terça-feira, 15 de maio de 2012

O Herói

- TRUUUUCO!
- MEIO-PAU!
- CAI! CHUPA LADRÃO!

Truco, um jogo para verdadeiros cavalheiros.

- Hoje é o dia hein Art.
- É, nem me fale. Esses ai não vão embora cedo.
- Nem sóbrios.

O bar estava cheio, era sábado, dia de truco. Todos os moradores bêbados do hotel tinham descido para jogar e beber.

- Ei, me conte como é traçar aquela loiraça todo dia? É por isso que você bebe tanto, pra aguentar o tranco?

Augusto era o velho tarado do 26. Odiava aquele cara.

- Quando o seu pau ficar duro outra vez eu te conto. Dai quem sabe você se lembra de como é trepar com uma pessoa. Sabe, alguém de verdade, não com essas mãos enrugadas e tortas.
- Seu filho de uma... Você é muito atrevido moleque.

Arthur apenas ria da nossa discussão. Mélanie chegou do mercado, maldita, era como se tivesse sentido algo a chamar.

- Olá meu amor.
- Oi – Demos um beijo – Vamos?
- Tá legal.

Peguei o velho pela orelha, puxei e falei:

- Se eu te pegar olhando para minha mulher, eu arranco seus bagos e os enfio pelo seu cu...

O velho tinha tanta pinga dentro de si, que nem sentia nada. Apenas fez sinal positivo com cabeça.

- Até depois Art. Deixe que eu leve essas sacos minha querida...

Enquanto subimos as escadas ela começou.

- O que foi aquilo?
- Não foi nada. Eu cuido dos meus assuntos.
- Hm.... TA BOM!

Mél já começava a agir como minha mãe, não conseguia encerrar um assunto quando eu pedia.

- Mas o que foi aquilo? Por que machucar o coitado daquele jeito? Sem mais nem menos?
- Mél, perguntas demais, lembra?
- Pare com isso! Apenas quero entender de onde você tira certas atitudes.
- Amor da minha vida, eu não preciso dar satisfação por todos os meus atos, alguns deles eu mal lembro! Agora, por favor, esqueça isso. Eu já encaminhei aquilo para um desfecho de meu agrado, OK?
- Você é um chato.
- Sim, também te amo minha linda.

Quanto amor para um sábado.

A casa estava incrivelmente arrumada e com cheiro de flores. Mélanie guardava as compras, eu arrumava o que fazer. Sentei bem inclinado em minha poltrona, ascendi um cigarro e, com um livro de poesias na mão, observava meus quadros pendurados na parede. Uma bela pintura de Bukowski, meu grande ídolo, diante de meus olhos. Ele bebia elegantemente direto da garrafa, usando uma jaqueta marrom, o cabelo penteado para trás. Respirava um ar novo.

- Bom, está tudo devidamente guardado. Que horas são?
- Vinte para as duas. – Soltei a fumaça na direção do quadro, sorria com malicia.
- Minha nossa, como passou rápido o tempo! Tenho de me encontrar com a minha mãe no shopping, prometi passar a tarde olhando lojas, comprando, coisas de mulher.
- Vai levar minha garota para outro passeio?
- Se a sua “garota” for seu carro imundo, sim, levarei.
- Não fale assim dela, coitada. Falando nisso, você poderia dar um banho nela.
- Claro claro.
- Você mesma poderia dar um trato nela. Uma camisa branca, transparente com a água, shorts jeans curtos, lábios rosados, o brilho do sol que bateria no capo direcionando para suas pernas...
- Nem pense nisso, não tenho tempo para fazermos absolutamente nada agora. – Sua carinha de tristeza só me dava mais tesão. – Guarde esses pensamentos para mais tarde, com certeza valerá a pena. – Me deu um beijo molhado.
- Como sempre vale. – Fiquei de pau duro, tive de cobrir com o livro.

Ela se foi e eu apenas observei pela janela, tudo em ordem, nenhum olhar daqueles tarados filhos das... Voltei para meus afazeres, não tinha nada para fazer. Abri uma garrafa de rum recém chegada do mercado.

