segunda-feira, 10 de março de 2014

Ganhando Confiança

Uma longa conversa com o espelho, alguns cigarros apagados na pia e eu já me sentia preparado para o que estava por vir. O desafio era grande, ao menos para mim, mas eu estava tomando um novo rumo para a minha vida. Roupas limpas, bebedeira controlada e uma linda mulher ao meu lado para ler durante o café da manhã os textos que eu escrevia durante a madrugada. Então, por que não deixar de uma vez que o barbeiro apare minha barba?


Antes de entrar na barbearia tive de respirar fundo, “não é nada demais, apenas um estranho cortando alguns pelos da minha cara rabiscada com cicatrizes”, confiança é o que guia o homem para suas maiores glórias.

- E então, como quer o corte hoje?
- Não sei... – Eu nunca sabia. – Nada muito exagerado, nada muito curto, nada que me traga arrependimentos pelo dinheiro gasto.
- Ou seja, o de sempre?
- Digamos que sim.

Sua compreensão com a minha falta de atitudes para tomar alguma decisão me agradava, esse era um dos fatores a seu favor para ganhar minha confiança.

O cabelo estava quase pronto, não sabia o que ele tinha feito, mas não sentia arrependimento algum. Até então.

- Vai querer aparar a barba hoje?

Ele sempre me perguntava, eu sempre recusava. Era o momento da verdade.

- Hm... Eu não sei... – Pensei em minha mulher deitada ao meu lado enquanto eu escrevia algo sobre suas belas pernas brancas. – Quer saber? Tá legal apare a barba.

Seus olhos saltaram, mas logo voltaram ao normal. Acho que nem mesmo a recepcionista que nunca parava de fofocar sobre o marido da sua “cliente favorita” imaginava que essas palavras saíssem da minha boca.

O barulho da máquina me trazia arrepios, era exatamente como quando uma criança vai ao dentista pela primeira vez ou quando o velho e sua velha brincavam de roleta russa bêbados com seu revólver apontando um para a cabeça do outro. Era uma sensação terrível pressionando meu peito abatido pelos cigarros.

Antes que tocasse meu rosto segurei-o pelo pulso assustando todos ao redor.

- Espera, eu não posso fazer isso!

Ele ficou apenas me olhando, ainda assustado com a minha reação impulsiva.

- Olha. Eu sempre venho até aqui com isso na cabeça, mas não dá... Pra vocês é um montante de pelos sujos que me dão a aparência de qualquer morador de rua, mas tem alguma coisa além disso dentro de mim que eu nem quero saber de qual parte da minha infância isso veio... Só não dá...

O barbeiro me olhava mais calmo, soltei seu pulso e ele desligou a máquina. Eu sentia o olhar de todos ao redor, cada movimento meu me deixava mais e mais desconfortável, abaixei a cabeça confusa com toda aquela cena vinda de um curta-metragem europeu estúpido.

- Você vê a foto daquele gordinho careca na parede? Eu nem sou budista, mas olhar para a expressão de confiança e autocontrole em seu rosto me faz ter energia para aguentar dias estressantes, corridos ou normais. Eu, como qualquer outro, só quero acreditar que se de um pedaço de papel posso tirar forças, por que não da confiança em mim?

Cada vez mais vejo provas de que chega um período na vida em que passamos quase o tempo todo por testes. Teste de confiança, teste de fidelidade, teste de inteligência, teste de agilidade, testes e mais testes. Começo a pensar como era boa minha infância ingênua. Naquela época era possível acreditar em fantasias e vivê-las. Felizmente quando criança nós não temos em mente o que se aprende depois de velho, se fosse assim, não haveria serial killers, pois esses sim seriam pessoas sãs.