- Relaxa você não precisa inventar merda pra cabeça, ela é sua mulher, não de um babaca qualquer. E quem é esse cara?
- É um idiota metido a escritor culto que ela jura ser um grande amigo, mas eu sei quem ele é e o que passa naquela cabeça estupida dele... O escroto deve pensar enquanto olha para os lábios dele como seria beija-los, tenho certeza disso!
- Viu? Você mesmo sabe que ele é apenas um idiota que quer o que não pode e nunca terá, no caso, é a sua garota.
- Eu quero ir até lá e soca-lo até tirar o sorriso mongol da cara dele!
- Leo, para com isso! Anda, vamos dar uma volta.

Por mais que eu não quisesse deixa-los a sós, eu sabia que era melhor sair com Bob para esfriar a cabeça, eles são amigos, não poderia fazer nada para impedir isso.

Andamos, bebemos, Bob olhava para a bunda de todas que passavam a cinco cm de distancia e dizia alguma piada besta. Nada de novo naquilo tudo, nem no lugar. Decoradores sem criatividade...

Saímos para fumar.

- EI, LEO! TO FALANDO COM VOCÊ HÁ MEIA HORA, TA ME OUVINDO?
- Oi... Desculpa, eu me distrai com o céu...
- É, com o céu, sei...
- Bob, eu to bêbado, minha mulher tá com outro cara ao invés de estar aqui cuidando de mim e me ajudando a me preparar pra apresentação... Era pra ser uma noite importante para nós, e o que eu ganhei com isso? Nada cara, eu to sozinho outra vez.
- Mas que porra deu em você pra fica tão sentimental? Essa merda não é uísque, tá tomando hormônio feminino?

Dei um soco em seu braço.

- Você precisa de uma viagem, e eu sei muito bem para onde. – Ele sorria.
- Do que você tá falando?
- Um lugar onde cachaça brota do chão, a nicotina está no ar, no topo dos morros tudo que se pode achar é paz, sossego e uma cadeira te esperando para apreciar tudo isso em uma dose. O paraíso que tanto amamos, Pedralva.
Rimos descontraídos, como se nada houvesse acontecido, minha cabeça estava limpa, sem pensamentos negativos e eu não estava bêbado. Voltei a realidade.
- É você pode ter razão... Mas ela ainda está lá com outro.
- Isso tudo é coisa da sua cabeça...

Interrompi.

- Caralho, eu to bêbado, não surdo! Você já disse isso mil vezes e eu sei que não é tudo da minha cabeça... Agora anda logo, vamos lá pra dentro.

Voltamos para o evento. O número de pessoas presentes parecia estar maior a cada canto que eu conseguia olhar e diferenciar pessoas de paredes. Procurei Mélanie, sem sucesso. Até que notei seu perfume presente ali, próximo ao palco aonde eu iria me apresentar. Thiago a segurava pelo braço fazendo caricias, ela notou meu olhar, mas antes mesmo disso, já havia tirado as mãos do infeliz.

- E agora, aqui neste palco para um rápido bate papo sobre suas obras, o nome da escrita Bukowskiana: Leonard Cocain.

Uma luz ascendeu sobre mim, olhei ao redor muito tonto. Pus a mão em frente aos meus olhos para evitar ficar cego, respirei fundo, foquei minha raiva e meu ódio pelo mundo naquele momento em minhas pernas, para terem força suficiente pra me tirarem o quanto antes dali. Fui até o bar depois do salão de eventos.

- Desce mais uma. – Pedi ao garçom.
- Noite difícil, hein?
- Desculpe, eu não ouvi nada. Droga, eu to bêbado e surdo.
- Há há há. Aqui, essa é por conta da casa.
- Você é o melhor!

Uma mão delicadamente descia do meu ombro até minha mão com minha dose ainda cheia.

- Sabia que te encontraria aqui, meu amor.
- O que foi, cansou da festa?
- Você está aqui há duas horas, Bob me disse o que aconteceu. Vamos para casa meu querido, você não está bem.
- Eu estaria melhor dentro de um barril de pinga! – Minha voz soava como a de bêbados de desenhos animados, com soluços e tudo mais.
- Não deixe que o álcool fale por você. Pare de baboseira e me deixe te ajudar a levantar. Onde estão as chaves do carro?
- Ele está bem? O que houve companheiro? – Thiago surgiu para alegrar mais minha noite.

Levantei com o impulso da raiva, Mélanie deu um passo para trás assustada. Agarrei-o pelo colarinho com uma mão e o forcei contra o balcão.

- Olha aqui seu filho da puta metido. Não encoste mais na minha mulher, não tente entrar em contato com ela. Quem você pensa que é para chama-la de “nega” ou de “sua”? – Aproximava meu rosto ao dele devagar, para afronta-lo com meu bafo. – Vocês não são mais amigos, entendeu? Nunca foram. O tempo todo você pensava em entrar nela, mas agora chega, eu não vou aguentar esse monte de merda calado. Chega perto dela ou de mim outra vez que eu te faço engolir essas merdas de poemas todos entendeu?
- Leo, se acalme, por favor. Ele não fez nada de errado, apenas conversamos.
- Sim, apenas conversamos. Eu me precipitei, mas não pude me conter ao olhar para ela ali parada lendo...