Escrevi alguns versos de um poema sobre pentelhos e coceira na virilha. Era hora de tomar um banho, queria fazer uma surpresa para minha francesa. Tomei um banho daqueles, limpar, lavar, esfregar, enxugar, jogar fora, tudo para estar bem limpo e cheiroso. Como de costume, terminei me encarando por alguns minutos de frente para o espelho. Barba grande, olhos vermelhos, marcas espalhadas pelo corpo, desgraça...

- POR FAVOR! ALGUÉM ME AJUDE!

Alguém gritava no corredor, era uma voz masculina. Batia em minha porta.

- AJUDE, POR FAVOR! MINHA MULHER ESTÁ TENDO UM TROÇO!
- O caralho! TÔ INDO!

Tive de abrir a porta ainda de toalha, ele não parava de gritar, parecia ser serio. Pensei que se fosse apenas uma brincadeira, iria torcer a cara dele ao avesso.

- Que porra tá acontecendo?!
- Minha esposa, ela andou tomando uns goles a mais, talvez com algum remédio no meio, tá caída no chão tremendo e babando, você tem de me ajudar! Eu te imploro!
- Merda! Tá, eu tenho de vestir algo.

O desgraçado caiu no choro enquanto eu entrava para colocar uma calça. Ele devia ter uns 35 anos, parecia ser aqueles motoristas de caminhão jovens e cheios de sonhos com estradas retas sem buracos ou pedágios.

Antes eu pensava que minha casa era desarrumada, mas ao entrar lá notei que ainda assim, era possível encontrar o pior tão próximo de mim. Latas de cerveja e garrafas vodca baratas jogadas pelo chão, sujo e manchado. A mulher era gorda, cabelo enrolado, marrom. Óculos de bibliotecária, um bigode quase imperceptível, quase. E o pior, uma verruga no rosto, coberta por baba.

- Ela tomou muito mais do que de costume?
- Sim, ela só dizia que precisava por algo pra fora. Alguma coisa a ver com a conta, ou gravidez, não entendia nada.
- Gravidez? Meu inferno, deve sair um monstro disso...
- QUE?
- Nada, esqueça. Ela tá tendo um revertério daqueles. Chame uma ambulância, eu tenho de segurar a língua dessa mulher antes que ela engasgue e parta antes do parto.

Ele ligava para os paramédicos enquanto eu tentava segurar aquela língua enorme que mais parecia um grande pedaço de linguiça do que uma língua.

- Eles estão a caminho, mas disseram que não conseguiram entrar, o lugar é muito apertado para isso. Temos de dar um jeito de leva-la para fora, rápido!
- Bosta! Venha me ajude a carrega-la. Segure-a pelos pés. Vamos... Um, dois, três... O DIABO! PORRA DE PESO DO INFERNO! VAMOS, CORRE PRA PORTA!

A gorda parecia 100x mais pesada do que aparentava. Com dificuldade nos aproximávamos da escada, da saída. O som da ambulância estava aumentando, eles estavam chegando.

- Aguente fofuxa!

Carregamos ela para fora, quase caímos das escadas várias vezes, mas conseguimos. Eles a levaram, o cara foi junto. Assim que se mandaram, não me contive, o peso daquela mulher era tanto que meu corpo amoleceu, cada musculo se soltou e eu cai sentado na porta do bar.

- Esse é o herói dos cachaceiros! Venha, vamos te ajudar a levantar para tomar um gole que irá te fortalecer novamente. – Disse um dos caras que estava jogando truco.

Me levaram até o balcão, sentei ao lado de Augusto novamente, velho desgraçado. Meu corpo aos poucos se recompunha, era o bar me curando.

- Aqui, este é por conta da casa herói. – Disse Arthur me lançando uma dose de cachaça de Minas.
- Trocou a loira pela gorda? – Caiu na risada o velho fela da puta.
- Esses babacas olham pra mim e acham que é fácil. A cachaça cura, mas também mata quem não está preparado para ela. Principalmente aqueles que não têm amor por ela. É preciso amar essa desgraçada, ela é tudo e é nada, você quem decide.

- Mas que merda é essa, garoto? – Novamente o velho procurando briga.
- Não faço ideia, apenas deixo que ela fale por mim.

Me virei para ele, joguei toda a dose na cara dele e depois cuspi em seu peito. Sai, fui tomar outro banho para tirar o resto de vida daquela gorda estúpida.

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