sexta-feira, 25 de maio de 2012

Papel em Branco

Abri os olhos devagar, era ótimo acordar e a primeira coisa que eu veria seria ela.

- Caralho, que susto!
- Desculpe, eu não consegui mais dormir. – Mélanie sorria.
- Não é isso, eu apenas me sinto estranho quando você me olha assim. Envergonhado, não sei.
- Com esse monstro em seu rosto também.
- Não fala assim da minha barba. – Dei uns tapinhas em sua barriga. – Só não sei o que você vê.

Ela sorriu e mordeu o canto do lábio. Me coloquei em posição, suas pernas ao redor da minha cintura. Eu sempre dormia de cueca, às vezes sem, ela estava de camisola, só com sua calcinha vermelha por baixo, aquilo facilitava as coisas.

Estava molhada, apertadinha e quentinha. Entrava devagar, caminhando com a mão da sua perna até os seios. Apertei sua coxa direita, ela fechou os olhos, mordeu novamente os lábios, respirou fundo. Fui aumentando a velocidade.

Isso na mesma sincronia... Vamos meu amor, quase lá, isso... Que delícia!

Ela soltava gemidos, continuava quentinha.

PUTA MERDA!

Gozamos, ela me olhou com os olhos molhados, sorria.

- Eu te amo... – Me beijou.

Adormeci sem perceber. Quando acordei, Mél estava toda molhada, literalmente, tinha acabado de sair do banho e se enrolou em sua toalha de algodão. Ela fazia trancinhas na minha barba.

- Agora você quer brincar não é?
- Mas já está no pique meu amor? Há há.
- Você poderia me amarrar de ponta cabeça em um poste que ainda assim eu estaria pronto para você.
- Disso eu já sei, você está sempre pronto. Bom, eu tenho de ir trabalhar, não vá dormir demais. – Beijou minha testa e se levantou.
- Pode deixar comigo, estou só me preparando para o trabalho.
- Trabalho? Você vai querer que eu traga algo?
- Não, não, obrigado. Apenas tome cuidado lá fora.
- Tá legal meu amor. Tchau. – Fechou a porta.

Virei para o lado, fechei os olhos com um grande sorriso escondido dentro daquela caverna de pelos. Eu estava por cima outra vez, afinal, sou eu que escrevo essa história e nas minhas merdas, eu reino, sou herói e vilão ao mesmo tempo, sou o que quiser ser. E um dia você estará com um livro escrito por mim nas mãos, nele terão outras histórias da minha vida, todas. Infelizmente, todas serão realidade e fantasia, como sempre. Um pouco mais da desgraça do escritor bebum. Ainda serei rei.

Voltando ao que interessa.

O telefone tocou, atendi.

- Que é?
- Te acordei? – Era Arthur.
- Que horas são?
- Meio dia e alguma coisa.
- Tudo bem, eu já estava pra acordar. Quem morreu dessa vez?
- Ninguém, tenho algo pra você, são teus cheques.
- Tá, já vou ai buscar.

Trinta minutos e sete latinhas depois eu desci.

- Ai está o nosso herói. Você não lembra de pegar suas contas, seus cheques... Tem alguma coisa que ainda fica na sua memória?
- Tudo que eu preciso lembrar está guardado.
- E o que seria?
- Sempre levantar a tampa do vaso pra vomitar. Não dormir virado para cima, nem para baixo, de lado, sempre. E é claro, se for pra acabar, não é preciso incomodar mais ninguém, apenas deixe acontecer.
- É uma bela filosofia.
- Tenho pensado nela há algum tempo. Como você está com a patroa?
- Tudo bem, ela é a mulher da minha vida, nunca reclama do cheiro de boteco, das olheiras, da verba curta. Não sei o que faria sem ela. E você?
- Fico feliz em saber, Art. Eu? Estou sempre de bem com a vida, você me conhece muito bem meu velho.

Peguei meu cheque e um novo maço de cigarros. Subindo as escadas pude ouvir uma discussão do casal que havia se mudado há pouco tempo. Aquilo parecia que se tornaria rotina.

- Sua piranha! Há quanto tempo tem me escondido isso hein?
- Desde quando você se tornou esse porco asqueroso!
- Vadia, sua vadia... Outra mulher? Você me trai com outra mulher?!
- Sim, uma delicia de coxas brancas e seios rosados. Fico molhada só de pensar, mas quando olho para essa sua cara nojenta, vejo o lixo que você pode me dar e me vem uma vontade de cometer suicídio.
- Então por que não se mata de uma vez? Anda, venha até aqui e faça o seu trabalho, chupa essa porra até ficar roxo!
- Seu desgraçado...