Todos ficaram mudos, não existia mais som, apenas imagens se mexendo diante de mim. Meu copo caiu no chão, minhas mãos imploravam por um golpe certeiro naquele rosto de burguês que ele tinha. Mas não foi isso que aconteceu. Eu me contive como nunca antes havia feito, tomei fôlego e sai dali com Mélanie em meus braços, deixando para trás um ser que não valia um mero soco nos dentes. Ele é um verme tentado me passar para trás, mas isso não irá acontecer, ninguém me passará para trás, nem mesmo minha cabeça.

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Três Lados Da Mesma Verdade

- Acho que não deveríamos por preço na arte, mas se é necessário, ninguém melhor do que um apreciador dela.
- Sim, mas como é a minha arte, eu acho que eu, como criador, posso por o preço que me for agradável.

Ele não sabia o que dizer.

- E o preço pela minha arte é 25 por poema e 50 por conto... – Me levantei, pronto para ir embora.
- Não, espere. Acho que como autor, você pode ter razão. – Me deu aquele olhar de raiva misturado com insatisfação e derrota.

Não me sentei enquanto ele não começou a assinar o cheque e outra dose de uísque não fosse entregue para mim. É impressionante como esses caras pensam que marcando uma reunião em um bar suas chances de me levar no bolso é fácil. Pelo contrario, as chances apenas diminuem, afinal, esta é a minha casa.

Voltei para casa, a outra, algumas horas depois com o carro lotado com sacolas de supermercado, era a primeira vez que eu fazia compras. Entrei, Mélanie me aguardava.

- Onde você estava? – Havia algo diferente nela.
- Oi pra você também, bom dia, tudo bem? Também senti sua falta...
- Pra que a ironia? Desde quando você faz compras?
- Ei, vá com calma mulher.
- Você está estranho.
- Mas o que? Eu acabei de chegar. Mél, eu tive aquela reunião hoje. Peguei um bom cheque e pensei em poupar o seu trabalho, então comprei algumas coisas para a casa.
- Hm.
- Vamos, me de um beijo.
- Seu... Bêbado. – Ela sempre tem de dar uma resposta.

Guardei as compras enquanto Mélanie lavava aquele corpo fenomenal. A água deslizando sob a pele macia de suas pernas, suas mãos delicadas ensaboando os seios, a barriga, o umbigo... É melhor mudar o foco.

- Já guardou tudo? O que você tem hoje?
- Há há, não há nada. Apenas quero te agradar meu amor.
- Ótimo, e agora o que faremos a tarde toda?
- Faremos o que você quiser. Hoje o poder é todo seu.
- O que é isso? Nenhuma insinuação sexual? Você não está excitado? Você está sempre excitado, treparia com suas garrafas se o buraco fosse maior.
- Mél, que porra é essa?!
- Vamos ao cinema, quero ver um filme romântico pra variar.
- Tá, você manda.

Ela me olhou feio, se virou e foi colocar uma roupa. Vesti uma camisa qualquer por cima da que eu já usava, estava pronto.

Mélanie mal falou o caminho inteiro, fiz o contrário. Contei sobre a conversa que tive recentemente com meu pai, sobre a reunião que tive, sobre o preço alto dos alimentos no mercado, sobre muitas merdas, para pelo menos falar algo.

O cinema estava razoavelmente ocupado, pegamos a sessão das 18 horas para “Meia Noite em Paris”, pensei que ela iria gostar de ver sua linda Paris no telão do cinema. O filme narra à história de um cara que tem o sonho de se tornar um escritor, então ele acaba virando roteirista em Hollywood, fica com uma boa grana, vai pra Paris com a mulher e os sogros, então lá ele volta aos velhos sonhos com a escrita. Uni nossos caminhos, Paris e literatura em uma escolha cinematográfica para agrada-la como fosse possível.

Após o filme, saímos para dar uma volta na rua.

- Está com frio?
- Não. - Ela olhava para o chão.
- Você está bem?
- Sim.
- Gostou do filme?
- Sim.
- Hm... A lua está linda esta noite, olhe quantas estrelas ao seu redor. Ela brilha como um farol à beira do mar.
- É...
- Mél, você está mesmo bem?
- Sim, já disse. Vamos para um bar!
- Você querendo ir a um bar?
- Qual o problema? Sempre gostei de bares e bebidas.
- Nunca disse dessa maneira, toda animada.
- Você sempre falava primeiro, ou eu tinha de ir te buscar torto em um boteco.
- Não é assim...
- Anda, vamos logo!

Ela escolheu o bar, apenas dirigi. Fomos justamente ao Coronel, o bar que fui expulso diversas vezes por brigas, discussões com travestis que ficam por lá, excesso de bebedeira... Mas era a vontade dela.

Lugar cheio, caro e chato.

- Olá, eu vou querer uma caipirinha de maracujá.

O garçom não tirava os olhos dela.

- Ei, amigão! Me trás um uísque, caprichado hein!
- Tá. – Ainda a olhava.
- Ei, vai logo! – Ordenei ao maldito.

Poucos minutos depois e ele voltou.

- Aqui está moça.
- Obrigada, você muito simpático.
- Quanta gentileza... O do senhor.
- Trás a garrafa, isso não tá caprichado.
- Não podemos, me desc...
- Trás a merda da garrafa antes que eu enfie esse copo no...
- Verei o que posso fazer.

Babaca...

Ganhei outra dose e um olhar hostil de brinde.

- Não precisava disso.
- Não me diga o que fazer.
- Estúpido.

