segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Triste e Linda

Devagar, eu girava a poltrona para os lados, quase afundado no couro velho e gasto do encosto. Um copo vazio sobre meu colo, uma das mãos brincando com a ponta da barba e a outra fazia a ligação do cigarro com meus lábios. Fazia aquilo há algum tempo, pensando, esquecendo, observando, apenas deixando ir e vir... Ela viria, eu podia sentir.


Tomei consciência que estava com os olhos cerrados, mas na verdade eu só estava ficando bêbado, enchi meio copo, que virei em um único gole logo em seguida. Era o empurrão que eu precisava para começar o trabalho, escreveria algo sincero, tinha que vir de algo tão belo quanto às palavras que seriam marcadas no pedaço de papel.

Minha garganta rasgava enquanto o whisky descia, respirei fundo, percebi que ela estava acordando.

- Eu te acordei?

Ela não respondeu, coçou os olhos e sorriu com os lábios fechados para mim, a luz da manhã brilhava em seu rosto.

Metade de sua coxa estava para fora do lençol, seu longo cabelo castanho caia para o lado direito do rosto, um pouco bagunçado, era tão natural. A camisa branca dava uma visão clara dos seios brancos com três pintinhas claras. O pescoço inclinado para o mesmo lado do cabelo jogado... Mas eu realmente me apeguei ao seu olhar, seu olhar triste, sua tristeza carregada de beleza, sua beleza triste me fazia sentir único ao admirá-la.

De alguma forma estranha sentia que ela me abraçava, encostada com a cabeça em meu peito, encaixada com meu queixo, os braços ao redor da minha cintura e sua orelha ouvindo meu coração bater. Ao mesmo tempo sentia algo perfurando minha costela, meu coração atravessando meu peito e minha garganta fechando em um segundo.

Ela se aproximou como um felino se sentou em meu colo e encheu meu copo. Tomou tudo sem fazer cara feia e ainda me deu um beijo demorado, uma mistura de whisky com um pouco de saliva. Levantou e foi ao banheiro, fechou a porta.

Fiquei paralisado por um rápido instante olhando para a porta de madeira fechada. Em um piscar de olhos retomei minha consciência, me voltei para o trabalho. Com a ponta dos dedos fui capaz de criar uma obra-prima, triste e linda.

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Antes Só, Do Que Ao Seu Lado


A fumaça saia bela janela aberta, o sol não penetrava meus óculos escuros, a música não fazia barulho suficiente, suas pernas de coxas firmes e seminuas não me distraiam o suficiente, nada era tão irritante quanto a sua voz... Estávamos a caminho da Bienal, mas minhas mãos pendiam para outra direção, para debaixo do primeiro caminhão de carga que passasse por nós.

Eu a olhava como se observasse uma obra de arte se desfazer. Ás vezes eu penso que no futuro não deveríamos misturar certas inovações com a arte, imagine a Mona Lisa como uma obra interativa e que pudesse falar, reclamar, fofocar ou perguntar se o certo é “Froide” ao invés de Freud, aquele cara que fala de fazer sexo com seus pais.

E então, junto com os quatro cigarros e a meu humor que se espalharam pelo ar, minha paciência entrou no mesmo barco, se foi. “Cê acha que tem vida após a morte?”, “O que cê pensa sobre filhos?”, “Vai demorar muito pra gente chega?”, “A gente tem que ir pra Ibiza no fim do ano!”. Peguei a primeira direita que nos levasse de volta para a Dutra.

Pisei fundo até chegar a um ponto de ônibus na beira da estrada, parei o carro quase sobre a calçada. “Desce.”, eu disse com firmeza na voz. Ela não sabia como reagir, não conseguia chorar, mal conseguiu mexer os malditos lábios vermelhos para responder, “O que cê tá fazendo? Como eu volto pra casa daqui?”. Abri a porta para ela, que desceu ainda confusa. Sai com tanta pressa que mal pude entender o que ela havia gritado após elogiar minha pobre mãe.

Tirei grande proveito da minha habitual solidão no evento, que para coroar com grande classe, fui presenteado com um livro de poesias, todas dedicadas à sorte de estarmos vivos e pensantes. Solitário ou não.

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Do Vapor Surgem Ideias

A água quente caia do chuveiro em meu corpo, usava meu habitual traje; jeans rasgado e camisa preta. No banheiro o vapor da água se juntava com a fumaça do cigarro que eu fumava debaixo do chuveiro. Esfregava meu rosto com uma mão, da testa a ponta da barba, com a outra apoiava forçando os dedos contra a parede.

Minha cabeça doía forte, foi nesse momento que percebi que a semana havia passado com a velocidade de uma bala, era novamente segunda feira e eu estava de ressaca pela primeira vez, não tinha a deixado chegar antes, eu a afogava em um mar próximo a um alambique. O pior veio quando a ponta acesa do cigarro alcançou meu lábio, pois viria junto uma dúvida: Por que eu ainda fazia isso?
Mesmo solteiro mantinha a barba longa, por que eu a amo. Mesmo quando sem receber um centavo por cada palavra escrita, escrevo por que sou feito disso. Mesmo com risco de câncer ainda fumo, por que gosto dos outros benefícios. Então por que eu ainda estou nessa enrascada? É tudo que tenho a oferecer? O pouco que sou hoje é tudo o que me esforcei pra ser ao longo do pouco que vivi...

Fui capaz de quebrar tantos corações, mas até então não aprendi nada com o que fiz, se aprendo quase não ponho em prática. Os arrependimentos, as perdas e os rancores que a vida me trouxe são apenas mais motivos ou desculpas para continuar onde estou estagnado há tanto tempo, tempo que não posso taxar como perdido já que desse tempo tirei certos valores, que por mais sujos que sejam ainda são valores.

Um soco na parede não mudaria nenhuma vírgula nem um ponto de uma história que já foi escrita de forma permanente sobre a pele macia. Deixo que a água que cai limpe minha alma antes do corpo, quem sabe assim posso descansar em paz como dita a regra.

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Praça Afonso Pena

A caminho de casa, quarta feira, sol, muito na cabeça, um cigarro aceso entre os dedos, passava pela Praça Afonso Pena. Em volta muita gente indo para o trabalho, fazendo compras ou comprando um fumo do bom, mas o que realmente me chama a atenção são os mesmo velhos moribundos espalhados ou em grupo com um cigarro, uma boa dose de pinga, um jogo de buraco, uma conversa fiada, uma tosse seca. Uma rotina destrutiva, mas agradável. Acordar, beber, fumar, jogar conversa fora, é o sonho de todo escritor, não? Quem sabe...

Nada ao redor é tão importante, dentro daquele circulo é outro mundo, como se o tempo não tivesse importância, talvez ele nem passe. As novidades são feitas do que é velho, as histórias que ficaram marcadas em suas vidas, é claro, com uma pitada de mentiras interessantes.

Assim como o tempo, os problemas também não tem a menor relevância, afinal qual problema se consegue quando sua vida se repete todos os dias? Contas, ex-mulheres, parentes endividados, trabalho, nada disso os atinge mais. É interessantes pensar nisso como uma aposentadoria, poucos a levam em consideração, não é a opção mais vendida na TV.

Você pode achar que está tudo perfeito, até ouvir aquela risada puxada lá do fundo de um pulmão enfraquecido. O guerreiro cachaceiro é mais forte do que um câncer, não é amedrontado por um punhado de pigarro. Aos jovens iniciantes na vida essa força traz arrepios na espinha. Porém, aqueles que sabem valorizar a sabedoria, esse é o incentivo para seguir enfrente de cabeça erguida.

Parente não é família, família não existe mais, o mais próximo disso são aqueles vivos dentro do círculo. Casados ou não, mulher, sexo, beijo, tudo ficou para segundo plano, são homens a serviço de um bem maior, o bem da filosofia do bebum. Existem certas pessoas que nasceram para absorver conhecimento a partir de seu modo de vida e compartilhar esse conhecimento com suas conversas arrastadas, então puxe uma cadeira, abra uma cerveja e se prepare para o que está por vir.

Abro a porta, estou novamente no aconchego do meu lar. Sento em minha poltrona, uso uma das mãos para coçar a testa e a outra para tragar meu cigarro, concluo meus pensamentos junto daquela última tragada. Olhando para a pilha de livros dos meus escritores favoritos, minhas maiores influências tanto para a vida quanto para a escrita, a grande questão surge: seria este o grande fim que me espera?

terça-feira, 9 de julho de 2013

Conversa Franca

Há quase quatro noites que eu não dormia nada ou não o suficiente, o contorno dos meus olhos escureceram mais do que o normal. Estava em São Paulo, na casa de meu amigo Anderson, cobrindo as manifestações para uma revista online.


- Tá acordado ainda? – Me perguntou Anderson.
- Sim. Te acordei?
- Não, a feijoada de hoje cedo que me tiro da cama. Você tá legal?
- Não... Ainda não consigo pregar os olhos. Porra, eu tô acabado.
- Falta de sexo.
- Vou ligar pra sua mã... Vou ligar pra Mélanie, pedir uma ajuda.

Voltei a observar a rua escura, os prédios em volta bem pouco iluminados, era difícil ver com tanta chuva. Eu estava fumando outra vez, Anderson não fumava, mas não ligava pra uma fumacinha na casa, contanto que saísse pela janela.

- Não sei o que te dizer pra ajudar. – Seu estômago deu um alô. – CARALHO! DEU PIRIRI! DEU PIRIRI!

Saiu correndo para o banheiro, cheguei a engasgar tragando e rindo ao mesmo tempo.

Anderson voltou a dormir depois de longos minutos trancado no banheiro, eu fui para a sala. Me afundei no sofá para assistir as lutas clássicas de todos os tempos do boxe mundial, meu novo passa tempo. Não me movi por quase duas horas seguidas, peguei no sono sem perceber.

Minhas mãos nunca foram tão bem tratadas, elas acariciavam gentilmente suas pernas macias. Apertando devagar da batata as coxas, meus lábios tocando com beijos e caricias. Subindo até a cintura, encontrando com cada pintinha especial de seu corpo delicado que responde com leves gemidos e arrepios. Por um segundo paro para olhar sua expressão facial, mas volto logo para beijar sua barriguinha trêmula de excitação. Subindo mais um pouco, chegando primeiro com as mãos em seus seios, massageando, com cuidado brincando com as mamas, apenas preparando com muito amor pra por a boca. Beijos e mais beijos, mas a diversão não pode parar. Dos ombros ao pescoço, do pescoço a pontinha baixa da orelha. Os arrepios e a respiração funda aumentam para anunciar: Estou pronta e molhada pra você.

Acordei suado com o coração acelerado e com água na boca, acendi um cigarro. A saudade ás vezes é um mal necessário, depois que voltei para casa Mélanie e eu não saímos do quarto por um longo tempo...

Sai para almoçar. Em volta todos os bares e botecos pareciam como uma padaria, exceto pela falta de pães, excesso de cervejas, cachaças e, entre os tipos engravatados e bem empregados que frequentavam apenas durante o horário de almoço, os bons e velhos cachaceiros da região. Escolhi o mais vazio com melhor aparência para me alimentar.

- Fala chefe.
- Eu quero um... – Olhei para o que o cara ao meu lado comia. – Um bife com ovos.
- No capricho! Ô Walmir, sai um comercial de bife com ovo! Quê mais?
- Uma cerveja.

Comi com tanta vontade que me esqueci da cerveja, é impressionante, mas para aqueles que já experimentaram, comida de bar, até mesmo aquele salgado esquecido, são de tirar o fôlego. Infelizmente em certas vezes o motivo é por falta de intervalos entre o vômito e a respiração.

Ao contrário dos outros, fiquei por um bom tempo lá apenas sentado olhando o jornal com minha cerveja gelada, isso para os “padrões paulistanos”. Meu dia estava começando a melhorar, apesar da saudade de casa e falta de sono. Paguei um preço um pouco salgado, valeu cada centavo, então voltei para casa. No caminho, passando por um ponto de ônibus senti um cheiro familiar, era cheiro de cachorro molhado. Olhei em volta e nada, apenas o cheiro com um toque diferente, nem um pouco agradável. Fui para casa antes que voltasse a chover.