Odeio vizinhos. Odeio caras como ele. Odeio mulheres como ela. Odeio mulheres que querem mulheres. Odeio a palavra “porra”. Odeio ter de conviver com isso. Odeio pensar em tudo isso...

Novamente no conforto do meu lar, as paredes não eram grossas o suficiente para abafar completamente a discussão, mas com um pouco de música e uísque seria possível ser feliz novamente.

Quando você não está bem consigo, não importa o quanto tente disfarçar, todos notaram, o mundo irá se unir ao seu mal estar e ao seu redor só haverá mais negatividade. O que eu poderia fazer? Continuei sentado com meu copo na mão e o papel em branco.

- Todo mundo precisa de um descanso, eu também mereço.

Ser escritor não é fácil, escritores tem quatro vezes mais chances de se tornar alcóolatras e o triplo de probabilidade de desenvolver transtornos de humor. É preciso sair para ver o mundo com outros olhos, olhos diferentes das pessoas normais, com isso vem o sofrimento, a dor que ao chegar no seu limite deve se procurar palavras para descrever esses sentimentos, os pensamentos e os sonhos. É necessário se fechar dentro de sua cabeça por meses, talvez anos, enquanto um livro é escrito... Não é fácil ser escritor.

- Onde está? Cadê você? Nós vamos dar uma volta. – Eu tentava achar meu cantil. – Charles, seu bastardo, aparece porra! Aqui está você, seu maldito...

Enchi Charles com o que havia sobrado de uísque, peguei meu maço, um casaco e sai para caminhar. As pessoas andavam de um lado para outro, não deviam estar pensando em nada de interessante, por isso não dei atenção. Não sabia para onde ia, apenas andava fumando e tomando alguns goles.

São esses momentos que eu uso para apreciar as coisas ao meu redor, algumas delas. Não preciso pensar no que escrever, não quero pensar em discussões, não penso em nada, apenas olho para os lados – aprendi que olhar para o céu, para as árvores que ainda restam nas ruas é melhor e mais interessante do que apenas andar olhando meus pés se moverem para frente e para trás.

Entrei em uma padaria para descansar e reabastecer meu fígado após horas andando. Era inevitável sentir os olhares daqueles burgueses imbecis, foda-se se minha barba é grande demais e suja demais, ou se minhas roupas são rasgadas, ou se meus olhos são vermelhos, ao inferno seus malditos!

- Eu quero um sanduiche qualquer que tenha um pedaço bem grande de carne, um refrigerante e uma dose de... Conhaque.
- É pra já!

Pelo menos o atendente era educado, ele está trabalhando, tem de te servir como todos os outros, não vai ser pago para julgar ninguém pela aparência, ou seja lá o que for.

- Aqui está senhor.

Senhor? Eu tenho cara de acabado.

- Obrigado.

Tomei mais duas doses, comi o suficiente e estava bem, pronto para voltar para minha casa, apesar de não sentir a menor necessidade de voltar.

O caminho de volta parecia normal, sem grandes surpresas. Mas a vida não pode ficar boa sempre.

Cortava caminho pelo parque em busca de flores coloridas, árvores enormes e ar puro para meus pobres pulmões. Eu sorria e não me sentia envergonhado, a barba guardava meu sorriso para mim.

Olhei entre algumas árvores, um casal abraçado jorrava paixão para o ar. Ele era moreno, usava óculos e um topete estranho. Ela era morena também, cabelo longo e cara fina. Podia ouvir seus corações batendo forte pela felicidade de apenas estarem juntos, era bonito ver seus sorrisos, chegava a sentir certa inveja.

No banco ao lado havia outro casal, tão apaixonado quanto seus vizinhos de banco O cara moreno, assim com o outro, tinha uma expressão de bobo no rosto, assim como as mãos bobas que não saiam da bunda de sua companheira. Olhei para ela com espanto, seus longos cabelos loiros, pele branca e sorriso de criança não eram comuns em qualquer mulher.

Meu sangue fervia, rangia os dentes e respirava fundo. Fiquei parado encarando eles, bebia goles cada vez
maiores. Eu tinha de fazer algo, tinha de acerta-los. Como eu queria ter uma arma, iria apenas mirar. Um tiro em sua mão boba, outros dois no rosto dele, e três nas costas dela. Depois pegaria seu lindo rosto e a faria sentir cada marca que eu tinha, sentir a dor na própria pele.

