terça-feira, 9 de julho de 2013

Conversa Franca

Há quase quatro noites que eu não dormia nada ou não o suficiente, o contorno dos meus olhos escureceram mais do que o normal. Estava em São Paulo, na casa de meu amigo Anderson, cobrindo as manifestações para uma revista online.


- Tá acordado ainda? – Me perguntou Anderson.
- Sim. Te acordei?
- Não, a feijoada de hoje cedo que me tiro da cama. Você tá legal?
- Não... Ainda não consigo pregar os olhos. Porra, eu tô acabado.
- Falta de sexo.
- Vou ligar pra sua mã... Vou ligar pra Mélanie, pedir uma ajuda.

Voltei a observar a rua escura, os prédios em volta bem pouco iluminados, era difícil ver com tanta chuva. Eu estava fumando outra vez, Anderson não fumava, mas não ligava pra uma fumacinha na casa, contanto que saísse pela janela.

- Não sei o que te dizer pra ajudar. – Seu estômago deu um alô. – CARALHO! DEU PIRIRI! DEU PIRIRI!

Saiu correndo para o banheiro, cheguei a engasgar tragando e rindo ao mesmo tempo.

Anderson voltou a dormir depois de longos minutos trancado no banheiro, eu fui para a sala. Me afundei no sofá para assistir as lutas clássicas de todos os tempos do boxe mundial, meu novo passa tempo. Não me movi por quase duas horas seguidas, peguei no sono sem perceber.

Minhas mãos nunca foram tão bem tratadas, elas acariciavam gentilmente suas pernas macias. Apertando devagar da batata as coxas, meus lábios tocando com beijos e caricias. Subindo até a cintura, encontrando com cada pintinha especial de seu corpo delicado que responde com leves gemidos e arrepios. Por um segundo paro para olhar sua expressão facial, mas volto logo para beijar sua barriguinha trêmula de excitação. Subindo mais um pouco, chegando primeiro com as mãos em seus seios, massageando, com cuidado brincando com as mamas, apenas preparando com muito amor pra por a boca. Beijos e mais beijos, mas a diversão não pode parar. Dos ombros ao pescoço, do pescoço a pontinha baixa da orelha. Os arrepios e a respiração funda aumentam para anunciar: Estou pronta e molhada pra você.

Acordei suado com o coração acelerado e com água na boca, acendi um cigarro. A saudade ás vezes é um mal necessário, depois que voltei para casa Mélanie e eu não saímos do quarto por um longo tempo...

Sai para almoçar. Em volta todos os bares e botecos pareciam como uma padaria, exceto pela falta de pães, excesso de cervejas, cachaças e, entre os tipos engravatados e bem empregados que frequentavam apenas durante o horário de almoço, os bons e velhos cachaceiros da região. Escolhi o mais vazio com melhor aparência para me alimentar.

- Fala chefe.
- Eu quero um... – Olhei para o que o cara ao meu lado comia. – Um bife com ovos.
- No capricho! Ô Walmir, sai um comercial de bife com ovo! Quê mais?
- Uma cerveja.

Comi com tanta vontade que me esqueci da cerveja, é impressionante, mas para aqueles que já experimentaram, comida de bar, até mesmo aquele salgado esquecido, são de tirar o fôlego. Infelizmente em certas vezes o motivo é por falta de intervalos entre o vômito e a respiração.

Ao contrário dos outros, fiquei por um bom tempo lá apenas sentado olhando o jornal com minha cerveja gelada, isso para os “padrões paulistanos”. Meu dia estava começando a melhorar, apesar da saudade de casa e falta de sono. Paguei um preço um pouco salgado, valeu cada centavo, então voltei para casa. No caminho, passando por um ponto de ônibus senti um cheiro familiar, era cheiro de cachorro molhado. Olhei em volta e nada, apenas o cheiro com um toque diferente, nem um pouco agradável. Fui para casa antes que voltasse a chover.

Era meu último dia em São Paulo, eu teria de terminar meu texto e mandar por email. Preparei a mesa: café, cigarros, coloquei uns bons discos pra tocar e comecei a trabalhar. Não foi fácil, depois de fazer e refazer cada parágrafo, continuava uma grande merda. Nada de muito original.

Foi quando Anderson voltou para casa que percebi quanto tempo havia passado. Já era de noite, por volta das dez, a única coisa certa que fiz durante meu dia inteiro foi sentar para ler um livro sobre relacionamentos, o que inclusive foi apenas por um momento de pura cafeína, MUITA cafeína. Depois de dias sem dormir decidi escolher pelo prazer do café a deixar que a falta de sono controlasse o que eu posso ou não consumir.