Era meu último dia em São Paulo, eu teria de terminar meu texto e mandar por email. Preparei a mesa: café, cigarros, coloquei uns bons discos pra tocar e comecei a trabalhar. Não foi fácil, depois de fazer e refazer cada parágrafo, continuava uma grande merda. Nada de muito original.

Foi quando Anderson voltou para casa que percebi quanto tempo havia passado. Já era de noite, por volta das dez, a única coisa certa que fiz durante meu dia inteiro foi sentar para ler um livro sobre relacionamentos, o que inclusive foi apenas por um momento de pura cafeína, MUITA cafeína. Depois de dias sem dormir decidi escolher pelo prazer do café a deixar que a falta de sono controlasse o que eu posso ou não consumir.

- Caralho, eu acho que coloquei metade do que tenho no meu corpo pra fora ontem.
- Que detalhe curioso... Podia guardar pra você, né?
- Já comeu?
- Não, tô tentando escrever essa merda ainda.
- Deixa isso, vamos comer, esfriar a cabeça.
- Comer? Você só pensa em comida?
- Tomamos uma cachacinha com limão? O que me diz?

Sorri para o monitor do computador, me levantei colocando meu casaco.

- Você sabe o que dizer.

Fomos a outro bar semelhante a uma padaria. Pedimos nossos lanches, cerveja e uma dose de pinga com limão para abrir o apetite enquanto esperávamos a comida.

- Á sua estadia aqui que, apesar do pouco tempo que fiquei em casa, tem sido muito bacana ter a companhia de um amigo.
- Faço das suas as minhas palavras. Saúde!
- Aleluia!

A comida veio e atacamos, outra vez a bebida ficou de lado pelo prazeroso lanche do bar.

- Cara, ainda não me disse o motivo da sua insônia.
- Nenhum motivo.
- Te conheço, sou macaco velho. Fala logo.
- Não posso.
- Por que?
- Tô ocupado. – Respondi mastigando meu sanduíche.

Doses e garrafas ficaram para trás, no caminho para casa decidi tomar outro rumo.

- Vou caminhar mais um pouco, fazer digestão e tentar me cansar pra dormir essa noite.
- Tem certeza? Ainda não terminou o texto, não é?
- Relaxa, eu tô legal.

Não, eu não estava, mas ficar em casa quebrando a cabeça pra tirar um texto ruim não ajudaria em nada, escreveria mais tarde. Andei sem direção, meio bêbado, mas com os pensamentos no lugar, era o que pensei.

A chuva veio para fechar a noite e encerrar meu passeio. Parei em um ponto de ônibus para acender meu cigarro. Um cheiro de cachorro molhado, o mesmo cheiro de antes, eu estava no mesmo ponto. Sentei no banco, dei duas boas tragadas.

- Ei camarada, tem como me dá um cigarro?

Tomei um susto, olhei para o lado, um morador de rua que dormia atrás do banco. Ele “era” o cheiro de cachorro.

- Claro, toma. – Dei um cigarro e meu isqueiro.
- Valeu. – Devolveu o isqueiro. – Por que tá sentado aqui há essa hora?
- Não tenho exatamente pra onde ir, no momento. – Olhei para ele, pensei rápido no que disse. – Sem ofensas.
- Tudo bem.
- Qual o seu nome?
- Jurandir e o seu?
- Leonard.

Pegou uma garrafa de cachaça.

– Aceita?

Ela estava praticamente cheia.

- É... Por que não?
- Uma mão lava a outra.
- Tomará que tenha lavado... – Sussurrei.

Conversamos um pouco sobre o que eu fui fazer lá, sobre nossas origens, sobre o momento que a cidade e o país viviam e etc. Nos calamos por algum tempo, a chuva já dava sinais de partida, eu poderia voltar com mais tranquilidade.

- Leonard, eu vou te falar uma coisa.

Olhei para ele.

- Sabe o que eu queria da minha vida?

Continuei ouvindo.

- Queria ter terminado a escola, me casado cedo e feito minha mercearia. Trabalharia sem descansa nos primeiros anos pra depois, quando eu chegasse em casa e olhasse pra minha mulher, que taria brincando com as criança, eu ia sorri pra eles, enxuga o suor da testa. Só que no final de tudo isso eu ia deixar alguma coisa pros meus filhos. Ia ouvi minha mulher dizer que me amava, ia acreditar nisso por que com amor não se brinca.

Eu estava besta ouvindo aquilo, cheguei a me sentir mais sóbrio com cada palavra.

- Olha... Você tem pra onde ir. Não desperdiça não.
- Obrigado.

Deixei o maço inteiro para ele que não aceitou nem um centavo de ajuda, mas agradeceu a atenção que ninguém havia dado a ele. Mesmo com um cheiro estranho, roupas velhas, sem moradia ou alguém para conversar, Jurandir também era uma pessoa com sonhos.

Voltei para o apartamento do Anderson. Peguei o telefone e liguei para casa, conversei com a minha mulher que estava em nossa casa me esperando com o coração apertado de saudade. Estávamos afastados, não só pela distância São Paulo/São José, mas também com nossas cabeças. Tenho um poder muito grande em minhas mãos, com ele posso fazer sofrer, sorrir, amar e perdoar. Passarei o resto da minha vida tentando fazer cada dia valer a pena, basta uma palavra

terça-feira, 25 de junho de 2013

Marcando Território


Foi em um domingo de manhã enquanto eu fazia como mandava o hábito, tomava meu café sem açúcar e lia o jornal, que percebi a situação em que eu estava vivendo. Se passaram duas semanas e eu nem sequer tinha procurado um lugar para morar, estava acampado na casa de Mélanie como um agregado. Era impossível não pensar onde a minha vida foi chegar.

A campainha tocou, fui atender ainda com aquele pensamento flutuando em minha mente.

- Leonard? Mas que surpresa!

Eram os pais de Mélanie, Bernard e Noelle.

- Oi, como vocês estão? Entrem por favor.
- Tudo ótimo, estávamos voltando de viagem e decidimos passar por aqui..
- Onde a Mélanie está? – Perguntou Bernard.

Ofereci sofá num gesto com as mãos.

- Ela tá trabalhando ainda, mas deve voltar pra almoçar.
- A sim...
- E vocês dois, como estão? – Novamente Bernard com suas perguntas.
- Estamos muito bem, nos encontrando juntos como sempre.
- Que lindo! – Disse Noelle.
- Por onde estavam viajando? - Perguntei
- Fomos passar alguns dias no Rio (de Janeiro). Aquele sol todo não é de se desperdiçar.

O velho safado com certeza estava de olho nas mulatas!

A porta se abria, era Mélanie chegando quando já era a hora do almoço. Seu pai assistia Tv, ele amava golf. Eu e sua mãe
cozinhávamos juntos com uma taça de vinho nas mãos.

- Mamãe! Pai! Que surpresa maravilhosa! – Não conteve a alegria em seu rosto.

Eles se abraçaram, trocaram carícias e elogios. Veio até mim, me beijou e pegou uma colher para experimentar o molho que fazíamos para o macarrão.

- Minha nossa, que delícia! Eu não acredito que você fez isso.
- Meu amor, é claro que não fui eu. Sua mãe manda, eu faço.
- Mél, esse menino tem tudo pra impressionar na cozinha.
- E eu não duvido, o problema é o que está em sua mão.

Olhou para a taça.

- Culpa da sua mãe. Ela insistiu, não resisti ao charme.

Me olhou aceitando minha desculpa esfarrapada.

Almoçamos como uma família. Uma família feliz que se reunia poucas vezes, mas a vontade de estar junto se mantinha a mesma.

- Nossa, já é tarde. Eu tenho de voltar pro trabalho, vocês voltam pra São Paulo hoje?
- Sim, mas só de noite.
- Se não atrapalharmos seus planos, gostaríamos de leva-los pra jantar.

Olhamos um para o outro, não entendi o que Mélanie procurava.

- Claro... Por que não?

Mélanie voltou para o trabalho, seus pais saíram durante a tarde toda para da uma volta pela cidade, enquanto isso, eu aproveitei para por o trabalho em dia. Minha coluna estava a toda agora que eu era oficialmente um desocupado sóbrio ex fumante, ex amante... Não estava arrependido, apenas refletindo sobre minhas influências literárias e hobbies para o dia a dia.

Quando eles voltaram, eu já estava no final do processo de edição de texto, meu cérebro mandava a concentração ficar mais nos erros de português e menos na saudade do tabaco. Bernard tomava um banho, Noelle brincava com o pequenino Billy.

- Você gosta de comida japonesa ou prefere italiana?

Porra, eu prefiro o bom e velho bife mal passado, mas como dizer isso? Simples:

- Não sei... Gosto dos dois, o que a senhora preferir.

Não estava mentindo ou fugindo de alguma iniciação de conversa. Eu tinha um trabalho a cumprir, finalmente sentia prazer em trabalhar novamente.

Mélanie chegou do trabalho, por volta das sete e meia da noite, se enfiou no chuveiro, infelizmente, sem a minha ajuda para escolher o que usar por de baixo de sua saia preta de seda ou apenas para esfregar as costas no banho. Saiu do quarto pronta, assim como seus pais, menos eu, é claro, sempre o último, mas como dizia meu pai: não é chique estar pronto no horário. Saudades dos conselhos do velho sabichão.

Fiquei pronto em menos de quinze minutos, coloquei meu terno, gravata fina, o perfume favorito de Mélanie, mas ainda consegui uma apertada forte no braço e a cobrança pelos preciosos quinze minutos de trânsito para chegarmos no restaurante caríssimo que o meu cartão de crédito se recusaria a pagar.

Não tínhamos reserva, mas o “papai” Bernard deu seu jeitinho para nos colocar dentro da festa. O garçom se apresentou, entregou os cardápios e escolhemos rápido, eu nem sequer sabia o que tinha pedido, não sei falar italiano...

Dei uma olhada em volta, eles falavam sobre os futuros trabalhos de Mélanie e sobre a viagem do casal. Muitos casais em volta, todos pareciam felizes demais, muitas rosas sobre as mesas, até um pedido de casamento aconteceu por lá. Dois caras estavam sentados sozinhos em uma mesa, assim como você, eu também pensei nisso, mas olhando bem para a mesa: uma garrafa de whisky pela metade. Eram apenas dois solteirões caçando. Dei uma risada solitária.

- Mélanie! Quanto tempo...

Olhei para quem se aproximou.

- Eduardo!

Filho da puta... Eduardo era um ex-namorado de Mélanie, o viado era um cirurgião plástico daqueles que cobram o olho do cara para tirar tudo o que você tiver em um lugar e colocar em outra parte do corpo, só que um pouco mais empinado. Loiro, olhos claros e o maldito sorriso. Eu tinha ficado sabendo que ele estava de volta na cidade e que ainda pensava na MINHA mulher, que por sua vez esteve em dúvida entre qual dos dois ela escolheria. O escritor com defeito mental ou o cirurgião de pau pequeno e cartão de crédito feito de ouro.

Não podia fazer nada, meus argumentos eram fracos, os pais dela estavam ali e eu era um novo homem, ou melhor, em processo de mudança.

- Le... andro, certo?
- Continue tentado. – Apertei com força sua mão.

- Leonard. – Disse Mélanie me olhando feio.

Soltei a mão dele pra que ela fosse colocada sobre a nuca de Mélanie, que maravilha!

- Eu adoraria que pudesse ficar mais, só que tenho um compromisso. – Ele tentou olhar o decote dela. – Te ligo pra combinarmos um... Cafézinho?
- Claro!

Queria engolir o orgulho, mas engoli toda a água que estava no copo sobre a mesa. Minhas mãos formigavam.
O jantar seguiu no mesmo ritmo, eles conversavam, quando necessário eu respondia, às vezes puxava algum assunto para ter o que conversar, principalmente com Noelle.

- Leo?
- Sim.
- Você não respondeu a minha pergunta.
- O que você disse?
- O que quer de sobremesa?
- Nada... Só um café, sei lá.
- Café?
- Você está bem Leo? – Perguntou Noelle. – Parece distraído.
- Coisas do trabalho, nada demais. Eu vou querer o que você pedir Mél.
- Tá.