Eles notaram minha presença após cerca de quinze minutos parado em pé ali e saíram imediatamente.
Fui para casa com minha cabeça explodindo de raiva. Passei outras duas horas sentado encarando aquele maldito papel em branco e bebia como louco, não sentia mais a bebida em mim.

A porta abriu devagar.

- Olá meu am... Mas o que aconteceu??

Eu olhava para ela bufando.

- Que cara é essa? Você está bem?

Dei um soco na máquina de escrever.

- Mas que porra! – Gritei.

Minha mão sangrava.

- Leo, fica calmo. Vai, me deixe limpar sua mão.

Continuei forçando os dentes, me acalmei conforme respirava direito. Mélanie enfaixava minha mão.

- Por favor, não faça mais isso.

Olhava para o chão agora, sentia a tristeza em mim.

- Até onde você ria por mim?
- Não faça isso Mél.
- Eu preciso saber.
- Iria até o fim desse inferno.
- Eu te amo. – Beijou minhas mãos e meus lábios.

Ela foi tomar banho. Voltei meus olhos para o papel, a máquina tinha meu sangue. Comecei a bater em algumas teclas.
“Amo meu ódio descomunal, odeio meu senso irracional.”

Enlouqueci.

terça-feira, 15 de maio de 2012

O Herói

- TRUUUUCO!
- MEIO-PAU!
- CAI! CHUPA LADRÃO!

Truco, um jogo para verdadeiros cavalheiros.

- Hoje é o dia hein Art.
- É, nem me fale. Esses ai não vão embora cedo.
- Nem sóbrios.

O bar estava cheio, era sábado, dia de truco. Todos os moradores bêbados do hotel tinham descido para jogar e beber.

- Ei, me conte como é traçar aquela loiraça todo dia? É por isso que você bebe tanto, pra aguentar o tranco?

Augusto era o velho tarado do 26. Odiava aquele cara.

- Quando o seu pau ficar duro outra vez eu te conto. Dai quem sabe você se lembra de como é trepar com uma pessoa. Sabe, alguém de verdade, não com essas mãos enrugadas e tortas.
- Seu filho de uma... Você é muito atrevido moleque.

Arthur apenas ria da nossa discussão. Mélanie chegou do mercado, maldita, era como se tivesse sentido algo a chamar.

- Olá meu amor.
- Oi – Demos um beijo – Vamos?
- Tá legal.

Peguei o velho pela orelha, puxei e falei:

- Se eu te pegar olhando para minha mulher, eu arranco seus bagos e os enfio pelo seu cu...

O velho tinha tanta pinga dentro de si, que nem sentia nada. Apenas fez sinal positivo com cabeça.

- Até depois Art. Deixe que eu leve essas sacos minha querida...

Enquanto subimos as escadas ela começou.

- O que foi aquilo?
- Não foi nada. Eu cuido dos meus assuntos.
- Hm.... TA BOM!

Mél já começava a agir como minha mãe, não conseguia encerrar um assunto quando eu pedia.

- Mas o que foi aquilo? Por que machucar o coitado daquele jeito? Sem mais nem menos?
- Mél, perguntas demais, lembra?
- Pare com isso! Apenas quero entender de onde você tira certas atitudes.
- Amor da minha vida, eu não preciso dar satisfação por todos os meus atos, alguns deles eu mal lembro! Agora, por favor, esqueça isso. Eu já encaminhei aquilo para um desfecho de meu agrado, OK?
- Você é um chato.
- Sim, também te amo minha linda.

Quanto amor para um sábado.

A casa estava incrivelmente arrumada e com cheiro de flores. Mélanie guardava as compras, eu arrumava o que fazer. Sentei bem inclinado em minha poltrona, ascendi um cigarro e, com um livro de poesias na mão, observava meus quadros pendurados na parede. Uma bela pintura de Bukowski, meu grande ídolo, diante de meus olhos. Ele bebia elegantemente direto da garrafa, usando uma jaqueta marrom, o cabelo penteado para trás. Respirava um ar novo.

- Bom, está tudo devidamente guardado. Que horas são?
- Vinte para as duas. – Soltei a fumaça na direção do quadro, sorria com malicia.
- Minha nossa, como passou rápido o tempo! Tenho de me encontrar com a minha mãe no shopping, prometi passar a tarde olhando lojas, comprando, coisas de mulher.
- Vai levar minha garota para outro passeio?
- Se a sua “garota” for seu carro imundo, sim, levarei.
- Não fale assim dela, coitada. Falando nisso, você poderia dar um banho nela.
- Claro claro.
- Você mesma poderia dar um trato nela. Uma camisa branca, transparente com a água, shorts jeans curtos, lábios rosados, o brilho do sol que bateria no capo direcionando para suas pernas...
- Nem pense nisso, não tenho tempo para fazermos absolutamente nada agora. – Sua carinha de tristeza só me dava mais tesão. – Guarde esses pensamentos para mais tarde, com certeza valerá a pena. – Me deu um beijo molhado.
- Como sempre vale. – Fiquei de pau duro, tive de cobrir com o livro.

