quinta-feira, 6 de junho de 2013

Para Sempre Juntos

A mesma rodovia por onde eu passava quando criança caçando o fórum com meu pai, ou quando íamos visita-la (minha amada avó) no litoral, todos dentro do carro felizes por estarmos de férias. A mesma ponte que dá para a entrada da cidade. Os mesmos carros velozes de um lado a outro da pista com esperança de chegar em casa antes do anoitecer. Seja bem vinda São José dos Campos, estou de volta.

Depois de quase três meses fora buscando novos ares nas profundezas das Minas Gerais, novas inspirações nas escrivaninhas dos velhos autores do café com leite, novos amores por de trás da infinidade de morros gelados e solitários, sim, eu podia dizer que era bom estar em casa, a minha cidade que me trouxe tanto bem quanto mal ao longo de toda minha carreira e vida.

Nada parecia diferente, ao mesmo tempo em que tudo era como novo aos meus olhos míopes. Billy parecia contente em rever as coisas que ele não conhecia. O pequenino já estava com certo tamanho e força para bagunçar as malas no banco de trás.

- Ei, seu viadinho! Para com isso, logo estaremos em casa e você pode bagunçar aquela porra toda.

Não adiantou.

Meus primeiros dias como um projeto de mineiro foram um fracasso. Não saia da pousada para nada, Billy brincava, bagunçava, corria e latia enquanto eu fumava o que me sobrou de pulmão, bebia e sentia pena do que tentava escapar. É fácil sentir pena de si quando não a outra ambição para se viver. Escrever? Nem em pensamento. Sobreviver, apenas.

Quando decidi sair e encarar o gelo chamado Ouro Preto outra surpresa, meus pulmões não existiam mais. Por pouco não caia morro a baixo, meu peito sofria com tudo aquilo, era angustiante sentir aquele peso todo. Chegara a hora de parar de fumar. Uma semana, um dia, uma hora, eram as minhas expectativas e realidades falhas.

Virei à esquina em que por anos permanecia adormecido, ou desacordado por razões mais fortes do que eu, lembranças desagradáveis para quem ainda pode se chamar de jovem promissor. Estacionei em frente ao bar do Arthur, teria de encara-los com a cabeça erguida, estava determinado a sofrer mudanças.

- Meu Deus! O que Diabos fizeram com você rapaz? – Perguntou Arthur.
- Quem é ele?
- Está vivo!

Olhei ao redor, olhei para Artie e respondi.

- Olá meu velho. – Dei-lhe um pelo sorriso simpático, era um dos poucos que eu chamaria de companheiro.

De uma coisa admito que eu sentirei falta, daquela comida acompanhada de um cafezinho feito na hora. Não foram tempos terríveis para meu estômago. Acordava com os olhos inchados de ressaca, sem nem sequer levantar a cabeça para olhar quem direcionava a palavra a mim, até encontrar com a mesa da pousada cheia de delícias e com aroma de café forte. Me tirava da depressão por alguns breves momentos de prazer.

Entramos no pequeno apartamento que me acolhera e cuidara de mim por anos. Era triste entrar sabendo que seria a última vez. Os novos ares sopram, não posso decepcionar mais a mim mesmo.

- Então é isso que você quer? – Perguntou Arthur.
- É meu velho... Não dá pra voltar atrás, já me decidi e – Suspirei forte. – vamos em frente. – Olhava para a escrivaninha onde estava minha máquina de escrever.
- Tá legal. Vou te deixar sozinho arrumando suas coisas, se precisar de algo é só descer pro bar.
- Valeu Artie.

Depois de quase um mês sem nem olhar para uma folha de papel, ao menos não com pensamentos literários, apenas com vômito nos lábios. Decidi tomar iniciativa e voltar ao trabalho. Joguei todas as garrafas vazias no chão, limpei a mesa, coloquei um cinzeiro e um copo cheio (café com pinga). Olhei para a folha e nada. Olhei para o copo e disse “que venha a inspiração.”, virei. No fim da garrafa de pinga a inspiração, se é que veio, passou despercebida. Acordei deitado no chão ao lado da cama enquanto Billy dormia tranquilamente em meu lugar no colchão macio. Seria essa a evolução? O homem virando bicho e o bicho virando... Homem?

Parei para descansar depois de empacotar tantas coisas. Sentei na beira da cama, sentia vontade de fumar. Por que tão satisfatório? Tive de voltar ao trabalho sem descansar para evitar que um cigarro aceso subisse em minha boca.
Livros e mais livros nas caixas surradas que peguei no estacionamento de um supermercado. Até que encontrei uma foto escondida atrás de um livro do Leminski. Linda e sorridente, a mais encantadora de todas, a única que não se transformou em tempo passado. Atrás da foto um bilhete carinhoso:

“Que permaneça vivo enquanto ainda respirar. Não esqueça de que vale a pena ceder a sorte de amar – Eu te amo seu barbudo romântico”.

Surpresa, um cigarro aceso em meus lábios, as mãos coçando a testa.