Bebíamos calados. Passei o dia tentando agrada-la, fazendo tudo por ela, e tudo o que eu ganhei foi um “estúpido”, aquilo estava me cansando.

- Como anda o trabalho?
- Bem.
- E você?
- Bem, também.

Foi isso, duas horas bebendo em um lugar onde eu não era bem vindo com a minha mulher cada vez mais distante e no fim da noite fomos expulsos por que eu quebrei a garrafa de uísque no garçom. Não se preocupem, a garrafa já havia sido esvaziada, a cabeça do garçom também.

Chegamos em casa sem trocar um olhar, ambos bêbados. Bati a porta.

- Vai começar Leo?
- Não me fode a cabeça.
- O que há com você? Tem agido estranho o dia todo!
- Que diabos Mélanie! Eu passei o dia tentando te agradar.
- Por quê? O que aconteceu?
- Eu quero te fazer feliz, é difícil entender?
- O que você está escondendo?
- NADA MULHER!
- E a carta da “sua mana”???
- Quem?
- Sua mana! Na carta ela dizia o quanto sentia sua falta e que quer te ver logo e quer saber da sua vida e do nosso relacionamento...
- Respire um pouco.
- Não me diga o que fazer! Por que ela se refere a mim como “loirinha”?
- Mélanie se acalme. – Comecei a rir.
- Desgraçado, pare de rir. Você tem outra!
- Desculpe por isso...
- Não!
- Porra, me deixe explicar! Pare de me interromper...
- Não há o que dizer...
- É a minha irmã...
- Você me traiu, não teve a decência...
- Mél...
-... De me dizer, nem mesmo de esconder...
- Mélanie...
-... Deixou a carta largada sobre a mesa...

Peguei-a pelos braços e beijei-a com força, ela, bêbada, não resistiu. Calou-se.

- Mélanie, a minha “mana” é minha irmã. Ela está com saudades, quer te conhecer por que eu contei sobre você e o que você fez por mim me transformando em um homem melhor.

Ela não sabia como reagir. Seus olhos molhados expressavam alivio. Suas bochechas rosadas mostravam vergonha. Seus lábios aos poucos diziam algo... Ela vomitou no carpete. Entre lágrimas, vômitos e água do chuveiro, ela me pediu perdão. O amor causa muitos sentimentos, um deles é o ciúmes, e o é ciúmes mostra a reação da pessoa diante das três verdades de uma relação: A minha, a sua e o verdadeiro ocorrido.

sexta-feira, 25 de maio de 2012

Papel em Branco

Abri os olhos devagar, era ótimo acordar e a primeira coisa que eu veria seria ela.

- Caralho, que susto!
- Desculpe, eu não consegui mais dormir. – Mélanie sorria.
- Não é isso, eu apenas me sinto estranho quando você me olha assim. Envergonhado, não sei.
- Com esse monstro em seu rosto também.
- Não fala assim da minha barba. – Dei uns tapinhas em sua barriga. – Só não sei o que você vê.

Ela sorriu e mordeu o canto do lábio. Me coloquei em posição, suas pernas ao redor da minha cintura. Eu sempre dormia de cueca, às vezes sem, ela estava de camisola, só com sua calcinha vermelha por baixo, aquilo facilitava as coisas.

Estava molhada, apertadinha e quentinha. Entrava devagar, caminhando com a mão da sua perna até os seios. Apertei sua coxa direita, ela fechou os olhos, mordeu novamente os lábios, respirou fundo. Fui aumentando a velocidade.

Isso na mesma sincronia... Vamos meu amor, quase lá, isso... Que delícia!

Ela soltava gemidos, continuava quentinha.

PUTA MERDA!

Gozamos, ela me olhou com os olhos molhados, sorria.

- Eu te amo... – Me beijou.

Adormeci sem perceber. Quando acordei, Mél estava toda molhada, literalmente, tinha acabado de sair do banho e se enrolou em sua toalha de algodão. Ela fazia trancinhas na minha barba.

- Agora você quer brincar não é?
- Mas já está no pique meu amor? Há há.
- Você poderia me amarrar de ponta cabeça em um poste que ainda assim eu estaria pronto para você.
- Disso eu já sei, você está sempre pronto. Bom, eu tenho de ir trabalhar, não vá dormir demais. – Beijou minha testa e se levantou.
- Pode deixar comigo, estou só me preparando para o trabalho.
- Trabalho? Você vai querer que eu traga algo?
- Não, não, obrigado. Apenas tome cuidado lá fora.
- Tá legal meu amor. Tchau. – Fechou a porta.

Virei para o lado, fechei os olhos com um grande sorriso escondido dentro daquela caverna de pelos. Eu estava por cima outra vez, afinal, sou eu que escrevo essa história e nas minhas merdas, eu reino, sou herói e vilão ao mesmo tempo, sou o que quiser ser. E um dia você estará com um livro escrito por mim nas mãos, nele terão outras histórias da minha vida, todas. Infelizmente, todas serão realidade e fantasia, como sempre. Um pouco mais da desgraça do escritor bebum. Ainda serei rei.

Voltando ao que interessa.

O telefone tocou, atendi.

- Que é?
- Te acordei? – Era Arthur.
- Que horas são?
- Meio dia e alguma coisa.
- Tudo bem, eu já estava pra acordar. Quem morreu dessa vez?
- Ninguém, tenho algo pra você, são teus cheques.
- Tá, já vou ai buscar.