Ela se foi e eu apenas observei pela janela, tudo em ordem, nenhum olhar daqueles tarados filhos das... Voltei para meus afazeres, não tinha nada para fazer. Abri uma garrafa de rum recém chegada do mercado.

Escrevi alguns versos de um poema sobre pentelhos e coceira na virilha. Era hora de tomar um banho, queria fazer uma surpresa para minha francesa. Tomei um banho daqueles, limpar, lavar, esfregar, enxugar, jogar fora, tudo para estar bem limpo e cheiroso. Como de costume, terminei me encarando por alguns minutos de frente para o espelho. Barba grande, olhos vermelhos, marcas espalhadas pelo corpo, desgraça...

- POR FAVOR! ALGUÉM ME AJUDE!

Alguém gritava no corredor, era uma voz masculina. Batia em minha porta.

- AJUDE, POR FAVOR! MINHA MULHER ESTÁ TENDO UM TROÇO!
- O caralho! TÔ INDO!

Tive de abrir a porta ainda de toalha, ele não parava de gritar, parecia ser serio. Pensei que se fosse apenas uma brincadeira, iria torcer a cara dele ao avesso.

- Que porra tá acontecendo?!
- Minha esposa, ela andou tomando uns goles a mais, talvez com algum remédio no meio, tá caída no chão tremendo e babando, você tem de me ajudar! Eu te imploro!
- Merda! Tá, eu tenho de vestir algo.

O desgraçado caiu no choro enquanto eu entrava para colocar uma calça. Ele devia ter uns 35 anos, parecia ser aqueles motoristas de caminhão jovens e cheios de sonhos com estradas retas sem buracos ou pedágios.

Antes eu pensava que minha casa era desarrumada, mas ao entrar lá notei que ainda assim, era possível encontrar o pior tão próximo de mim. Latas de cerveja e garrafas vodca baratas jogadas pelo chão, sujo e manchado. A mulher era gorda, cabelo enrolado, marrom. Óculos de bibliotecária, um bigode quase imperceptível, quase. E o pior, uma verruga no rosto, coberta por baba.

- Ela tomou muito mais do que de costume?
- Sim, ela só dizia que precisava por algo pra fora. Alguma coisa a ver com a conta, ou gravidez, não entendia nada.
- Gravidez? Meu inferno, deve sair um monstro disso...
- QUE?
- Nada, esqueça. Ela tá tendo um revertério daqueles. Chame uma ambulância, eu tenho de segurar a língua dessa mulher antes que ela engasgue e parta antes do parto.

Ele ligava para os paramédicos enquanto eu tentava segurar aquela língua enorme que mais parecia um grande pedaço de linguiça do que uma língua.

- Eles estão a caminho, mas disseram que não conseguiram entrar, o lugar é muito apertado para isso. Temos de dar um jeito de leva-la para fora, rápido!
- Bosta! Venha me ajude a carrega-la. Segure-a pelos pés. Vamos... Um, dois, três... O DIABO! PORRA DE PESO DO INFERNO! VAMOS, CORRE PRA PORTA!

A gorda parecia 100x mais pesada do que aparentava. Com dificuldade nos aproximávamos da escada, da saída. O som da ambulância estava aumentando, eles estavam chegando.

- Aguente fofuxa!

Carregamos ela para fora, quase caímos das escadas várias vezes, mas conseguimos. Eles a levaram, o cara foi junto. Assim que se mandaram, não me contive, o peso daquela mulher era tanto que meu corpo amoleceu, cada musculo se soltou e eu cai sentado na porta do bar.

- Esse é o herói dos cachaceiros! Venha, vamos te ajudar a levantar para tomar um gole que irá te fortalecer novamente. – Disse um dos caras que estava jogando truco.

Me levaram até o balcão, sentei ao lado de Augusto novamente, velho desgraçado. Meu corpo aos poucos se recompunha, era o bar me curando.