- Caralho, eu acho que coloquei metade do que tenho no meu corpo pra fora ontem.
- Que detalhe curioso... Podia guardar pra você, né?
- Já comeu?
- Não, tô tentando escrever essa merda ainda.
- Deixa isso, vamos comer, esfriar a cabeça.
- Comer? Você só pensa em comida?
- Tomamos uma cachacinha com limão? O que me diz?

Sorri para o monitor do computador, me levantei colocando meu casaco.

- Você sabe o que dizer.

Fomos a outro bar semelhante a uma padaria. Pedimos nossos lanches, cerveja e uma dose de pinga com limão para abrir o apetite enquanto esperávamos a comida.

- Á sua estadia aqui que, apesar do pouco tempo que fiquei em casa, tem sido muito bacana ter a companhia de um amigo.
- Faço das suas as minhas palavras. Saúde!
- Aleluia!

A comida veio e atacamos, outra vez a bebida ficou de lado pelo prazeroso lanche do bar.

- Cara, ainda não me disse o motivo da sua insônia.
- Nenhum motivo.
- Te conheço, sou macaco velho. Fala logo.
- Não posso.
- Por que?
- Tô ocupado. – Respondi mastigando meu sanduíche.

Doses e garrafas ficaram para trás, no caminho para casa decidi tomar outro rumo.

- Vou caminhar mais um pouco, fazer digestão e tentar me cansar pra dormir essa noite.
- Tem certeza? Ainda não terminou o texto, não é?
- Relaxa, eu tô legal.

Não, eu não estava, mas ficar em casa quebrando a cabeça pra tirar um texto ruim não ajudaria em nada, escreveria mais tarde. Andei sem direção, meio bêbado, mas com os pensamentos no lugar, era o que pensei.

A chuva veio para fechar a noite e encerrar meu passeio. Parei em um ponto de ônibus para acender meu cigarro. Um cheiro de cachorro molhado, o mesmo cheiro de antes, eu estava no mesmo ponto. Sentei no banco, dei duas boas tragadas.

- Ei camarada, tem como me dá um cigarro?

Tomei um susto, olhei para o lado, um morador de rua que dormia atrás do banco. Ele “era” o cheiro de cachorro.

- Claro, toma. – Dei um cigarro e meu isqueiro.
- Valeu. – Devolveu o isqueiro. – Por que tá sentado aqui há essa hora?
- Não tenho exatamente pra onde ir, no momento. – Olhei para ele, pensei rápido no que disse. – Sem ofensas.
- Tudo bem.
- Qual o seu nome?
- Jurandir e o seu?
- Leonard.

Pegou uma garrafa de cachaça.

– Aceita?

Ela estava praticamente cheia.

- É... Por que não?
- Uma mão lava a outra.
- Tomará que tenha lavado... – Sussurrei.

Conversamos um pouco sobre o que eu fui fazer lá, sobre nossas origens, sobre o momento que a cidade e o país viviam e etc. Nos calamos por algum tempo, a chuva já dava sinais de partida, eu poderia voltar com mais tranquilidade.

- Leonard, eu vou te falar uma coisa.

Olhei para ele.

- Sabe o que eu queria da minha vida?

Continuei ouvindo.

- Queria ter terminado a escola, me casado cedo e feito minha mercearia. Trabalharia sem descansa nos primeiros anos pra depois, quando eu chegasse em casa e olhasse pra minha mulher, que taria brincando com as criança, eu ia sorri pra eles, enxuga o suor da testa. Só que no final de tudo isso eu ia deixar alguma coisa pros meus filhos. Ia ouvi minha mulher dizer que me amava, ia acreditar nisso por que com amor não se brinca.

Eu estava besta ouvindo aquilo, cheguei a me sentir mais sóbrio com cada palavra.

- Olha... Você tem pra onde ir. Não desperdiça não.
- Obrigado.

Deixei o maço inteiro para ele que não aceitou nem um centavo de ajuda, mas agradeceu a atenção que ninguém havia dado a ele. Mesmo com um cheiro estranho, roupas velhas, sem moradia ou alguém para conversar, Jurandir também era uma pessoa com sonhos.

Voltei para o apartamento do Anderson. Peguei o telefone e liguei para casa, conversei com a minha mulher que estava em nossa casa me esperando com o coração apertado de saudade. Estávamos afastados, não só pela distância São Paulo/São José, mas também com nossas cabeças. Tenho um poder muito grande em minhas mãos, com ele posso fazer sofrer, sorrir, amar e perdoar. Passarei o resto da minha vida tentando fazer cada dia valer a pena, basta uma palavra