Trinta minutos e sete latinhas depois eu desci.

- Ai está o nosso herói. Você não lembra de pegar suas contas, seus cheques... Tem alguma coisa que ainda fica na sua memória?
- Tudo que eu preciso lembrar está guardado.
- E o que seria?
- Sempre levantar a tampa do vaso pra vomitar. Não dormir virado para cima, nem para baixo, de lado, sempre. E é claro, se for pra acabar, não é preciso incomodar mais ninguém, apenas deixe acontecer.
- É uma bela filosofia.
- Tenho pensado nela há algum tempo. Como você está com a patroa?
- Tudo bem, ela é a mulher da minha vida, nunca reclama do cheiro de boteco, das olheiras, da verba curta. Não sei o que faria sem ela. E você?
- Fico feliz em saber, Art. Eu? Estou sempre de bem com a vida, você me conhece muito bem meu velho.

Peguei meu cheque e um novo maço de cigarros. Subindo as escadas pude ouvir uma discussão do casal que havia se mudado há pouco tempo. Aquilo parecia que se tornaria rotina.

- Sua piranha! Há quanto tempo tem me escondido isso hein?
- Desde quando você se tornou esse porco asqueroso!
- Vadia, sua vadia... Outra mulher? Você me trai com outra mulher?!
- Sim, uma delicia de coxas brancas e seios rosados. Fico molhada só de pensar, mas quando olho para essa sua cara nojenta, vejo o lixo que você pode me dar e me vem uma vontade de cometer suicídio.
- Então por que não se mata de uma vez? Anda, venha até aqui e faça o seu trabalho, chupa essa porra até ficar roxo!
- Seu desgraçado...

Odeio vizinhos. Odeio caras como ele. Odeio mulheres como ela. Odeio mulheres que querem mulheres. Odeio a palavra “porra”. Odeio ter de conviver com isso. Odeio pensar em tudo isso...

Novamente no conforto do meu lar, as paredes não eram grossas o suficiente para abafar completamente a discussão, mas com um pouco de música e uísque seria possível ser feliz novamente.

Quando você não está bem consigo, não importa o quanto tente disfarçar, todos notaram, o mundo irá se unir ao seu mal estar e ao seu redor só haverá mais negatividade. O que eu poderia fazer? Continuei sentado com meu copo na mão e o papel em branco.

- Todo mundo precisa de um descanso, eu também mereço.

Ser escritor não é fácil, escritores tem quatro vezes mais chances de se tornar alcóolatras e o triplo de probabilidade de desenvolver transtornos de humor. É preciso sair para ver o mundo com outros olhos, olhos diferentes das pessoas normais, com isso vem o sofrimento, a dor que ao chegar no seu limite deve se procurar palavras para descrever esses sentimentos, os pensamentos e os sonhos. É necessário se fechar dentro de sua cabeça por meses, talvez anos, enquanto um livro é escrito... Não é fácil ser escritor.

- Onde está? Cadê você? Nós vamos dar uma volta. – Eu tentava achar meu cantil. – Charles, seu bastardo, aparece porra! Aqui está você, seu maldito...

Enchi Charles com o que havia sobrado de uísque, peguei meu maço, um casaco e sai para caminhar. As pessoas andavam de um lado para outro, não deviam estar pensando em nada de interessante, por isso não dei atenção. Não sabia para onde ia, apenas andava fumando e tomando alguns goles.

São esses momentos que eu uso para apreciar as coisas ao meu redor, algumas delas. Não preciso pensar no que escrever, não quero pensar em discussões, não penso em nada, apenas olho para os lados – aprendi que olhar para o céu, para as árvores que ainda restam nas ruas é melhor e mais interessante do que apenas andar olhando meus pés se moverem para frente e para trás.

Entrei em uma padaria para descansar e reabastecer meu fígado após horas andando. Era inevitável sentir os olhares daqueles burgueses imbecis, foda-se se minha barba é grande demais e suja demais, ou se minhas roupas são rasgadas, ou se meus olhos são vermelhos, ao inferno seus malditos!

- Eu quero um sanduiche qualquer que tenha um pedaço bem grande de carne, um refrigerante e uma dose de... Conhaque.
- É pra já!

Pelo menos o atendente era educado, ele está trabalhando, tem de te servir como todos os outros, não vai ser pago para julgar ninguém pela aparência, ou seja lá o que for.

- Aqui está senhor.

Senhor? Eu tenho cara de acabado.

- Obrigado.

Tomei mais duas doses, comi o suficiente e estava bem, pronto para voltar para minha casa, apesar de não sentir a menor necessidade de voltar.

O caminho de volta parecia normal, sem grandes surpresas. Mas a vida não pode ficar boa sempre.

Cortava caminho pelo parque em busca de flores coloridas, árvores enormes e ar puro para meus pobres pulmões. Eu sorria e não me sentia envergonhado, a barba guardava meu sorriso para mim.

Olhei entre algumas árvores, um casal abraçado jorrava paixão para o ar. Ele era moreno, usava óculos e um topete estranho. Ela era morena também, cabelo longo e cara fina. Podia ouvir seus corações batendo forte pela felicidade de apenas estarem juntos, era bonito ver seus sorrisos, chegava a sentir certa inveja.