- Aqui, este é por conta da casa herói. – Disse Arthur me lançando uma dose de cachaça de Minas.
- Trocou a loira pela gorda? – Caiu na risada o velho fela da puta.
- Esses babacas olham pra mim e acham que é fácil. A cachaça cura, mas também mata quem não está preparado para ela. Principalmente aqueles que não têm amor por ela. É preciso amar essa desgraçada, ela é tudo e é nada, você quem decide.

- Mas que merda é essa, garoto? – Novamente o velho procurando briga.
- Não faço ideia, apenas deixo que ela fale por mim.

Me virei para ele, joguei toda a dose na cara dele e depois cuspi em seu peito. Sai, fui tomar outro banho para tirar o resto de vida daquela gorda estúpida.

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Caminhando Pela Arte

O casal perfeito andava pela rua de mãos dadas. Não brigávamos, não discutíamos, nada atrapalhava nossa relação de amor e carinho. Distribuindo sorrisos que transpareciam tudo isso, toda esta felicidade... Pro inferno com a perfeição!

- Vamos meu amor, acabe com esse cigarro logo para podermos entrar.

Nós estávamos indo a uma exposição cultural. Música, quadros, poemas, etc.

- Tá legal, já apaguei.

Começou um tumulto próximo a entrada da exposição. Eram dois caras, um gordo careca e o outro tinha uma cara de psicopata, era vesgo e tinha a cabeça quadrada.

- Parem com isso! Alguém separe eles... – Gritou uma mulher desesperada.

Dois animais fora de si, o instinto dominando o autocontrole. Podia sentir o cheiro do sangue, comecei a salivar e forçar a mandíbula. Punhos fechados, olhos fixados no psicopata, eu queria acerta-lo até quebrar seus dentes.

A violência era contagiante, trazia pensamentos negativos carregados com raiva. Minhas discussões com Mélanie, minhas bebedeiras, a merda dos meus machucados no rosto, minha infância... Tudo chegava sem pedir passagem.

- Me tire daqui.

Entramos, respirei fundo e engoli tudo aquilo. Poderia derrubar qualquer um naquele momento.

- Mas que quadro lindo. – Exclamou Mélanie.
- São dois pássaros trepando... A cor é bonita, vermelho.
- Que chato você. Que tal este?
- Duas garotas se beijando nuas... Apenas pornografia barata, como se eu gostasse disso.
- Meu deus! Difícil te agradar hoje.
- Sempre é assim não é? Aqui, deste eu gostei.
- É só um ponto em um quadrado branco.
- Sim. Você não precisa pensar, não tem de interpretar merda nenhuma, sem complicações.
- Por que é só um ponto.
- Por que é um infinito, é tudo o que você quiser ver. Não há barreiras para este tipo de arte.
- Você vê coisas que somente sua mente é capaz. Tem certeza que diminuiu a bebida?

O garçom veio em nossa direção. Na bandeja havia uísque e Martini.

- Aceita algo? Um bom uísque? – Colocou no copo.
- É... Mas é claro, por que não? Ei, enche isso ai.

Mél me olhava com faíscas saindo dos olhos.

- O que? Seria falta de educação não aceitar.

Continuamos o passeio. Uma linda melodia se aproximava, me concentrei nela. Então, era como se não houvesse mais nada, mais ninguém. Apenas a escuridão, a lua, as árvores, as estrelas, aquela melodia. A música dançando por dentro dos meus ouvidos me dando choques na espinha. Era Beethoven, 7° sinfonia.
Os poemas eram pregados nas paredes de madeira posicionadas como em um labirinto. Gostei da ideia, representava a mente de um poeta, confusa, fria, com apenas uma única saída.

- Achei.
- Me colocaram por último.
- Guardaram o melhor para o final.

“Olho para ela e mando mensagens com o olhar.
Parecendo notar, começa a rebolar.
Ela sempre me responde com o quadril...
E que quadril, puta que pariu...

Cabelos longos, lábios rosados.
Logo fico excitado, é incontrolável.
Quero agarra-la, penetra-la, maltrata-la.
Mas que gostosa, não, não rebola...
Não faz assim...
Droga, é o fim...
Gozei.”.


- Quando iria me imaginar com alguém tão romântico?
- Não seja irônica comigo.
- Me desculpe. Eu gostei, é claro. Só estava brincando seu nervosinho.
- Vamos embora, estou faminto.

Sem perceber, sai com o copo nas mãos. A confusão já tinha acabado, a exposição estava lotada. Olhei para ela e disse:

- Mél...
- Sim, meu querido.
- Você sabe... Eu... ‎Tenho seu amor carinhosamente guardado dentro de mim... Em forma de câncer.