Depois do fracasso em tentar retomar minha alma não consegui sair do quarto por alguns dias, nem fumar, nem comer ou beber. Eu passava o tempo inteiro deitado lendo, olhando para um céu nublado que me mandava ficar calado, quase como vegetal. Nem mesmo Billy tinha ideia do que fazer, o pobrezinho tomou conta de si com o que encontrava jogado pelos cantos ou dentro das malas.
Acordei com as malditas dores outra vez, era o dia mais feio de todos os quais passei lá, nem mesmo o céu tinha voz. Tentei me levantar, era contido pela dor e arremessado de volta para a cama em agonia. Billy dormia sem ter consciência do que estava para acontecer. Pensei que teria um infarto, meus nervos estavam à flor da pele, minha loucura tomou conta. Rolei para fora da cama, dei de cabeça com a quina do criado mudo, sangue escorria entre meus olhos.

Quase tudo pronto, outra pausa para tomar água. A foto continuava lá me observando, dizendo o quanto sentia minha falta. O que eu poderia dizer? Era apenas uma foto...

- Você não pode desistir, Leo.
- O que? Quem tá ai?
- Adivinha. Olha pra trás seu lerdo.

Me virei, era ela, a foto.

- Oi.
- QUE PORRA É ESSA?!
- Calma, só presta atenção no que vou te dizer, não tenho muito tempo.
- Tempo? Você é uma imagem num pedaço de papel, pra que precisa de tempo, você é a marca de que é possível pararmos o tempo!
- Cala a boca e me escuta! Você não pode desistir, é confuso, mas está no caminho certo.
- Do que você tá falando?
- Das suas decisões. Essa é a escolha certa, voltar, tomar outro rumo para sua vida.
- Eu sei disso.
- Então por que fraqueja?
- Não é fácil mudar as coisas tão rápido.
- Eu sei, mas estou do seu lado para te apoiar. Seja forte meu querido.

Estava quase alcançando a porta. A dor aumentava, eu mal conseguia respirar, estava tudo girando. Com as pernas bambas consegui me jogar contra a porta, não iria me segurar em pé se desse outro passo. A maçaneta parecia escorregadia, meu sangue se juntava com suor e medo. Juntei minhas forças, soquei a maldita porta. O animal crescia, o homem sumia – sou um babaca.

Deixei as caixas de lado, sentei de frente para a máquina, não me sentia vivo naquele momento. Encarei o papel, sentia ódio dele “por que tão branco e cheio de vazio?”, pensei. A foto não falava mais. Pressionei meu punho contra a mesa, a pressão dentro do meu cérebro aumentava. Impulsivamente joguei tudo que estava sobre a mesa no chão, menos a máquina. Nos encarávamos como duas bestas num campo de batalha. Era agora, comecei a bater nas teclas com raiva, estava furioso e sem nem mesmo ler o que saia fui escrevendo, escrevendo, escrevendo até que não tinha mais espaço na folha, já tinha saído o que era necessário por pra fora. Estava tudo lá, me olhando com um sorriso sádico.

Encostado na parede consegui abrir a porta devagar, meu tempo estava acabando, assim como minhas forças. Billy acordou e saiu correndo atrás de mim no corredor, ele latia para que alguém aparecesse. Fui me arrastando pelos cantos, a pressão contra meu peito ficava mais forte. A escada estava bem a minha frente quando tudo ficou escuro.

Quando acordei já era outro dia, eu estava deitado em uma cama de hospital sozinho. Uma enfermeira me deixou a par do que havia acontecido, as dores no peito eram por estresse e depressão, meu pulmão doía por que sou fumante, obviamente. O que me fez ser levado ao hospital foram o corte na testa e o fato de eu ter rolado escada abaixo. Me seguraram naquele lugar deprimente até o fim da tarde. Sai de lá com a cabeça ainda girando, muito confusa.

Andei pela cidade sem ser percebido, sem percebê-la também. Seguro de que Billy estava sendo bem tratado pela dona da pousada, continuei minha trajetória por pensamentos. Eu só queria limpar a minha cabeça, deixar a sujeira sair e ganhar uma nova chance. De que? Logo eu iria descobrir.

Terminei de encaixotar minhas coisas, o que ficaria lá seriam apenas móveis velhos e gastos, sonhos esmagados, suor, tristeza, força de vontade, amor, belas histórias, boas brigas, grandes festas, um coração.

Sentado na beira da cama eu brincava com Billy, precisava deixar as coisas se assimilarem naturalmente dentro da minha cabeça antes de sair do meu castelo. Enchi uma vasilha com água para ele, uma dose de whisky para mim, era apenas uma dose para fechar um ciclo.

Voltei no outro dia para a pousada, já tinha algumas decisões bem encaminhadas em minha mente. Agradeci a senhora por tomar conta da criança, me desculpei por tudo, devolvi as chaves e, depois de encher meu carro com malas e más recordações, peguei a estrada pela última vez. A viagem seguiu tranquila com muito café, alguns poucos cigarros, eu ainda estava assustado com o ocorrido. A música que tocava não penetrava meus pensamentos, eles estiveram por longas 10 horas focados em objetivos mais concretos do que o velho sonho de ser um rock star.

Levantei o copo como reverencia a meu templo, virei sem pena da minha saúde. Bateram na porta. Abri, meu coração subiu para a boca, estava sem palavras para o que meus olhos me mostravam.

- Oi. – A voz mais doce que encantou aquele lar.

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