No banco ao lado havia outro casal, tão apaixonado quanto seus vizinhos de banco O cara moreno, assim com o outro, tinha uma expressão de bobo no rosto, assim como as mãos bobas que não saiam da bunda de sua companheira. Olhei para ela com espanto, seus longos cabelos loiros, pele branca e sorriso de criança não eram comuns em qualquer mulher.

Meu sangue fervia, rangia os dentes e respirava fundo. Fiquei parado encarando eles, bebia goles cada vez
maiores. Eu tinha de fazer algo, tinha de acerta-los. Como eu queria ter uma arma, iria apenas mirar. Um tiro em sua mão boba, outros dois no rosto dele, e três nas costas dela. Depois pegaria seu lindo rosto e a faria sentir cada marca que eu tinha, sentir a dor na própria pele.

Eles notaram minha presença após cerca de quinze minutos parado em pé ali e saíram imediatamente.
Fui para casa com minha cabeça explodindo de raiva. Passei outras duas horas sentado encarando aquele maldito papel em branco e bebia como louco, não sentia mais a bebida em mim.

A porta abriu devagar.

- Olá meu am... Mas o que aconteceu??

Eu olhava para ela bufando.

- Que cara é essa? Você está bem?

Dei um soco na máquina de escrever.

- Mas que porra! – Gritei.

Minha mão sangrava.

- Leo, fica calmo. Vai, me deixe limpar sua mão.

Continuei forçando os dentes, me acalmei conforme respirava direito. Mélanie enfaixava minha mão.

- Por favor, não faça mais isso.

Olhava para o chão agora, sentia a tristeza em mim.

- Até onde você ria por mim?
- Não faça isso Mél.
- Eu preciso saber.
- Iria até o fim desse inferno.
- Eu te amo. – Beijou minhas mãos e meus lábios.

Ela foi tomar banho. Voltei meus olhos para o papel, a máquina tinha meu sangue. Comecei a bater em algumas teclas.
“Amo meu ódio descomunal, odeio meu senso irracional.”

Enlouqueci.

terça-feira, 15 de maio de 2012

O Herói

- TRUUUUCO!
- MEIO-PAU!
- CAI! CHUPA LADRÃO!

Truco, um jogo para verdadeiros cavalheiros.

- Hoje é o dia hein Art.
- É, nem me fale. Esses ai não vão embora cedo.
- Nem sóbrios.

O bar estava cheio, era sábado, dia de truco. Todos os moradores bêbados do hotel tinham descido para jogar e beber.

- Ei, me conte como é traçar aquela loiraça todo dia? É por isso que você bebe tanto, pra aguentar o tranco?

Augusto era o velho tarado do 26. Odiava aquele cara.

- Quando o seu pau ficar duro outra vez eu te conto. Dai quem sabe você se lembra de como é trepar com uma pessoa. Sabe, alguém de verdade, não com essas mãos enrugadas e tortas.
- Seu filho de uma... Você é muito atrevido moleque.

Arthur apenas ria da nossa discussão. Mélanie chegou do mercado, maldita, era como se tivesse sentido algo a chamar.

- Olá meu amor.
- Oi – Demos um beijo – Vamos?
- Tá legal.

Peguei o velho pela orelha, puxei e falei:

- Se eu te pegar olhando para minha mulher, eu arranco seus bagos e os enfio pelo seu cu...

O velho tinha tanta pinga dentro de si, que nem sentia nada. Apenas fez sinal positivo com cabeça.

- Até depois Art. Deixe que eu leve essas sacos minha querida...

Enquanto subimos as escadas ela começou.

- O que foi aquilo?
- Não foi nada. Eu cuido dos meus assuntos.
- Hm.... TA BOM!

Mél já começava a agir como minha mãe, não conseguia encerrar um assunto quando eu pedia.

- Mas o que foi aquilo? Por que machucar o coitado daquele jeito? Sem mais nem menos?
- Mél, perguntas demais, lembra?
- Pare com isso! Apenas quero entender de onde você tira certas atitudes.
- Amor da minha vida, eu não preciso dar satisfação por todos os meus atos, alguns deles eu mal lembro! Agora, por favor, esqueça isso. Eu já encaminhei aquilo para um desfecho de meu agrado, OK?
- Você é um chato.
- Sim, também te amo minha linda.

Quanto amor para um sábado.

A casa estava incrivelmente arrumada e com cheiro de flores. Mélanie guardava as compras, eu arrumava o que fazer. Sentei bem inclinado em minha poltrona, ascendi um cigarro e, com um livro de poesias na mão, observava meus quadros pendurados na parede. Uma bela pintura de Bukowski, meu grande ídolo, diante de meus olhos. Ele bebia elegantemente direto da garrafa, usando uma jaqueta marrom, o cabelo penteado para trás. Respirava um ar novo.

- Bom, está tudo devidamente guardado. Que horas são?
- Vinte para as duas. – Soltei a fumaça na direção do quadro, sorria com malicia.
- Minha nossa, como passou rápido o tempo! Tenho de me encontrar com a minha mãe no shopping, prometi passar a tarde olhando lojas, comprando, coisas de mulher.
- Vai levar minha garota para outro passeio?
- Se a sua “garota” for seu carro imundo, sim, levarei.
- Não fale assim dela, coitada. Falando nisso, você poderia dar um banho nela.
- Claro claro.
- Você mesma poderia dar um trato nela. Uma camisa branca, transparente com a água, shorts jeans curtos, lábios rosados, o brilho do sol que bateria no capo direcionando para suas pernas...
- Nem pense nisso, não tenho tempo para fazermos absolutamente nada agora. – Sua carinha de tristeza só me dava mais tesão. – Guarde esses pensamentos para mais tarde, com certeza valerá a pena. – Me deu um beijo molhado.
- Como sempre vale. – Fiquei de pau duro, tive de cobrir com o livro.