Paguei metade da conta, Bernard não queria que eu pagasse nada, eu deveria ter aceitado...

Os dois foram na frente até o carro, eu esperava Mélanie voltar do banheiro. Pude ver Eduardo sentado em sua mesa com uma acompanhante morena, alta e bela. Ele sorria olhando para mim. O destino me amava. Seu sorriso aumentou quando viu meu claro descontrole com as batidas com a ponta do pé no chão, acenou para mim... Era um homem morto!

Parei ao seu lado na mesa, ele continuava com sua cara de deboche e superioridade.

- Desculpe atrapalhar, mas posso perguntar uma coisa?

Soltou o ar de deboche olhando para sua acompanhante com desprezo pela minha interrupção.

- Você é um cirurgião, certo? Eu queria saber uma coisa...
- Seja rápido, por favor, estamos tentando jantar aqui.
- Há dois tipos de acidentes, o proposital e o “acidental”. Suponhamos que os freios do seu jaguar lá fora sejam cortados, você
sofre um acidente de carro e teria de passar por uma reforma física.

Ele estranhou o tom da conversa.

- Mas se acidentalmente um garfo ou uma faca caísse sobre a sua mão, que assim como a minha, é o seu objeto de trabalho. Bom, vamos direto ao ponto... Qual você teria mais trabalho para corrigir?

Ele estava assustado. Antes que dissesse algo, olhou para o garfo em sua mesa, para mim e novamente para o garfo. Rapidamente colocou sua mão sobre o talher. Eu sorria. Com a mesma velocidade acertei um cruzado de direita em seu olho esquerdo, ele caiu com a cadeira.

- É sempre bom falar com você “Dudu”.

Alguns funcionários se aproximavam enquanto eu já me direcionava para fora do restaurante, Mélanie me esperava na porta, ela viu toda a cena.

- Eu nunca tive de escolher entre vocês, sempre soube quem era o meu homem.

Ela estava dentro da minha cabeça?

- Feliz dia dos namorados seu brigão. – Me beijou com tanta vontade que eu mal tive tempo de pensar, apenas respondia com a língua.

quinta-feira, 13 de junho de 2013

Seguindo Em Frente


Estávamos deitados em sua cama ainda nus, sentia como se fosse a primeira vez que ficávamos daquele jeito, nos sentíamos completamente vulneráveis. Ela mantinha a cabeça deitada em meu peito, eu sorria para o teto lembrando-me da noite passada.

- Leo, se nós vamos continuar com isso teremos de estabelecer certas “regras”.
- Regras? Como assim?
- Precisamos ser sinceros um com o outro.
- Claro.
- Quer começar?
- Com o que?
- A falar sobre as coisas que nos afastaram ou que não gostamos.
- Tá. Sinceramente? Eu não gosto de nenhum dos seus amigos pé no saco.
- O que? – Ela levantou a cabeça para me olhar nos olhos. – Você nem sequer deu uma chance pra gostar deles.
- Gastei todas as minhas chances nos primeiros fins de semana. Não dá, são todos uns babacas de cabeça pequena que com o primeiro toque diferencial já saem babando nas bolas dos outros.
- Olha como fala! Você nem sóbrio ficava pra conhecer eles
- E tinha como? Aquele papinho medíocre me dava sono...

Respirou fundo.

- Quer saber? É a minha vez. Eu não sei, nem quero saber o que você fez esses meses, só queria te ver antes de ir embora.
- Embora?
- Eu encontrei com o Alex, ele me disse que você iria pra Minas cedo ou tarde.
- É... – Fiquei constrangido com o que viria a seguir. - Eu não vou pra lá.
- Não? Então por que a mudança? Pra onde vai?
- Não vou, eu voltei. Passei os últimos meses lá, estou de mudança por que vou sair do meu velho apartamento pra um lugar onde eu possa me manter limpo.
- O QUE?! E quando iria me contar isso??
- Calma... Eu tentei, mas você mudou seu telefone quando me largou.

Ela me olhava furiosa, eu sorria tentando melhorar o clima.

- Você sabe muito bem por que eu fui embora.

Não tive palavras.

- Você a escolheu, Leo. Não a mim, ela.

Meu sorriso se foi.

- Não podemos estar em um relacionamento se você diz me amar tanto quanto ama ela. Pra ficarmos bem, para o seu bem, você não pode desistir da reabilitação como fez, não pode continuar afastando as pessoas da maneira que passou a sua vida inteira tentando encarnar na alma de um bando de bêbados cheios de sujeira dentro de suas almas.
- Meu bem... – Segurei sua mão. – Eles escrevem para limpar a sujeira. Confie em mim, não sou o mesmo.

Ela sorriu com lágrimas nos olhos, me beijou assim que as lágrimas começaram a escorrer por seu rosto. Fizemos sexo, outra vez, como se fosse a primeira vez juntos. Era magnifico me sentir vivo de novo, minha cabeça ainda estava confusa, mas não deixava que ela pensasse por muito tempo, tinha de usar a outra cabeça naquele momento.

A mesa estava toda arrumada, pratos, talheres, uma taça de vinho, seria um almoço delicioso feito por Mélanie. Nos sentamos, ela sorria para mim, devia estar pensando em alguma das posições que fizemos durante a manhã.

- Então, o que achou? Passei um pouco do ponto?
- Não diga isso meu amor, você tá no ponto, coisa divina!
- Há há, seu bobo, não falei de mim, era da comida.
- Não tão boa quanto você... Está ótima.

Sorriamos um para o outro.

- O que faremos hoje? – Ela me perguntou.
- Estava pensando no que conversamos de manhã.
- E...
- Por que não fazemos assim, saímos com seus amigos essa noite.
- Como é? Você não disse isso só pra me agradar não é?
- Agradar? Já te agradei demais essa noite. – Pisquei para ela que me mostrou a língua.
- Tá bom, se é o que quer.

Terminamos de comer, ela saiu, alguém tinha de pagar as contas, certo?

Sentei no sofá, liguei a tv em algum programa sobre a vida animal, Billy assistia com muita atenção. A cena era épica, eu de samba canção, barriga para cima e a expressão de vazio no rosto, Billy ao meu lado com as orelhas armadas e o olhar fixo para a tela colorida de alta definição. Me dei conta de que precisava sair do sofá antes que meu dia fosse completamente consumido pelo tempo passado.

Ajeitei as folhas de papel sobre a mesa, apontei o lápis e comecei alguns rascunhos em francês. Queria surpreender Mélanie com um pequeno poema. O dicionário era meu companheiro naquela batalha. Como começar? Deveria arriscar nas palavras? Escreveria em português primeiro? Enchi uma taça de vinho, comecei a escrever da maneira mais fácil, brincava com palavras e frases. Consegui - não fui autorizado a publicar o poema.

Já passava das sete horas da noite quando Mél voltou e me surpreendeu, eu estava na janela fumando APENAS o segundo cigarro do dia.

- Leo!
- Oi...
- Você sabe que precisa parar com isso.

Pegou o cigarro da minha mão e jogou pela janela ainda aceso.

- Mél, você sabe que não é fácil. E esse é o segundo do dia só.
- Não importa, eu tô aqui pra cuidar de você. Cadê o maço?
- Maço? Não tenho...
- LEO.

Ela jogou meu maço inteiro no lixo, meu triste pulmão chorava por dentro, meu coração sorria esperançoso.

- Vem, vamos tomar um banho que daqui a pouco vamos sair.
- Opa! – Nunca estive tão feliz para o banho.

Chegamos no bar, luzes neon na porta, nas janelas e no nome de identificação do lugar. Muita gente aproveitando a sexta feira com roupas curtas e double chopp. Sentamos junto dos amigos dela, estavam todos lá. Me encaravam com estranheza, deviam pensar “esse cara nunca vai embora?”, “o que será que ela vê nele?”, “provavelmente tem um membro espetacular, ela é muita areia pra esse metido a poeta.”. Minha imaginação de bosta.

Cumprimentamos a todos, pedimos um chopp pra ela e um suco de laranja pra mim. Ela estava sentada de frente para mim, odiava quando fazia isso, não conseguia brincar com suas pernas por de baixo da mesa. Era uma tortura.

- Memél você não sabe onde a Vanessa anda se metendo. Ou melhor, em que...

Impressionantemente era um homem se dirigindo a Mélanie.

- Nem precisa contar, já sei das histórias dessa “zinha”.

Não iria dar certo, logo no começo da noite e eu já sentia vontade de voltar para casa e me enfiar naquele sofá outra vez. O problema não eram os amigos dela, nem as conversas, claro que a falta de álcool no sangue esquentando meu cérebro e me arrancando assuntos surpreendentes estava distante, mas era a mudança em mim que me surpreendia.

- Não vai tomar uma dose com a gente hoje? – Lucas, um dos amigos dela, me perguntou.
- Deixa pra próxima, hoje eu dirijo.
- E o que tem? Você sempre dirigia bêbado com Mélanie do seu lado.

Desgraçado, queria me tirar do sério com tão pouco? Mantive a calma, ele estava certo.

- É, eu era assim.
- Ei, trás umas tequilas! – Pediram para o garçom mais próximo.
- Tequila! – Gritavam todos juntos.

A vibração como se fosse o gol do título.

Continuaram com conversas sobre coisas que não me atraiam como o sofá da sala ou as pernas escondidas de Mélanie.

- E então Leo, o que fará da sua vida agora?
- O que sempre fiz, correr atrás do que eu quero.
- “Só” isso? Há há, não é fácil né?
- Nunca será, mas a gente vai lutando enquanto ainda sobram forças.
- Boa cara!
- Corajoso você.

Por que ela só conhecia homens? Essa mulher me levaria à loucura outra vez, não me restava dúvidas quanto a isso.

Passamos por longas horas naquele bar, eu não tinha engolido uma única gota de álcool, enquanto ao meu redor todas, inclusive Mélanie, estavam bêbados e a conversa já chegava no seu ápice de embriaguez.

- Leo, vai cara... Acompanha a gente só nessa!
- Vamo!

Olhei para Mélanie, ela me observou a noite inteira, comecei a pensar que ela deveria ter percebido que eu estava mais dormindo do que interagindo de verdade, eu tive de reagir. Todos esperavam a minha reação, principalmente eu.

- É... – Voltei o olhar par ao grupo. – Talvez não seja a melhor hora... – Olhei par a ela, depois para o copo e para o pessoal. – Já está tarde gente, deixa pra lá. – Um sorriso falso.

Tive de carregar Mélanie até o carro, ela, assim como todos naquele bar, estava completamente bêbada. Falava algumas besteiras, eu não entendia absolutamente nada. No carro ela apagou, como mágica, ela sempre dormia quando estávamos no carro em movimento. Era uma graça.

Em casa, é claro, ela sentiu o enjoo, não é fácil assumir a bebida dentro de si. Cuidei dela como se trata um bebê, dei banho, ajudei a por a sujeira pra fora e ouvia coisas sem muito sentido. Ela estava deitada na cama, ainda nua, de costas, meus olhos brilhavam. Como era possível uma pessoa ser tão magnífica? Não apenas seu corpo, mas a paixão que saia dela, toda a graça em seu jeito de ser, meu coração palpitava olhando para a mulher que ia além dos sonhos, ela era real, assim como seus defeitos e suas perfeições.

- Obrigada por ter sido tão bom conosco hoje, você é especial Leo, não se esqueça disso.

Daquele dia em diante eu não me esqueceria disso jamais. Nem sempre na vida de um escritor é preciso carregar apenas dor.

quinta-feira, 6 de junho de 2013

Para Sempre Juntos

A mesma rodovia por onde eu passava quando criança caçando o fórum com meu pai, ou quando íamos visita-la (minha amada avó) no litoral, todos dentro do carro felizes por estarmos de férias. A mesma ponte que dá para a entrada da cidade. Os mesmos carros velozes de um lado a outro da pista com esperança de chegar em casa antes do anoitecer. Seja bem vinda São José dos Campos, estou de volta.

Depois de quase três meses fora buscando novos ares nas profundezas das Minas Gerais, novas inspirações nas escrivaninhas dos velhos autores do café com leite, novos amores por de trás da infinidade de morros gelados e solitários, sim, eu podia dizer que era bom estar em casa, a minha cidade que me trouxe tanto bem quanto mal ao longo de toda minha carreira e vida.

Nada parecia diferente, ao mesmo tempo em que tudo era como novo aos meus olhos míopes. Billy parecia contente em rever as coisas que ele não conhecia. O pequenino já estava com certo tamanho e força para bagunçar as malas no banco de trás.

- Ei, seu viadinho! Para com isso, logo estaremos em casa e você pode bagunçar aquela porra toda.

Não adiantou.

Meus primeiros dias como um projeto de mineiro foram um fracasso. Não saia da pousada para nada, Billy brincava, bagunçava, corria e latia enquanto eu fumava o que me sobrou de pulmão, bebia e sentia pena do que tentava escapar. É fácil sentir pena de si quando não a outra ambição para se viver. Escrever? Nem em pensamento. Sobreviver, apenas.

Quando decidi sair e encarar o gelo chamado Ouro Preto outra surpresa, meus pulmões não existiam mais. Por pouco não caia morro a baixo, meu peito sofria com tudo aquilo, era angustiante sentir aquele peso todo. Chegara a hora de parar de fumar. Uma semana, um dia, uma hora, eram as minhas expectativas e realidades falhas.

Virei à esquina em que por anos permanecia adormecido, ou desacordado por razões mais fortes do que eu, lembranças desagradáveis para quem ainda pode se chamar de jovem promissor. Estacionei em frente ao bar do Arthur, teria de encara-los com a cabeça erguida, estava determinado a sofrer mudanças.

- Meu Deus! O que Diabos fizeram com você rapaz? – Perguntou Arthur.
- Quem é ele?
- Está vivo!

Olhei ao redor, olhei para Artie e respondi.

- Olá meu velho. – Dei-lhe um pelo sorriso simpático, era um dos poucos que eu chamaria de companheiro.

De uma coisa admito que eu sentirei falta, daquela comida acompanhada de um cafezinho feito na hora. Não foram tempos terríveis para meu estômago. Acordava com os olhos inchados de ressaca, sem nem sequer levantar a cabeça para olhar quem direcionava a palavra a mim, até encontrar com a mesa da pousada cheia de delícias e com aroma de café forte. Me tirava da depressão por alguns breves momentos de prazer.

Entramos no pequeno apartamento que me acolhera e cuidara de mim por anos. Era triste entrar sabendo que seria a última vez. Os novos ares sopram, não posso decepcionar mais a mim mesmo.

- Então é isso que você quer? – Perguntou Arthur.
- É meu velho... Não dá pra voltar atrás, já me decidi e – Suspirei forte. – vamos em frente. – Olhava para a escrivaninha onde estava minha máquina de escrever.
- Tá legal. Vou te deixar sozinho arrumando suas coisas, se precisar de algo é só descer pro bar.
- Valeu Artie.

Depois de quase um mês sem nem olhar para uma folha de papel, ao menos não com pensamentos literários, apenas com vômito nos lábios. Decidi tomar iniciativa e voltar ao trabalho. Joguei todas as garrafas vazias no chão, limpei a mesa, coloquei um cinzeiro e um copo cheio (café com pinga). Olhei para a folha e nada. Olhei para o copo e disse “que venha a inspiração.”, virei. No fim da garrafa de pinga a inspiração, se é que veio, passou despercebida. Acordei deitado no chão ao lado da cama enquanto Billy dormia tranquilamente em meu lugar no colchão macio. Seria essa a evolução? O homem virando bicho e o bicho virando... Homem?

Parei para descansar depois de empacotar tantas coisas. Sentei na beira da cama, sentia vontade de fumar. Por que tão satisfatório? Tive de voltar ao trabalho sem descansar para evitar que um cigarro aceso subisse em minha boca.
Livros e mais livros nas caixas surradas que peguei no estacionamento de um supermercado. Até que encontrei uma foto escondida atrás de um livro do Leminski. Linda e sorridente, a mais encantadora de todas, a única que não se transformou em tempo passado. Atrás da foto um bilhete carinhoso:

“Que permaneça vivo enquanto ainda respirar. Não esqueça de que vale a pena ceder a sorte de amar – Eu te amo seu barbudo romântico”.

Surpresa, um cigarro aceso em meus lábios, as mãos coçando a testa.

Depois do fracasso em tentar retomar minha alma não consegui sair do quarto por alguns dias, nem fumar, nem comer ou beber. Eu passava o tempo inteiro deitado lendo, olhando para um céu nublado que me mandava ficar calado, quase como vegetal. Nem mesmo Billy tinha ideia do que fazer, o pobrezinho tomou conta de si com o que encontrava jogado pelos cantos ou dentro das malas.
Acordei com as malditas dores outra vez, era o dia mais feio de todos os quais passei lá, nem mesmo o céu tinha voz. Tentei me levantar, era contido pela dor e arremessado de volta para a cama em agonia. Billy dormia sem ter consciência do que estava para acontecer. Pensei que teria um infarto, meus nervos estavam à flor da pele, minha loucura tomou conta. Rolei para fora da cama, dei de cabeça com a quina do criado mudo, sangue escorria entre meus olhos.

Quase tudo pronto, outra pausa para tomar água. A foto continuava lá me observando, dizendo o quanto sentia minha falta. O que eu poderia dizer? Era apenas uma foto...

- Você não pode desistir, Leo.
- O que? Quem tá ai?
- Adivinha. Olha pra trás seu lerdo.

Me virei, era ela, a foto.

- Oi.
- QUE PORRA É ESSA?!
- Calma, só presta atenção no que vou te dizer, não tenho muito tempo.
- Tempo? Você é uma imagem num pedaço de papel, pra que precisa de tempo, você é a marca de que é possível pararmos o tempo!
- Cala a boca e me escuta! Você não pode desistir, é confuso, mas está no caminho certo.
- Do que você tá falando?
- Das suas decisões. Essa é a escolha certa, voltar, tomar outro rumo para sua vida.
- Eu sei disso.
- Então por que fraqueja?
- Não é fácil mudar as coisas tão rápido.
- Eu sei, mas estou do seu lado para te apoiar. Seja forte meu querido.

Estava quase alcançando a porta. A dor aumentava, eu mal conseguia respirar, estava tudo girando. Com as pernas bambas consegui me jogar contra a porta, não iria me segurar em pé se desse outro passo. A maçaneta parecia escorregadia, meu sangue se juntava com suor e medo. Juntei minhas forças, soquei a maldita porta. O animal crescia, o homem sumia – sou um babaca.

Deixei as caixas de lado, sentei de frente para a máquina, não me sentia vivo naquele momento. Encarei o papel, sentia ódio dele “por que tão branco e cheio de vazio?”, pensei. A foto não falava mais. Pressionei meu punho contra a mesa, a pressão dentro do meu cérebro aumentava. Impulsivamente joguei tudo que estava sobre a mesa no chão, menos a máquina. Nos encarávamos como duas bestas num campo de batalha. Era agora, comecei a bater nas teclas com raiva, estava furioso e sem nem mesmo ler o que saia fui escrevendo, escrevendo, escrevendo até que não tinha mais espaço na folha, já tinha saído o que era necessário por pra fora. Estava tudo lá, me olhando com um sorriso sádico.

Encostado na parede consegui abrir a porta devagar, meu tempo estava acabando, assim como minhas forças. Billy acordou e saiu correndo atrás de mim no corredor, ele latia para que alguém aparecesse. Fui me arrastando pelos cantos, a pressão contra meu peito ficava mais forte. A escada estava bem a minha frente quando tudo ficou escuro.

Quando acordei já era outro dia, eu estava deitado em uma cama de hospital sozinho. Uma enfermeira me deixou a par do que havia acontecido, as dores no peito eram por estresse e depressão, meu pulmão doía por que sou fumante, obviamente. O que me fez ser levado ao hospital foram o corte na testa e o fato de eu ter rolado escada abaixo. Me seguraram naquele lugar deprimente até o fim da tarde. Sai de lá com a cabeça ainda girando, muito confusa.

Andei pela cidade sem ser percebido, sem percebê-la também. Seguro de que Billy estava sendo bem tratado pela dona da pousada, continuei minha trajetória por pensamentos. Eu só queria limpar a minha cabeça, deixar a sujeira sair e ganhar uma nova chance. De que? Logo eu iria descobrir.

Terminei de encaixotar minhas coisas, o que ficaria lá seriam apenas móveis velhos e gastos, sonhos esmagados, suor, tristeza, força de vontade, amor, belas histórias, boas brigas, grandes festas, um coração.

Sentado na beira da cama eu brincava com Billy, precisava deixar as coisas se assimilarem naturalmente dentro da minha cabeça antes de sair do meu castelo. Enchi uma vasilha com água para ele, uma dose de whisky para mim, era apenas uma dose para fechar um ciclo.

Voltei no outro dia para a pousada, já tinha algumas decisões bem encaminhadas em minha mente. Agradeci a senhora por tomar conta da criança, me desculpei por tudo, devolvi as chaves e, depois de encher meu carro com malas e más recordações, peguei a estrada pela última vez. A viagem seguiu tranquila com muito café, alguns poucos cigarros, eu ainda estava assustado com o ocorrido. A música que tocava não penetrava meus pensamentos, eles estiveram por longas 10 horas focados em objetivos mais concretos do que o velho sonho de ser um rock star.

Levantei o copo como reverencia a meu templo, virei sem pena da minha saúde. Bateram na porta. Abri, meu coração subiu para a boca, estava sem palavras para o que meus olhos me mostravam.

- Oi. – A voz mais doce que encantou aquele lar.

segunda-feira, 18 de março de 2013

Tudo em Seu Lugar

O céu desabava lá fora, acordei com uma sequência de trovões de partir um carro ao meio. Eu estava suando muito, andava tendo muitos pesadelos com facas, dor, ódio e rancor, nada agradável para alguém que tem insônia crônica. Olhei para Billy que dormia ao meu lado na cama, ele nem notava o terror que se passava na rua.

Fui até o banheiro lavar meu rosto, minhas mãos tremiam novamente. Até mesmo um homem barbado pode se assustar com uma tempestade, talvez o motivo fosse alguma lembrança reprimida da infância voltando à tona com todo aquele barulho.

Olhei no relógio, 4 horas da manhã. Não conseguiria dormir, por que não comer algo? Um velho gosto que eu tinha era cozinhar, nunca fui um grande aluno, afinal acabava esquecendo como fazer algumas coisas, mas a vontade de aprender nunca ia para muito longe. Abri uma cerveja, enchi meu copo. Tomei tudo em um gole, enchi novamente, dei um pequeno gole para evitar que derramasse.

Procurei ingredientes. Um pouco de arroz, miojo, ovos, bife, hambúrguer e sanduiche congelado. Peguei dois ovos, dois hambúrgueres e o arroz, simples, mas seria o suficiente para meu lanche da madrugada.

Comecei a bagunça, é muito divertido cozinhar de madrugada, não me pergunte o porquê, apenas é. Foi algo tão relaxante, misturado com cerveja, que até me esqueci da tempestade. Depois que comi foi fácil voltar ao terror dos meus sonhos.

Acordei com o latido da pequena criança brincando com sua bolinha verde. Fiquei um pouco deitado pensando em algumas palavras de um poema que estava na cabeça há dois dias. Gostei do que surgia, poesia sempre me alegrava quando me fazia sentir aquela realização do criador.

Levantei devagar, joguei a bolinha para Billy pegar e entrei no banheiro. Tomei um banho demorado, a melhor solução para curar uma ressaca é essa, banho, escovar os dentes e tomar um bom café. Me olhei no espelho, peguei o pente para a barba... Deixei-o na pia e fui me vestir. Depois de deixar o pente da barba de lado, é quando tenho a certeza que abandonei as aparências e o copo é o que importa no momento.

Billy largou a bolinha e permanecia deitado calmo escutando a discussão que vinha lá debaixo, no bar. Não me envolvia mais quando acontecia isso, já tinha confusões de mais no meu currículo, gosto de morar ali, era melhor apenas cuidar do meu fígado.