Ela se foi e eu apenas observei pela janela, tudo em ordem, nenhum olhar daqueles tarados filhos das... Voltei para meus afazeres, não tinha nada para fazer. Abri uma garrafa de rum recém chegada do mercado.

Escrevi alguns versos de um poema sobre pentelhos e coceira na virilha. Era hora de tomar um banho, queria fazer uma surpresa para minha francesa. Tomei um banho daqueles, limpar, lavar, esfregar, enxugar, jogar fora, tudo para estar bem limpo e cheiroso. Como de costume, terminei me encarando por alguns minutos de frente para o espelho. Barba grande, olhos vermelhos, marcas espalhadas pelo corpo, desgraça...

- POR FAVOR! ALGUÉM ME AJUDE!

Alguém gritava no corredor, era uma voz masculina. Batia em minha porta.

- AJUDE, POR FAVOR! MINHA MULHER ESTÁ TENDO UM TROÇO!
- O caralho! TÔ INDO!

Tive de abrir a porta ainda de toalha, ele não parava de gritar, parecia ser serio. Pensei que se fosse apenas uma brincadeira, iria torcer a cara dele ao avesso.

- Que porra tá acontecendo?!
- Minha esposa, ela andou tomando uns goles a mais, talvez com algum remédio no meio, tá caída no chão tremendo e babando, você tem de me ajudar! Eu te imploro!
- Merda! Tá, eu tenho de vestir algo.

O desgraçado caiu no choro enquanto eu entrava para colocar uma calça. Ele devia ter uns 35 anos, parecia ser aqueles motoristas de caminhão jovens e cheios de sonhos com estradas retas sem buracos ou pedágios.

Antes eu pensava que minha casa era desarrumada, mas ao entrar lá notei que ainda assim, era possível encontrar o pior tão próximo de mim. Latas de cerveja e garrafas vodca baratas jogadas pelo chão, sujo e manchado. A mulher era gorda, cabelo enrolado, marrom. Óculos de bibliotecária, um bigode quase imperceptível, quase. E o pior, uma verruga no rosto, coberta por baba.

- Ela tomou muito mais do que de costume?
- Sim, ela só dizia que precisava por algo pra fora. Alguma coisa a ver com a conta, ou gravidez, não entendia nada.
- Gravidez? Meu inferno, deve sair um monstro disso...
- QUE?
- Nada, esqueça. Ela tá tendo um revertério daqueles. Chame uma ambulância, eu tenho de segurar a língua dessa mulher antes que ela engasgue e parta antes do parto.

Ele ligava para os paramédicos enquanto eu tentava segurar aquela língua enorme que mais parecia um grande pedaço de linguiça do que uma língua.

- Eles estão a caminho, mas disseram que não conseguiram entrar, o lugar é muito apertado para isso. Temos de dar um jeito de leva-la para fora, rápido!
- Bosta! Venha me ajude a carrega-la. Segure-a pelos pés. Vamos... Um, dois, três... O DIABO! PORRA DE PESO DO INFERNO! VAMOS, CORRE PRA PORTA!

A gorda parecia 100x mais pesada do que aparentava. Com dificuldade nos aproximávamos da escada, da saída. O som da ambulância estava aumentando, eles estavam chegando.

- Aguente fofuxa!

Carregamos ela para fora, quase caímos das escadas várias vezes, mas conseguimos. Eles a levaram, o cara foi junto. Assim que se mandaram, não me contive, o peso daquela mulher era tanto que meu corpo amoleceu, cada musculo se soltou e eu cai sentado na porta do bar.

- Esse é o herói dos cachaceiros! Venha, vamos te ajudar a levantar para tomar um gole que irá te fortalecer novamente. – Disse um dos caras que estava jogando truco.

Me levaram até o balcão, sentei ao lado de Augusto novamente, velho desgraçado. Meu corpo aos poucos se recompunha, era o bar me curando.

- Aqui, este é por conta da casa herói. – Disse Arthur me lançando uma dose de cachaça de Minas.
- Trocou a loira pela gorda? – Caiu na risada o velho fela da puta.
- Esses babacas olham pra mim e acham que é fácil. A cachaça cura, mas também mata quem não está preparado para ela. Principalmente aqueles que não têm amor por ela. É preciso amar essa desgraçada, ela é tudo e é nada, você quem decide.

- Mas que merda é essa, garoto? – Novamente o velho procurando briga.
- Não faço ideia, apenas deixo que ela fale por mim.

Me virei para ele, joguei toda a dose na cara dele e depois cuspi em seu peito. Sai, fui tomar outro banho para tirar o resto de vida daquela gorda estúpida.

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Caminhando Pela Arte

O casal perfeito andava pela rua de mãos dadas. Não brigávamos, não discutíamos, nada atrapalhava nossa relação de amor e carinho. Distribuindo sorrisos que transpareciam tudo isso, toda esta felicidade... Pro inferno com a perfeição!