Eu tinha aceitado um trabalho em uma revista eletrônica sobre literatura nacional, nela apenas os “anônimos” eram publicados. Meu trabalho era simples, escrever o que me viesse à cabeça. Poemas, contos, pensamentos revolucionários, cartões postais, receita de sorvete com cachaça... E eles realmente me pagavam, não muito, não o suficiente para cobrir o aluguel, mas fazer o que? Trabalho é trabalho, ninguém te diz o quão difícil é viver de sonhos, mesmo que digam, não há como sentir até ter de sobreviver.

Ascendi um cigarro, peguei um copo e abri o armário a procura de um bom whisky. Nada, não havia nada além de meia garrafa de vinho e garrafas com uma, no máximo duas gotas dentro. Procurei por toda a casa, embaixo da cama, na geladeira, dentro do forno, atrás da máquina de escrever, no banheiro, não era possível, minha casa não tinha uma garrafa para me acompanhar em meu ritual de escrita.

Olhei para Billy e disse:

- Garoto, não me espere acordado. Eu sei, não deveria ir lá, mas estamos vazios aqui em cima.

Ele inclinou a cabeça, levantou as orelhas e me encarava sem entender uma palavra que eu dizia.

Peguei meu casaco, meu cigarro e desci.

Entrei no bar, os vagabundos de sempre, alguns novos, eram esses que discutiam sem parar de cuspir enquanto gritavam. Desviei da confusão, encostei-me ao balcão. Arthur atendia do outro lado, fez sinal que eu esperasse um pouco. Augusto, o velho tarado do 26, estava sentado ao meu lado no balcão.

- Que porra toda é essa?
- As “meninas” estão ai o dia inteiro, discutem sobre tudo, truco, jornal, futebol, banco... A última dose desceu pesada em ambos, ai a coisa pego fogo quando começaram a falar da mulher do camarada da direita, de camisa azul.
- Não ouvi nada, pera ai, que dia é hoje?
- Domingo.
- Puta merda! Eu dormi o dia inteiro?

Nesse momento percebi que o céu continuava escuro.

- Riá riá riá! – A risada do velho era exótica demais para os conservadores de plantão.

Arthur chegou para me atender. Colocou minha dose por conta da casa como de costume, tomei sem piscar.

- Fala Leonard Pessoa! Não aparece há um tempo hein, o que anda batalhando naquela velha máquina?
- Tentando me manter fora de confusões para conseguir batalhar por algo.
- Não diga que nós lhe causamos confusões, olhe ao seu redor, não há com o que se preocupar.

Arthur falou cedo demais.

- SEU FILHA DA PUTA! Levanta e me fala olhando na cara seu cabra safado!

O de camisa azul se levantou furioso, a cadeira caiu, seu rosto estava vermelho.

- Vagabundo, eu se que você traço ela! Agora vem com essa conversa mola, eu vô te fura, vai engolir esse saco peludo!

Ele tirou uma faca da cintura. Todos se afastaram assustados, o cara da frente se levantou meio cambaleando, mas também muito irritado.

- Meu pai, agora fodeu! – Disse Arthur. – Vão me destruir o bar, assim eu perco tudo.

O velho apenas dava risada quando começou a voar cadeiras e garrafas, o sentimento se espalhou e a confusão passava por quase todos. Eu não sabia o motivo de todos estarem se engalfinhando porque um corno bêbado queria arrancar as bolas do cavalheiro que traçou sua amada e fiel esposa. O companheiro tem seu direito.

Um cara caiu em mim, o joguei para o lado, olhei para frente e outro vinha em minha direção segurando uma garrafa sobre a cabeça, ele gritava. Com o antebraço o impedi de me acertar com a garrafa, então acertei um soco em sua costela e três no rosto, ele caiu de lado. Outros me olhavam no canto do bar, um deles vinha em minha direção. Eu teria de acabar com a confusão pela raiz, teria de pegar o cara da faca.

Ele se preparava para pegar o traidor, mas um cara vinha por trás para acerta-lo desprevenido com o taco de bilhar na mão. Corri em sua direção, peguei o taco, começamos a disputa-lo. Acertei um chute em seu joelho direito e bati com o taco em seu nariz, em seguida bati duas vezes na barriga, até ele cair e receber um chute na costela.

Voltei minha atenção para o corno com a faca na mão, ele me olhava como se eu fosse o esperma que entrará na bocetinha apertada de sua mulher pecadora. Ele bufava, veio para cima com a faca, dei um passo para trás desviando da faca. Outra investida, mais uma vez fui para trás, ele era rápido, consegui acertar minha camisa.

- Ei, vá com calma. Eu tô do seu lado, sei como é o peso na cabeça. – Tentava argumentar para acalma-lo. – Não precisamos seguir esse caminho companheiro.

Aparentemente falar dos chifres de outra não é a melhor forma de acalmar um chifrudo com uma faca apontada para sua barriga.

Eu já estava quase encostado na parede, teria de agir de uma vez. Novamente tinha aquela faca vindo pronta para rasgar meu estômago, desviei com um passo para o lado. Segurei seu braço junto ao meu corpo, acertei dois socos na barriga, uma cotovelada no rosto, ele soltou a faca. Em seguida um taco de bilhar veio de trás na minha nuca, fiquei tonto e soltei o corno, mal via de onde vinham os golpes, um soco no olho direito, outro na barriga, chutes nas minhas pernas para que eu caísse e recebesse mais um chute no rosto. Eram os dois que me encaravam antes.

Um tiro no vazio encerrou o espetáculo, Arthur finalmente pegou sua arma atrás da caixa registradora e pôs fim no meu sofrimento.

- Pra fora daqui seus desgraçados! Rápido, vão!

Todos saíram correndo, ficaram apenas dois bêbados que não haviam se levantado durante a briga, apenas olhavam tomando suas cervejas.

As coisas se acalmaram, eu tinha um saco de gelo na nuca e o sangue já estava estancado. O velho ria, Arthur também, mas agradeceu a ajuda. Tomamos duas cervejas para por a cabeça em ordem.

- Já chega, preciso subir e terminar meu trabalho.
- Obrigado pela ajuda, novamente.
- Sem problemas Artie.

Peguei minha garrafa de whisky, um saco de amendoins e um maço de cigarros de palha.

Billy dormia em minha cama, joguei o saco de gelo que já era praticamente liquido na pia, abri a garrafa e me servi algumas doses. Sentei de frente para a máquina com um copo gelado no olho roxo, depois de uma tragada revigoradora coloquei o papel na máquina e comecei a escrever aquele poema que pensei logo quando acordei. Nada melhor do que um bom poema depois de uma grande confusão.

segunda-feira, 4 de março de 2013

Reencontro Merece Outra Dose

Durante muito tempo ele era inútil para mim, mas finalmente dei alguma utilidade para meu fogão. Era sexta feira, eu preparava meu prato preferido, carne, muita carne. A cena estava completa, pano sujo jogado sobre o ombro, um cigarro aceso, um copo com whisky e Billy sentado olhando para mim com cara de cão sem dono. Coloquei a vitrola para funcionar com um vinil do David Bowie. Algo havia mudado dentro daquela casa, o ambiente estava irreconhecível.

- Logo menos ficará pronto, então para de me olhar desse jeito. Você já comeu sua ração hoje.

Comíamos como porcos famintos, eu mal parava para respirar ou tomar um gole. A sensação de fazer sua refeição com as próprias mãos é ótima e trás certo orgulho, mas no final, ao ver a sujeira deixada pela casa é como se o peso do apartamento inteiro caísse sobre as costas.

Olhei bem para a louça suja e pensei que era a hora de fumar um cigarro. Peguei meu maço sobre a escrivaninha, sem querer derrubei um livro. Abaixei para pega-lo, um papel caiu de dentro dele. Era um convite para a apresentação de um livro o evento seria numa livraria no shopping, mas o que mais me chamou a atenção era o nome do autor que me era familiar.

Achei que a ideia não era das melhores, mas a vontade de apenas sair para dar uma volta me convenceu a ir. Esperei o Billy dormir, vesti uma jaqueta e fui.

Shopping lotado, sexta era o dia dos novos “estilosos” desfilarem para que o mundo os veja e morram de inveja, ao menos meu sangue não estava completamente limpo e venderiam bebidas alcoólicas na livraria devido à ocasião.

Entrei na livraria, muitas pessoas ao redor conversando destruindo completamente o ambiente que amo, o silêncio dos meus pensamentos. Respirei fundo e fui em direção ao balcão pedir uma bebida. Uma linda moça veio me atender.

- Olá, bem vindo à livraria Maxsigma, o que vai querer?

Olhava no fundo de seus olhos e sorria levemente com o canto da boca, sempre passe confiança para uma linda mulher quando conhecê-la.

- Olá, eu gostaria de uma dose de whisky. Puro, por favor, e, aqui entre nós, não economize na dose. – Aumentei o sorriso.

Ela sorria de volta, é nesse momento que se deve olhar novamente dentro de seus olhos por mais alguns segundos e em seguida demonstrar maior interesse em algo aleatório, assim ela ficará com sua reação na cabeça, ou seja, você estará em seus pensamentos por algum tempo.

Olhei ao redor, as pessoas eram de tipos variados, não como as que frequentam esse tipo de evento, aquele tipinho “cult” que tanto me aborrece. Alguns estavam lá apenas por falta do que fazer, o que não me impressionava, afinal depois de trinta minutos dentro de um shopping não há muito que fazer se você não for ao cinema, comer em algum restaurante ou estiver procurando roupas ou livros.

- Aqui está, uma dose de especial de whisky.

Finja que não ouviu, afinal seu interesse não esta mais nela. Mas no meu caso, eu realmente não estava atento a ela e a mais nada além dos pensamentos que me isolavam de toda aquela confusão a minha volta.

- Oi? Desculpe, eu me distraí por um momento.

Peguei em sua mão suavemente antes de pegar o copo, clássico.

- Obrigado por essa gentileza. Quanto lhe devo?
- A primeira é por conta da casa.

Naquele momento pensei que eu era especial, mas depois vi o anúncio e fiquei levemente desapontado.

As pessoas foram chegando ao balcão e eu aproveitei a oportunidade para me sentar à mesa.

- Peço a atenção de todos. Dentro de cinco minutos daremos início a apresentação e em seguida Fernando irá responder a algumas perguntas. – Anunciou o gerente da livraria.

Tomei metade do copo quando ela chegou.

- Está perdido?

Olhei para ela, abri um sorriso, reconheceria aquele rosto, aquele corpo, aquela voz mesmo depois de anos sem contato.

- E o que te faz pensar que não vim para prestigiar a obra do grande Fernando? Ou apenas para revê-la?
- Há há há, Leonard meu doce, você nunca viria pelo meu marido, muito menos por seu trabalho.
- Raquel, eu nunca engoli essa coisa de marido. O seu tom de voz não contribui para isso.
- Vai começar?
- Você realmente é feliz com o senhor best seller?
- Meu amor, você teve sua chance e não a levou a serio.

Não percebemos, mas Fernando já estava à frente de todos falando sobre seu livro.

Bebi tudo, pedi outra dose e uma taça de champagne para Raquel.

- Você sempre jogará isso na minha cara, não é mesmo?
- E você sempre manterá essa barba? Como tem passado?
- Prefiro minha barba macia e bem cuidada do que uma saúde de ferro e a cara lavada. Estou bem, tenho um cachorro para criar e livros para escrever.
- E garrafas para esvaziar, essa não é sua primeira dose do dia, certo?
- Como você está? Não me diga que vive um casamento feliz, pois não iria engolir também.

Sua expressão era inconfundível, ela não o desejava, não o amava e não era feliz. Mas o conforto já havia tomado conta de sua vida há muito tempo, ele não era o maior escritor de todos os tempos, mas sua família possuía boa base financeira e seus livros, por mais simples que fossem o mantinham vivo no ramo.

Depois de outras duas doses eu me aproximei dela, peguei sua mão.

- O quão errado seria se eu te pedisse um beijo agora?

Seu sorriso não recusava meu pedido.

- Não seria apropriado Leo, você sabe muito bem disso.
- Mas seria tão bom ver a expressão no rosto dele e o melhor é claro que seria sentir novamente o gosto desses seus lábios vermelhos.

Nos olhávamos calados, minha mão continuava sobre a sua.

- Tire essas mãos sujas da minha mulher imediatamente! – Seu tom de voz era sarcástico e ousado.

Cheguei próximo à orelha dela com meu rosto.

- Eu te dou 300 reais e dedico meus próximos seis romances a você se me beijar agora na frente dele.

Ela apenas riu e apertou minha coxa por baixo da mesa.

Levantei, apertei sua mão e sorri com clara falsidade.

- Minhas mãos são sujas, mas ainda são honestas a mim.

Ele também sorria com extrema falsidade.

- Não estamos mais falando de mãos, não é? – A risada também não era verdadeira.
- Digamos que sim... Quem eu estou enganando? É claro que eu estou falando dos seus livros vendidos! – Retribui a risada falsa. – É apenas uma brincadeira. – Pisquei para ele.

Não conseguimos esconder, nos odiávamos há anos e era óbvio para qualquer um que nos ouvisse conversando.

- Tá legal, já chega. – Interviu Raquel. – Vocês já estão muito velhos para esse tipo de discussão infantil.
- Você esta certa minha querida.

Deram um beijo típico de um relacionamento sem vida, não chegou a ser um beijo, apenas encostaram os lábios e se sentaram.

- Ele não aguentaria uma discussão de homem. – Sussurrei.
- O que disse? – Perguntou Fernando.
- Disse que este encontro merece um brinde!

Sua expressão facial ficou séria, logo ela voltará para irônica e então ele pediu mais dois copos do que estávamos bebendo antes e o mesmo que eu bebia para ele, é claro, por conta da casa.

Eu já estava bêbado quando a quinta pessoa chegou a nossa mesa para fazer alguma pergunta para Fernando sobre o maldito livro.

- Bom, essa é a minha deixa. Tenham uma boa noite. – Olhei rapidamente para os dois enquanto me levantava.

É difícil esquecer uma mulher que realmente mexe com você e esquece-la pela segunda vez, em certos casos pode ser mais difícil. Ela pode ser uma amiga de anos, uma mulher que acaba de conhecer em um bar ou apenas uma troca de olhares durante um por do sol na praia, mas se por alguma razão ela te atingiu e por outro motivo perturbador você teve de esquecê-la, quando aquele sentimento voltar, pode ter certeza, será duro deixa-lo ir outra vez. Digamos que você já sabe o caminho, mas não sabe por onde começar dessa vez e é isso que aumenta a confusão em sua cabeça e coração. Aqui vai um conselho, apenas deixe fluir em um quarto vazio, tome algumas doses, evite contato com ela e mantenha a cabeça ocupada ao longo da semana. Quando se sentir mais confiante dos seus planos e de suas atitudes, pronto, você estará preparado para enfrentar o problema.

Voltei ao balcão onde tudo aquilo começou. Novamente a bela moça me atendeu.

- Noite difícil?

Eu mantinha a cabeça baixa, cotovelo apoiado no balcão e a mão na testa.

- Se não fosse por você me servindo essas doses todas...
- Que tal a última por conta do convidado especial da noite?

Levantei a cabeça, olhei para seu sorriso malandro e aquilo me reanimou na hora.

- Você... – Peguei sua mão e dei um beijo. – O que seria de mim essa noite se você não estivesse aqui?

Não sei exatamente o motivo, mas muitas mulheres gostam desse beijinho na mão. Talvez elas se sentem como as duquesas, rainhas, princesas que tempos atrás, apesar de ainda representarem um papel secundário na sociedade, eram mulheres com uma imagem forte, exigiam respeito por suas roupas extravagantes e aquela expressão firme no rosto.

Ela trouxe meu copo enrolado em um guardanapo. Tomei o primeiro gole, olhei para o guardanapo e lá estava escrito o horário que ela sairia, seu telefone e seu nome. Nesse momento há duas opções, a primeira eu concluiria na cama o que comecei no balcão, mas no fim minha recepção naquele lugar sagrado seria terrível já que não trocaríamos mais do que fluidos corporais.

A segunda opção seria ser sincero e dizer entre linhas a minha verdadeira intenção, o que me deixaria novamente como o “cachorro” ou, com um pouco de sorte, seria perfeitamente entendido e passaria mais uma noite ao lado de uma mulher esquentando minha cama.
Olhei sobre meu ombro para Raquel, ela ria de alguma piada que Fernando havia contado, continuava com a infelicidade construída a partir de algum tipo de conforto interno explicita em seu rosto tão gracioso. Acabei minha bebida, enfiei o papel no bolso e fui embora sem me despedir. Não importa qual opção eu escolheria, havia um pequeno cão me aguardando em casa para me acompanhar em outra garrafa junto de um poema sobre um desejo incontrolável e imprevisível sobre alguém cada vez mais distante.

sábado, 9 de fevereiro de 2013

Uma Ducha Para Refrescar

- Alô?
- Finalmente! Porra, onde você se meteu?

Abri os olhos de vagar, eu estava deitada em uma pedra, o mar batia contra as pedras e respingava em meu rosto. Uns cinco caras fumavam maconha ali por perto.

- Cara... Eu acabei de me dar conta que dormi nas pedras.
- Pedras? Você tá na ponta da praia?
- Sim.
- Cacete Leo! Por isso você sumiu. Olha a gente tá indo pra ai te buscar.
- Obrigado.

Enquanto eu os esperava, aproveitei para fumar um cigarro e lembrar como eu fui parar lá. Eu lembrei.

- Leo!
- Oi Alex.
- Feliz ano novo cara.
- De novo?
- Eu só queria ser legal antes de pedir um cigarro.
- Idiota. Toma aqui.

Fomos tomar um café na livraria Ponto das Letras. O lugar era ótimo, pequeno, bem receptivo e com uma boa variedade de livros, e até alguns CDs.

- Que graça esse lugar. – Disse Ana.

Nos sentamos. Ana procurava algo diferente e com boa aparência para começar o ano com um gosto diferente em sua bebida.

- Olá, o que vão querer?
- Eu quero um cappuccino frio. – Pediu Ana.
- Três cafés, por favor.
- Faça o meu bem forte.
- Está bem. Volto em um minuto.
- E então, como você foi dormir nas pedras Leo?
- É verdade, depois da virada você e a Nathália saíram e simplesmente não voltaram mais.
- É um pouco tarde pra notar isso. Nós fomos dar uma volta, quando voltamos não conseguimos encontrar vocês.
- Ficamos bebendo por um bom tempo lá, depois eu fiquei cansada e decidimos encontrar um lugar para passarmos a noite.
- Entendo. Bom, depois de ficarmos procurando por vocês em vão decidimos descansar nas pedras olhando o mar. Acabamos fazendo mais do que apenas olhando e bebendo... Depois ela me perguntou se eu queria carona para voltar para casa, eu estava completamente bêbado e disse que não precisava, que eu sabia o caminho de casa. Passaram trinta minutos, ela se foi e eu percebi que não morava aqui.

Eles davam gargalhadas, eu apenas olhava para o vazio no chão.

- Voltei. Três cafés... O do senhor é o forte... Aqui, o cappuccino da moça.
- Obrigado.
- Feliz ano novo.
- Moça? Nossa ainda me vem com essa?
- Pelo menos você não é o “senhor” para cada pessoa que te atende.
- Culpa dessa barba, senhor.

A conversa sobre a noite anterior estava me deixando entediado, fui até a estante analisar a safra de livros que havia ao redor. Muitos da geração Beat, isso me agradava muito. Alguns de Schopenhauer, Anaïs Nin, Freud, entre outros. Me recostei na parede para ler um trecho de “Vagabundos Iluminados”.

Voltei, terminei o que sobrava na xícara de café. Eles ainda falavam sem dar muitas pausas.

- Leo, decidimos ficarmos por mais uma noite.
- Se vocês decidiram o que eu posso fazer?
- Era só para deixar avisado mesmo.
- Que tal irmos tomar um drink? – Perguntou Alex, o salvador.

Deixamos o casal passear pela cidade como dois apaixonados pós-ressaca. Fomos até um quiosque.

- O que querem?
- Uma cerveja, a mais gelada. Dois copos.
- Me da uma dose do que tiver mais forte, por favor.

Eu praticamente suplicava por aquilo, era necessário para dar “inicio” ao meu dia.

- Cara, olha aquele pedaço de rabo.
- Quanta sutileza Alex...
- Porra, ela parece uma conhecida.
- Conhecida?
- Sim, sim. Eu conheci ela em um bar, as coisas esquentaram e a gente foi pra casa. Durante a foda ela de quatro se virou, olhou pra mim e disse “me bate, me chama de vadia.”.
- Como assim... Tá brincando comigo.
- É serio. Eu respondi “posso tá bêbado, mas não faço essas coisas não filha.”. Corto o clima todo, deitei, fumei um cigarro e dormi.

Eu ria da história e ainda imaginava a cena com a garota que acabava de passar.

- Mudando de assunto, e então, o que fará desse ano?
- Tenho de me arranjar em um emprego.
- Você? Milagre.
- Não é tão fácil viver de sonhos como era antigamente.
- Tá certo meu rapaz. Minha meta é aprender a jogar tênis.
- Que porra?!

Ficamos até o por do sol na praia, foi algo realmente bonito de se ver. Estávamos bem alcoolizados e o sol pintava o céu de laranja, víamos apenas metade dele escondido entre nuvens e montanhas. Eu sempre guardava aquelas imagens como se fossem quadros que eu pintava com minha mente completamente embriagada.

Eu precisava de um banho e alguns minutos de descanso, o casal precisavam de uma cama e Alex também, ele não se aguentava mais em pé. Fomos para um motel.

- Puta merda! Era exatamente o que me faltava...

A água batia suavemente em meu rosto, escorria do pescoço e descia por todo meu corpo, eu me sentia em uma cachoeira do alivio, deixava a água lavar todo o mal. Meu celular tocou.

- Porra! Deixa essa merda tocando.

Após meu banho tranquilizante o celular voltou a tocar, dessa vez eu atendi.

- Alô?
- Leo? Oi, é a Nathália. Eu queria saber se você esta bem.
- Oi! Sim, estou perfeito, acabei de sair do banho. Finalmente estou sorrindo.
- Que gracinha. Vai voltar hoje?
- Não, decidimos deixar para amanhã.
- Por que não damos uma volta pela vila?
- Adoraria.

Nós encontramos no píer. Sentia uma sensação muito boa e tranquila, apesar da movimentação dos pescadores e dos turistas. A iluminação era muito diferente, ela se misturava entre a iluminação do píer com a dos anzóis e a dos restaurantes que por ali ficavam.

- Que noite linda.
- Sim.
- E fria.
- Tome, use isto.

Coloquei minha camisa de flanela em seus ombros. Ela a vestiu, sorridente como sempre.

- Conseguiu voltar bem ontem?
- Sim, sim. Eu fiquei bem.
- Não me pareceu muito bem com isso.
- Sinceramente... Eu acabei dormindo na praia e só fui conseguir descansar quando fui para um motel hoje no fim da tarde.
- Você tá brincando comigo!
- Essas coisas também me surpreendem bastante.

Nos divertíamos com a minha habilidade de me envolver em algo estúpido, acabar bem e em um lugar desconhecido. Talvez fosse um dom.

Passeávamos pela causada de frente para a praia, passamos pela mesma livraria que fui mais cedo. Até que um mal encarnado nos abordou.

- Ei, amigão! Dá uma moeda “parcero”?

Parceiro? Essa era novidade pra mim.

- Desculpa cara, estamos apenas caminhando.
- Sem essa, dá um troco ai pô!
- Fica pra próxima.

Ela não devia estar acostumada com essa conversa, olhava para ele com uma expressão de desconforto em seu rosto.

- Dá um cigarro?
- Porra, eu já disse que não vou te dar nada!
- É foda, nego não sabe o que é passar fome.

Viramos as costas pra ele.

- SEU PLAYBOY DO CARALHO! Tá só querendo impressiona a vagabundo do teu lado!

O idiota me atingiu. Meu sangue subiu, meu peito ferveu, voltei para outra conversa.