- Vamos meu amor, acabe com esse cigarro logo para podermos entrar.

Nós estávamos indo a uma exposição cultural. Música, quadros, poemas, etc.

- Tá legal, já apaguei.

Começou um tumulto próximo a entrada da exposição. Eram dois caras, um gordo careca e o outro tinha uma cara de psicopata, era vesgo e tinha a cabeça quadrada.

- Parem com isso! Alguém separe eles... – Gritou uma mulher desesperada.

Dois animais fora de si, o instinto dominando o autocontrole. Podia sentir o cheiro do sangue, comecei a salivar e forçar a mandíbula. Punhos fechados, olhos fixados no psicopata, eu queria acerta-lo até quebrar seus dentes.

A violência era contagiante, trazia pensamentos negativos carregados com raiva. Minhas discussões com Mélanie, minhas bebedeiras, a merda dos meus machucados no rosto, minha infância... Tudo chegava sem pedir passagem.

- Me tire daqui.

Entramos, respirei fundo e engoli tudo aquilo. Poderia derrubar qualquer um naquele momento.

- Mas que quadro lindo. – Exclamou Mélanie.
- São dois pássaros trepando... A cor é bonita, vermelho.
- Que chato você. Que tal este?
- Duas garotas se beijando nuas... Apenas pornografia barata, como se eu gostasse disso.
- Meu deus! Difícil te agradar hoje.
- Sempre é assim não é? Aqui, deste eu gostei.
- É só um ponto em um quadrado branco.
- Sim. Você não precisa pensar, não tem de interpretar merda nenhuma, sem complicações.
- Por que é só um ponto.
- Por que é um infinito, é tudo o que você quiser ver. Não há barreiras para este tipo de arte.
- Você vê coisas que somente sua mente é capaz. Tem certeza que diminuiu a bebida?

O garçom veio em nossa direção. Na bandeja havia uísque e Martini.

- Aceita algo? Um bom uísque? – Colocou no copo.
- É... Mas é claro, por que não? Ei, enche isso ai.

Mél me olhava com faíscas saindo dos olhos.

- O que? Seria falta de educação não aceitar.

Continuamos o passeio. Uma linda melodia se aproximava, me concentrei nela. Então, era como se não houvesse mais nada, mais ninguém. Apenas a escuridão, a lua, as árvores, as estrelas, aquela melodia. A música dançando por dentro dos meus ouvidos me dando choques na espinha. Era Beethoven, 7° sinfonia.
Os poemas eram pregados nas paredes de madeira posicionadas como em um labirinto. Gostei da ideia, representava a mente de um poeta, confusa, fria, com apenas uma única saída.

- Achei.
- Me colocaram por último.
- Guardaram o melhor para o final.

“Olho para ela e mando mensagens com o olhar.
Parecendo notar, começa a rebolar.
Ela sempre me responde com o quadril...
E que quadril, puta que pariu...

Cabelos longos, lábios rosados.
Logo fico excitado, é incontrolável.
Quero agarra-la, penetra-la, maltrata-la.
Mas que gostosa, não, não rebola...
Não faz assim...
Droga, é o fim...
Gozei.”.


- Quando iria me imaginar com alguém tão romântico?
- Não seja irônica comigo.
- Me desculpe. Eu gostei, é claro. Só estava brincando seu nervosinho.
- Vamos embora, estou faminto.

Sem perceber, sai com o copo nas mãos. A confusão já tinha acabado, a exposição estava lotada. Olhei para ela e disse:

- Mél...
- Sim, meu querido.
- Você sabe... Eu... ‎Tenho seu amor carinhosamente guardado dentro de mim... Em forma de câncer.

sábado, 28 de abril de 2012

Preconceito No Olhar

Acordei bem cedo, eram nove horas da manhã. Mélanie já tinha ido trabalhar, me levantei, cocei. Ela deixou um bilhete sobre a escrivaninha, ao lado do meu maço de cigarros.

“Bom dia meu querido! Espero que não tenha dormido demais, tive de ir trabalhar e não quis te acordar, você fica tão calmo enquanto sonha... Queria apenas avisar que você tem de levar o lixo para fora, tomar banho, pagar a conta da luz e arrumar a sua bagunça na escrivaninha. Preparei seu café, apenas esquente o pão. Voltarei tarde, mas levarei algo para comermos, OK?

Meu lindinho barbudo...

Obs: Não beba demais! Não beba antes do meio dia!”.


Como ela era carinhosa. Larguei o bilhete onde estava, acendi um cigarro. Mijei, cocei, tomei meu café, li o jornal, li alguns poemas do Bukowski e fiquei de cueca até o meio dia, sem bebidas alcoólicas.

Coloquei minha calça jeans, camisa preta, flanela que era do meu pai e um par de tênis rasgados. Não tomei banho. Desci no bar do Arthur para almoçar.

- Bom dia português! – Ele me chamava assim por causa do meu time, a Portuguesa.
- Bom dia companheiro.
- Hoje tem bisteca e ovo com bacon. Qual vai ser?
- Manda a bisteca acompanhada de uma cerveja GELADA.
- Ô Augusto! Manda bala na bisteca! E frita um ovo também= Arthur se direcionou para mim. - Esse é por conta da casa portuga.

Comi como nunca, meu estômago voltou a funcionar. Culpa da bebida uma ova! Duas garrafas se foram e uma hora passou.