Peguei ele pela gola da camisa, cheguei em seu ouvido e disse:

- Presta atenção seu merda, você já passou dos limites. Quer ajuda faça por merecer, não me venha com essa atitude arrogante e pior, não me faça chamar atenção, não dê um escândalo para todos nos olharem. O resultado disso pode ser uma boa surra, o que acha?
- Eu não tenho medo de um viadinho rico como você.

Apertei mais a camisa dele e engrossei o tom de voz.

- Você tem mais uma chance pra sumir da minha frente.

Ele continuava falando e falando, apenas ameaçando, tentando se mostrar firme. Mas fugiu com o rabo entre as pernas.
Tive de respirar fundo para me virar e encarar o rosto de Nathália após aquela cena toda. Acendi um cigarro enquanto caminhava em sua direção.

- Olha, me desc...
- Leo, não diga nada. – Ela segurava meus lábios com seu dedo – Ele fez por merecer, você apenas não conseguiu se conter. Não fiquei assustada.

Fiquei impressionado e aliviado com aquela atitude.

Continuamos nosso passeio, nos beijávamos cada vez mais, era possível sentir o calor de seu corpo. Já estava tarde, depois de alguns copos em um bar ela se soltou e voltou a me impressionar.

- Você me disse que depois de acordar na praia foi para algum lugar. Onde era?
- Fui para a livraria, demos um tempo na praia e depois me refresquei numa ducha em um motel aqui por perto.

Quanta ingenuidade para um escritor inspirado em Bukowski.

- Entendi... Que tal irmos para lá experimentar a tal ducha juntos?

Arregalei os olhos, levantei as sobrancelhas. Pedi a conta, fomos para seu carro com pressa, mal podíamos nos conter no caminho, ela e sua mão atrevida...

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Tudo Novo de Novo

Caminhávamos no parque, apenas eu e meu mais novo comparsa, Billy. Ele não parava, corria para todos os lados, ia atrás de outros cachorros para brincar, era um excelente meio para se fazer novas amizades, infalível. Era bom tê-lo por perto, minhas noites solitárias não haviam terminado graças a sua companhia, nem todos os pensamentos que circulam a infinidade da minha mente. Mas ele acrescentava algo diferente em minha cabeça, era um grande amigo.

- É seu cachorro?

Me virei para responder.

- Oi... Sim, sim é meu cachorro.

Meus olhos brilhavam diante dela. Falsa ruiva, olhos castanhos e um grande par de peitos me dando boas vindas.

- Ele é lindo e gosta de brincar.

Não é só ele...

- Ele é meio besta assim mesmo, mas é um ótimo cachorro.
- Uma graça.
- Desculpe, mas qual o seu nome? – Sorri pare ela.
- Nathália. – Devolvia o sorriso, mas desviava o olhar envergonhado. – E o seu?
- Leonard, muito prazer Nathália.
- O dia está lindo, é difícil ver alguém tirando um tempo para sair com seu cachorro como você está fazendo, ainda mais hoje as vésperas do ano novo.
- Não sou como os outros, aprecio as pequenas coisas que tenho. - Não é o meu forte usar meu “charme” sóbrio.
- Há há, você é uma graça também. Então, quais seus planos para essa noite?

Finalmente contato visual, agora o problema é que eu não sou bom em trocas de olhares prolongadas.

- Planos? Hm, não sei, não tenho planos, apenas deixo acontecer. Ficar em casa tomando algo enquanto escuto os fogos de artificio, algo do tipo pra começar.
- Mas só isso? Você não deve se privar assim, deveria sair com seus amigos, ou ficar com sua família.
- E o que você pretende fazer essa noite?
- Vou para a praia com umas amigas.
- Praia? Boa escolha.
- Sim, você deveria aparecer por lá. Vamos para Ilhabela.

Olhava para ela com uma expressão de quem aos poucos estava sendo convencido pelo convite. Um sorriso aos poucos saia pelo canto dos meus lábios.

- Tá legal, tentarei comparecer.

Ela me deu seu telefone, um beijo no rosto e deixando seu encanto foi embora para sua Ilhabela. Me abaixei, peguei Billy no colo e disse:

- Obrigado por tudo mais uma vez. Espere até ficar grande o suficiente para saber aonde toda essa sua energia vai te levar.

Passamos no mercado para comprar algumas garrafas de uísque, tequila e cachaça. Chegando em casa Arthur me abordou na porta do bar.

- Fala herói!
- Grande Arthur. Como estão as comemorações das festas?
- Excelentes meu velho! Sem esses bêbados caindo e cuspindo em mim, apenas eu e a patroa em casa curtindo nosso novo ar condicionado e uma bela taça de vinho.
- Esse é o cara.
- E você? Fiquei sabendo do seu novo amigo ai.

Billy brincava ao redor de um formigueiro.

- Estou apreciando meus minutos de vida.
- Bom vê-lo de pé e longe daquele hospital.
- Nem me fale.
- Bom, eu preciso ir, até a próxima rodada aqui no bar. Feliz ano novo!
- Feliz ano novo Art.

Subimos, servi uma bela dose de água para Billy e para mim uísque puro. Comecei a escrever fumando um cigarro de palha, maus hábitos de um velho amigo de ouro preto. O telefone tocou.

- Sim?
- Leonard, seu desgraçado! O que está aprontando?
- Alex? Estou trabalhando, por que? O que você fez dessa vez?
- Planejei algo melhor do que ficar enchendo a cara sozinho em casa durante a virada de ano. Nós vamos para a praia curtir como nos velhos tempos.

Ele estava certo, eu odiava praias. Mas não era apenas por ser um lugar quente, cheio de gente suada onde o mar estava provavelmente sujo e contaminado. Desde que ela se foi eu odiava a ideia de voltar para esse tipo de lugar, as lembranças eram sempre muito fortes e doloridas. A saudade é um sentimento muito forte quando misturada com a dor da perda.

- Como é?
- Eu sei que você não gosta de praia, mas é o que nós conseguimos pensar aqui.
- Nós quem?
- Noel, Ana e eu.

Lembrei-me de Nathália e de seu convite. Sorri pela oportunidade.

- Eu tive uma ideia. – Continuava sorrindo.

Exatos cinco minutos depois de desligar o telefone eles estavam lá embaixo buzinando e gritando meu nome. Os desgraçados não tinham em mente a possibilidade de eu não ir, era sempre assim, eram os únicos que de um jeito ou de outro conseguiam me tirar da fossa.

- Lá vem ele!
- Leo! Vem me dar amor e carinho seu barbudo lindo! – Se declarava Noel.

Ana apenas ria das bobagens ditas pelos dois enquanto ligava o carro.

- Tem espaço para um amigo meu ai?
- Amigo? Porra, antes você sempre trazia uma “amiga” diferente. – Disse Alex.

Mostrei Billy para eles.

- Meu deus! Mais que fofo! – Disse Ana com um lindo sorriso em seu rosto.

Pé na estrada, prontos para uma noite até então fadada a ser memorável. Billy se divertia com o bobalhão Alex, parecia que ele sabia da falta de seriedade de seu novo amigo. O casal se acariciava no banco da frente, Noel é claro, tentando distrair Ana com suas passadas de mão nas pernas cobertas por uma saia fina. Eu apenas sorria enquanto fumava e tentava aceitar minha nova maneira de passar certas datas comemorativas.

Eu adorava ser passageiro do “expresso Ana”, as conversas sempre me faziam dar risadas, a maioria das vezes eram risadas voltadas para mim mesmo, e a música sempre me agradava, agradava tanto que me deixavam mais pensativo do que o de costume.

- Muita coisa mudando na sua vida, não é Leo? – Comentou Ana.
- É, mal sai do hospital e já me enfiei em outra louca, em outra briga de bar e já estou bem acompanhado de novo.
- Mas que porra você tem pra arranjar tanta confusão? – Disse Noel.
- O Leo sempre foi assim, não pode ver uma buceta que já fica correndo atrás. – Disse Alex.
- E uma briga então... Há há. – Completou Noel.
- Essa é minha sina, o que eu posso fazer? Entrar pra igreja?
- Mas quem é essa boa companhia? Outro rabo de saia? – Perguntou Ana.
- Rabo de saia? Sempre pensei que eu tivesse bom gosto.
- Pra loucas e confusões, sim.
- Obrigado mesmo pessoal. Minha companhia é ele, Billy.
- Viro papai, há há há! – Maldito Alex.
- Como você está no novo emprego Ana?
- Você está muito bem informado hein. Muito feliz! É ótimo poder mandar e ser ouvida pra variar.

Todos nós olhamos para Noel.

- Mas ser uma das mandachuvas de uma revista, até mesmo se ela não for uma das três tops do país ou do estado, não é moleza. Cobram tudo de mim, até se um peão chegar atrasado.
- Quem mandou querer o controle das coisas. – Disse Alex.
- De onde você tirou essa ideia de ir pra Ilhabela Leo? – Perguntou Noel.
- Mais tarde vocês entenderam.
- É, to sabendo já. – Disse Alex, que sendo meu melhor amigo, realmente sabia o motivo.

Estávamos na balsa atravessando o mar para chegar até a ilha. Descemos e deixamos Billy no carro, por sorte ele estava dormindo, o pequeno gremlin daria um grande trabalho próximo ao mar.

- Nossa amor, é tão lindo.
- Sim, gatinha, é uma graça, como você.

Alex e eu fomos para o canto fumar e observar o mar.

- Eae, como você tá lindando?
- Com o que?
- Você sabe cara.

Não sabia do que ele estava falando.

- Hm... Eu to ótimo cara, relaxa.
- Então tá. Agora olha lá, a praia tá cheia de variedades pra você seu tarado. Até as gordinhas. Olha, e só de biquíni.
- Alex.
- Que?
- Cala a boca.

Rimos, terminamos nossos cigarros e voltamos para o carro. Apesar do rancor, eu adorava e temia o mar.

Fomos direto para a areia, quer dizer, eles foram, eu fiquei em um quiosque por alguns minutos me preparando. Usava uma bermuda, coisa rara de acontecer, e é claro, minha camisa de flanela favorita, os óculos escuros completavam o pacote.

- Ei, me trás uma dose de cachaça.
- Nós não temos cachaça aqui.
- Vocês fazem caipirinha?
- Sim, claro.
- Com cachaça ou vodca?
- O que o senhor preferir. Vai querer uma?
- Não, obrigado. Mas vou querer a cachaça que você usaria para fazer a caipirinha.

Ele me olhou sem saber o que dizer. Era um idiota.

- Mas não vendemos só cachaça.
- Cara, eu te pago cinco reais se me der um copo desses de 300 ml cheio de cachaça, que tal?

Pronto, resolvido o meu problema com a areia e com o sol. Fui me sentar junto a eles para me proteger de baixo de um guarda sol.

- Caramba, foi uma ótima ideia vir pra cá. – Exclamou Ana.
- Vamos pro mar! – Sugeriu Noel.
- Demoro, vamos logo por que tá um puta calor.

Então os três foram correndo para o mar. Eu fiquei com o meu mar de cachaça bem preservado dentro de um copo de plástico. Acendi um cigarro e estava ótimo assim. Billy continuava dormindo, mas dessa vez em meu colo.

A noite chegava. As únicas vezes em que eu me levantei foram para ir ao banheiro e para dar um rápido passeio com Billy na calçada.

- Minha nossa, essa tarde foi ótima.
- Porra, e agora? A gente vai passar o ano novo molhado? – Perguntou Alex.
- Eu tenho toalhas no carro e roupas secas, podemos nos secar lá e então irmos comer em algum lugar. – Disse Ana.

Fomos para um restaurante. Ele era todo pintado de verde, algumas mesas e cadeiras ficavam na parte de fora e a o local parecia ser um casarão antigo, porém bem preservado e é claro, caro.

- Que lugar fofo.
- Vamos comer logo, eu tô morto de fome. – Exclamou Alex.
- Por favor! – Suplicou Noel.

Nos sentamos e pedimos nossas refeições acompanhadas de uma bela garrafa de vinho do porto, afinal era uma data para se comemorar algo, certo?