- Faz outra pra mim, mas é pra viagem.
- Hoje você tá na miséria mesmo hein. Ô Augusto...

O sol pegava leve, o céu azul, nuvens em forma de dragões, ursos, tudo o que a imaginação permitisse. Estacionei o carro próximo ao parque, como era meio de semana não tinha muita gente, isso era ótimo. Escolhi um banco, me sentei e esperei com um cigarro aceso.

A barba enorme, toda embaraçada e um pouco suja, assim como o cabelo escuro. Dentes amarelados, suas roupas eram velhas, muito bem conservadas, melhores que as minhas por sinal.

- Grande Luiz!
- Olá, como vai Coca?

Não gostava de compartilhar meus problemas com Luiz, ele vivia nas ruas, mal tomava banho, tinha de pedir dinheiro aos outros para sobreviver. Então sempre dizia que estava tudo bem, mas o desgraçado via quando não estava.

- Ótimo, como sempre. E você, firme na luta?
- Não tenho escolha.
- Aqui, trouxe algo para você.
- Que cheiro bom... Hmm, bisteca, que delícia! Obrigado meu caro.

Nós sempre evitávamos falar sobre o que aconteceu para ele chegar ali, mas falávamos sobre todo o resto. Eu tentava ajuda-lo, sozinho, lutando todos os dias para viver, dormindo ao relento, é fácil alcançar a loucura assim.

- Vamos dar uma volta.
- Você quer beber não é? Tem um bar aqui perto.
- É por isso que nossa amizade dá certo.

Demos algumas risadas e fomos para o bar.

O lugar estava bem movimentado para àquela hora, provavelmente eram clientes habituais, por isso estranharam nossa chegada. Era difícil dizer quem era o mais “civilizado”, ambos estávamos sem tomar banho, sem fazer a barba há dias, mal vestidos, etc. Maldito preconceito! Somos todos iguais ali dentro, todos bêbados, lixos humanos, desiludidos em busca da salvação em um copo de pinga.

- Aquela mesa parece estar nos chamando, Há a palavra “sujera” escrita nela. – Elevei o tom para dizer sujeira.

Nos sentamos, o atendente nos observava com cuidado, analisando nossas roupas para saber se poderíamos pagar por algo ou se era apenas uma brincadeira de mendigos.

- Traz uma cerveja. E das geladas!

Com certa demora ele atendeu ao meu pedido.

- Vocês tem dinheiro? – Nos questionou.
- O que você acha?

Luiz não dizia uma palavra, ele estava nervoso, talvez envergonhado.

- Pagamento adiantado.
- Aqueles cavalheiros não precisaram pagar antes.
- Clientes da casa.
- E que tal um sinal de boa fé?
- Que tal vocês se mandarem?

Joguei o dinheiro sobre a mesa. Ele abriu a garrafa.

Os olhares continuavam, Luiz estava cada vez mais envergonhado. Eu estava puto por ele. Olhei nos olhos de todos que estavam nos encarando. Levantei meu copo e disse em voz alta:

- Sonhe sonhos altos para encher seu copo com esperança!
- É a última que morre. – Disse um gordão próximo ao balcão dando gargalhadas irônicas.
- Sim, você pode ser o primeiro. – Retruquei o rechonchudo.
- Cuidado com suas palavras, saco de bosta.
- Ao menos posso ver o meu saco...
- O que disse?!
- Pedi outra dose.

Luiz se segurava para não rir. Sai para fumar um cigarro.

- Acho que vocês deveriam ir embora daqui. – Disse um cara alto e magro.

Fingi que não o ouvia. Terminei meu cigarro e fui entrar no bar novamente.

- Eu disse para irem embora, entendeu?
- E eu digo: saia da frente.

Ele cuspiu um catarro verde com pus bem próximo do meu pé. O tomei pela camisa e o pressionei contra a parede.

- Respira perto de mim mais uma vez, que eu abro um buraco na sua cabeça pra ver se você começa a ouvir direito! – Não sei de onde saiu aquilo, eu iria apanhar até cuspir as minhas bolas pra fora, eu era a minoria no lugar.

Consegui o que queria: todos me olhavam, mas assustados. Deviam achar que eu era um louco, ou que eu estava armado, não sei. Acabei com a minha dose, amassei o dinheiro e joguei sobre o balcão. Saímos com ar de soberania, mas com um tremendo calafrio.

Nós somos todos hipócritas, preconceituosos, narcisistas, egocêntricos, somos um bando de filhos das putas. Ou seja, somos iguais. Miseráveis presos num saco de gordura fedida e suja, rastejando pelo mundo em busca de uma luz. Alguns a encontram, outros não. Encontramos ela nos olhos de uma linda mulher, dentro de uma garrafa, no escudo de um clube, nas asas de um avião, não importa, nós queremos, nós precisamos dela.

Quebre as correntes que te prendem dentro da racionalidade e comece a viver a sua vida por você. Foda-se o imposto de renda, o governo, a polícia, o preconceito, o amor, a dor, o cachorro da esquina e a velha na rua. Solte o grito e seja você, seja diferente do resto de bosta rastejante do mundo.

Como eu odeio falar isso para não perder meu foco. Malditos, tentando me pegar desprevenido... Um dia eu ainda enfio a mão na sua cara, não importa o motivo, eu apenas não gosto de olhar para a sua cara.

Merda, esqueci de tudo que Mél me pediu!