- Ááá eu comi demais! – Disse Alex.
- Parece que vai estourar meu cinto. – Disse Noel.
- Eu duvido que seja por causa da comida. – Ana sorria olhando para os lábios de Noel.

Já passava das nove horas, decidimos ir para a praia novamente. Coloquei então meu plano para ir até lá em prática. Liguei para Nathália.

- Alô?
- Oi, Nathália?
- Sim.
- Sou eu, Leonard.
- Olá! – Sua voz parecia surpresa e contente com minha ligação.
- Estou aqui.
- Na ilha?
- Sim, vim com alguns amigos.
- Jura? Nossa, eu e minhas amigas estamos na praia do Engenho d’Água, fica perto da Vila. Estaremos perto do mar, somos cinco meninas e três caras que conhecemos aqui.
- Ótimo, estamos indo.

Após um belo passeio pelo transito cheio de luzes piscando e pessoas gritando, chegamos à maldita praia. Não fazia ideia de como encontrar ela, todos ao redor eram iguais para mim bêbado daquele jeito. Eram apenas pontinhos brancos com camisas brancas falando bobagens em alto som.

Parei um minuto para observar o mar que brilhava diante dos meus olhos. A lua estava escondida atrás de tantos fogos que se multiplicavam e mudavam de cor. As pessoas sorriam de forma diferente, sem motivo aparente, eram tomadas pelo momento. Todos se abraçando, desejando felicidades, simpatizando umas com as outras apenas por estarem próximas de baixo dos fogos no céu, agora tomado pela luz.

- Feliz ano novo!
- Passamos por mais um seu bêbado!
- Eu te amo, Noel!

Olhei para Billy, ele se assustou no começo, mas logo entrou na festa. Sorria olhando em seus pequenos olhos pretos.

- Feliz ano novo companheiro.

Depois de tantos abraços e brindes, era chegada a hora de libertar novamente o alcoólatra que compunha minha personalidade. Abracei desconhecidos, bebi de suas garrafas, até chegar perto de uma mulher, aparentemente 57 anos de idade. Ela tirava fotos, estava sozinha, foi o que pensei. Eu a abracei e com carinho a beijei rapidamente, ela apenas sorriu sem jeito. O mundo não é feito apenas de rosas, é preciso regar muita samambaia nessa vida.

- Leo! Você veio!

Olhei para trás. Seu cabelo ruivo brilhava com as luzes que continuavam piscando no céu.

- Que lindo sorriso.
- Seu bobo.

É engraçado como surge certa intimidade entre duas pessoas que mesmo acabando de se conhecer parecem ser grandes amigos, ou até mais do que isso.

Ela me abraçou forte.

- Feliz ano novo.

Eu a beijei (por mais tempo e com mais vontade do que a moça dos 50 e poucos anos.)

- Para você também. Feliz ano novo para todos nós!

Nossos grupos se juntaram, assim como nossas bebidas. Todos passaram do ponto naquela noite. Nathália e eu ficamos juntos conversando, bebendo e caminhando na beira do mar. Noel e Ana ficaram com Billy, Alex não deixou seus instintos falharem e aproveitou a oportunidade com outra garota bêbada. Ao longo da noite a lua apareceu para nos saudar em outro ano cheio de novas batalhas a serem enfrentadas e garrafas a serem abertas.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Magia de Natal

Acordei com o som da chuva forte batendo na janela. Morfina não estava ao meu lado, já tinha saído para trabalhar. Levantei, cocei, peguei um cigarro no criado mudo e fui me aliviar. Depois fui até a cozinha pegar um copo d’água, sentei para ler o jornal e encontrei um bilhete em cima da mesa, era de Morfina:

“Bom dia querido, espero que não esteja novamente de ressaca. A noite passada foi realmente muito divertida e memorável, foi incrível estar com você e acordar ao seu lado. Mas preciso ser sincera... Depois do que conversamos e de ver as marcas em seu rosto hoje cedo, não pude evitar repensar minha vida. Você estava certo, meu passado é um enorme circulo de problemas, principalmente meus últimos relacionamentos e eu não quero te envolver nisso. Infelizmente sei que preciso fazer isso. Não podemos continuar juntos, espero que me entenda.

Obs: Ainda quero outra noite ao seu lado. Beijos, sua Morfina.”.


Eu entendia o que ela queria para si, sabia que estava fazendo a coisa certa e fiquei feliz por Morfie. Sentiria saudades daquelas pernas macias sobre mim. Fiz um café para acompanhar outro cigarro. Juntei minhas coisas, terminei meu café e sai, ainda chovia, mas não me incomodava, apenas seguia meu caminho.

A chuva começava a apertar cada vez mais, continuava não me incomodando, mas não haviam condições de chegar em casa daquele jeito. Então fui ao shopping, o primeiro lugar que encontrei para me distrair.

- Com licença senhor. – O segurança se direcionou a mim.
- Sim? É comigo?
- Sim, senhor. Não é permitida a entrada de bebidas alcoólicas no estabelecimento. Eu vou ter de pedir para o senhor jogar fora a sua cerveja se for entrar no shopping.

Eu tinha comprado umas latas de cerveja depois que sai da casa de Morfina.

- Jogar fora? Não seja por isso. – Virei à metade que faltava da lata, depois a joguei no lixo. - Pronto.
- Uau! Bom, obrigado e desculpe pelo incomodo.
- Tudo certo chefe.

Há um bom tempo não ia a um shopping, sempre me perdia e tinha a sensação de ser o único estranho no local. Talvez fosse a barba, apesar de nunca me sentir mal pela minha preciosa. Eu era indiferente, as pessoas são sempre cheias de frescuras em lugares com muita “exposição”, na verdade eu me sentia bem sendo diferente de certos babacas.

Dentro de um shopping não há o que fazer nunca, a não ser gastar dinheiro que não temos em comida, roupas ou em um cinema. Eu sempre ia direto para a livraria. Gostava do ambiente, o cheiro dos livros novos é algo sempre agradável, novos livros são sempre bem vindos afinal de contas.

Fui cumprimentar velhos conhecidos da LP&M pocket, sou colecionador fiel dos livros da LP&M. Porém, me deparei com um livro que não havia encontrado antes. Sua capa me chamava atenção por ter três homens de roupas gastas, um deles com uma lata de lixo na mão e o outro ajudando o terceiro a acender uma ponta de cigarro. Sempre me interessava por livros com “vagabundos”. O nome era “Na pior em Paris e Londres” de George Orwell. Peguei.

Conhecia pouco sobre George, apesar de ter algum livro perdido em casa e meu pai também ter, não me lembrava de seus textos claramente, apenas de um clássico: "Revolução dos Bichos". Decidi redescobri-lo, por que não dar uma chance a um novo livro? Gostaria que todos pensassem assim quando vissem meu nome na capa de um livro jogado nos cantos de alguma livraria...

Passei algumas horas me divertindo no recinto antes de pegar a fila para comprar meu novo achado. Na fila, outra surpresa. Reconheci uma mulher de cabelos castanhos. Era uma amiga de outras épocas, Marina.

Fiquei em dúvida se deveria aborda-la, mas antes de concluir meu pensamento, ela se virou e veio em minha direção.

- Leo! Meu deus, quanto tempo.
- Oi Mari. Sim, muito... Você está diferente, cortou o cabelo, parece mais sorridente. Está ótima.
- Você dizendo de mim? Já viu o tamanho da sua barba? Linda!

Marina sempre foi diferente das outras nesse sentido, ela não se importava com a aparência física como muitas pessoas. Ela simplesmente gostava de boas conversas, boas companhias e uma boa garrafa de vinho.

- Veio fazer compras para o natal? Está meio em cima da hora, hein.
- Natal?
- Leo, hoje é dia 24 de Dezembro.
- Puta merda! Serio? Nossa, eu ando meio perdido depois que sai do hospital...
- HOSPITAL? O que aconteceu?
- Nada. - Saiu sem querer.
- Como assim?
- Eu fiz trabalho voluntário em um hospital recentemente. Me sentia sensibilizado pelos deficientes.
- Conta outra.

Ela sorria o tempo inteiro, parecia viva por dentro e por fora.

- Você está linda.
- Obrigada, você continua com esse seu jeitinho.

Não há como esconder, é sempre bom rever uma ex-namorada, quer dizer, quando no fim do relacionamento não houve brigas, choros e garrafas pelo ar, então sim, é sempre bom. Surge um sentimento de saudade que não havia antes quando não há contato. A melhor parte é que esse sentimento é reciproco.

- Se você nem lembrava que era natal, pelo jeito não tem planos, certo?
- Nada.
- Que tal mais tarde eu te ligar para tomarmos um vinho?
- Vinho, sempre vinho. Claro!

Passei meu telefone para ela.

- Eu preciso ir agora, tenho de encontrar minha mãe para dar um beijo e toda aquela baboseira. Eu te ligo mais tarde Leozinho.

Sorrisos.

- Ótimo.

Dei um leve beijo em seus lábios. Ela se foi.

Ainda chovia forte, mas a chuva dava sinais de que logo iria parar e eu finalmente poderia voltar para meu lar. Caminhei pela ultima vez antes de ir embora. No centro do maior salão do shopping tinha uma casa com detalhes vermelhos e verdes, falsa neve em volta, mulheres lindas vestidas com roupas nos mesmos detalhes da casa e um velho gordo de barba branca e cara de tarado sentado em uma cadeira.

- MAMÃE ELE APERTO MINHA PERNA E SUBIU!
- O QUE?! SEGURANÇA! SEGURANÇA!
- É mentira desse moleque! Tire suas mãos de mim seu filho da puta!
- Levem esse palhaço daqui agora! Francisco chama o substituto!

Entrei em uma loja de animais.

Olhei em volta, todos os pais e as crianças mimadas rodeavam os cachorros de puro sangue, os pássaros mais coloridos, os peixes de três cores e os gatos gordos. No canto da loja encontrei um bicho diferente. Ele era inteiramente preto, apenas uma pequena mancha branca no peito. A orelha machucada no meio, o olho esquerdo fechado, ele não enxergava com aquele olho. Mas algo havia nele, dentro de seu único olho bom era possível ver alegria de um jovem cachorrinho louco por diversão e amor, era tudo que ele queria da vida.

- Ei, o que há de errado com ele pra deixa-lo de canto? – Perguntei.
- Não vê? Ele está todo machucado para um filhote, é o único que não foi adotado ainda.

Meu sangue subiu, eu estava pronto para quebrar aquele cara no meio.

- Eu vou levar ele.
- O senhor pode ver aqueles ali da frente, estão em bom estado e com bom preço.
- Eu disse que vou levar ele.
- Mas...
- Mas é uma porra, eu já disse que quero levar ele! E outra coisa, não me venha com essa de “bom estado”, eu vejo essas espinhas na sua cara e não digo que você está arregaçado demais para entrar em um lugar como esse. Agora me da a merda da ficha pra eu assinar e levar o meu cachorro.
- É... Eu... Quer dizer, sim, claro.

As crianças me olhavam como o papai noel malvado, seus pais não acreditavam no que ouviram. Assinei a papelada, não paguei um centavo por que ele estava “mal” para por algum preço. Filhos das putas!

Finalmente estava em casa, ainda passei em um supermercado para comprar comida para o bicho e cerveja para o dono. Logo de cara o pequenino se encontrou em nosso aconchego e em minha cama. Bom, seu rosto sorridente facilitou as coisas para dividirmos minha cama.

- Seu safado, vou te chamar de Billy.

Ele me mordia, lambia minha mão, abanava o rabo, estava feliz finalmente. Maldita mania dos cachorros em me morder por diversão, deve ser a minha cara de taxo que passa essa expressão de mordedor.

Era bom tê-lo ali comigo, era um motivo para voltar para casa todas as noites com um sorriso.

Os fogos começaram, afinal, de quem foi à ideia de atear fogo no céu por causa do natal? Querem matar o velho para ficar com todos os presentes?

Billy ficou agitado, dei sua refeição natalina, abri a minha lata de natal acompanhada de uma bela garrafa de uísque, então começamos a celebração de outro dia para estarmos vivos.

Quase duas horas depois, Marina me ligou, disse que estaria vindo para minha casa com sua garrafa de vinho. Essa sim era a verdadeira magia natalina!