sábado, 28 de abril de 2012

Preconceito No Olhar

Acordei bem cedo, eram nove horas da manhã. Mélanie já tinha ido trabalhar, me levantei, cocei. Ela deixou um bilhete sobre a escrivaninha, ao lado do meu maço de cigarros.

“Bom dia meu querido! Espero que não tenha dormido demais, tive de ir trabalhar e não quis te acordar, você fica tão calmo enquanto sonha... Queria apenas avisar que você tem de levar o lixo para fora, tomar banho, pagar a conta da luz e arrumar a sua bagunça na escrivaninha. Preparei seu café, apenas esquente o pão. Voltarei tarde, mas levarei algo para comermos, OK?

Meu lindinho barbudo...

Obs: Não beba demais! Não beba antes do meio dia!”.


Como ela era carinhosa. Larguei o bilhete onde estava, acendi um cigarro. Mijei, cocei, tomei meu café, li o jornal, li alguns poemas do Bukowski e fiquei de cueca até o meio dia, sem bebidas alcoólicas.

Coloquei minha calça jeans, camisa preta, flanela que era do meu pai e um par de tênis rasgados. Não tomei banho. Desci no bar do Arthur para almoçar.

- Bom dia português! – Ele me chamava assim por causa do meu time, a Portuguesa.
- Bom dia companheiro.
- Hoje tem bisteca e ovo com bacon. Qual vai ser?
- Manda a bisteca acompanhada de uma cerveja GELADA.
- Ô Augusto! Manda bala na bisteca! E frita um ovo também= Arthur se direcionou para mim. - Esse é por conta da casa portuga.

Comi como nunca, meu estômago voltou a funcionar. Culpa da bebida uma ova! Duas garrafas se foram e uma hora passou.

- Faz outra pra mim, mas é pra viagem.
- Hoje você tá na miséria mesmo hein. Ô Augusto...

O sol pegava leve, o céu azul, nuvens em forma de dragões, ursos, tudo o que a imaginação permitisse. Estacionei o carro próximo ao parque, como era meio de semana não tinha muita gente, isso era ótimo. Escolhi um banco, me sentei e esperei com um cigarro aceso.

A barba enorme, toda embaraçada e um pouco suja, assim como o cabelo escuro. Dentes amarelados, suas roupas eram velhas, muito bem conservadas, melhores que as minhas por sinal.

- Grande Luiz!
- Olá, como vai Coca?

Não gostava de compartilhar meus problemas com Luiz, ele vivia nas ruas, mal tomava banho, tinha de pedir dinheiro aos outros para sobreviver. Então sempre dizia que estava tudo bem, mas o desgraçado via quando não estava.

- Ótimo, como sempre. E você, firme na luta?
- Não tenho escolha.
- Aqui, trouxe algo para você.
- Que cheiro bom... Hmm, bisteca, que delícia! Obrigado meu caro.

Nós sempre evitávamos falar sobre o que aconteceu para ele chegar ali, mas falávamos sobre todo o resto. Eu tentava ajuda-lo, sozinho, lutando todos os dias para viver, dormindo ao relento, é fácil alcançar a loucura assim.

- Vamos dar uma volta.
- Você quer beber não é? Tem um bar aqui perto.
- É por isso que nossa amizade dá certo.

Demos algumas risadas e fomos para o bar.

O lugar estava bem movimentado para àquela hora, provavelmente eram clientes habituais, por isso estranharam nossa chegada. Era difícil dizer quem era o mais “civilizado”, ambos estávamos sem tomar banho, sem fazer a barba há dias, mal vestidos, etc. Maldito preconceito! Somos todos iguais ali dentro, todos bêbados, lixos humanos, desiludidos em busca da salvação em um copo de pinga.

- Aquela mesa parece estar nos chamando, Há a palavra “sujera” escrita nela. – Elevei o tom para dizer sujeira.

Nos sentamos, o atendente nos observava com cuidado, analisando nossas roupas para saber se poderíamos pagar por algo ou se era apenas uma brincadeira de mendigos.

- Traz uma cerveja. E das geladas!

Com certa demora ele atendeu ao meu pedido.

- Vocês tem dinheiro? – Nos questionou.
- O que você acha?

Luiz não dizia uma palavra, ele estava nervoso, talvez envergonhado.

- Pagamento adiantado.
- Aqueles cavalheiros não precisaram pagar antes.
- Clientes da casa.
- E que tal um sinal de boa fé?
- Que tal vocês se mandarem?

Joguei o dinheiro sobre a mesa. Ele abriu a garrafa.

Os olhares continuavam, Luiz estava cada vez mais envergonhado. Eu estava puto por ele. Olhei nos olhos de todos que estavam nos encarando. Levantei meu copo e disse em voz alta:

- Sonhe sonhos altos para encher seu copo com esperança!
- É a última que morre. – Disse um gordão próximo ao balcão dando gargalhadas irônicas.
- Sim, você pode ser o primeiro. – Retruquei o rechonchudo.
- Cuidado com suas palavras, saco de bosta.
- Ao menos posso ver o meu saco...
- O que disse?!
- Pedi outra dose.

Luiz se segurava para não rir. Sai para fumar um cigarro.

- Acho que vocês deveriam ir embora daqui. – Disse um cara alto e magro.

Fingi que não o ouvia. Terminei meu cigarro e fui entrar no bar novamente.

- Eu disse para irem embora, entendeu?
- E eu digo: saia da frente.

Ele cuspiu um catarro verde com pus bem próximo do meu pé. O tomei pela camisa e o pressionei contra a parede.

- Respira perto de mim mais uma vez, que eu abro um buraco na sua cabeça pra ver se você começa a ouvir direito! – Não sei de onde saiu aquilo, eu iria apanhar até cuspir as minhas bolas pra fora, eu era a minoria no lugar.

Consegui o que queria: todos me olhavam, mas assustados. Deviam achar que eu era um louco, ou que eu estava armado, não sei. Acabei com a minha dose, amassei o dinheiro e joguei sobre o balcão. Saímos com ar de soberania, mas com um tremendo calafrio.

Nós somos todos hipócritas, preconceituosos, narcisistas, egocêntricos, somos um bando de filhos das putas. Ou seja, somos iguais. Miseráveis presos num saco de gordura fedida e suja, rastejando pelo mundo em busca de uma luz. Alguns a encontram, outros não. Encontramos ela nos olhos de uma linda mulher, dentro de uma garrafa, no escudo de um clube, nas asas de um avião, não importa, nós queremos, nós precisamos dela.

Quebre as correntes que te prendem dentro da racionalidade e comece a viver a sua vida por você. Foda-se o imposto de renda, o governo, a polícia, o preconceito, o amor, a dor, o cachorro da esquina e a velha na rua. Solte o grito e seja você, seja diferente do resto de bosta rastejante do mundo.

Como eu odeio falar isso para não perder meu foco. Malditos, tentando me pegar desprevenido... Um dia eu ainda enfio a mão na sua cara, não importa o motivo, eu apenas não gosto de olhar para a sua cara.

Merda, esqueci de tudo que Mél me pediu!

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Fila Da Desolação

Bob e eu estávamos em sua casa na varanda sentados em suas confortáveis cadeiras de madeira. Era manhã, garoava bastante, nós fumávamos nossos cigarros de palha. Bob andava meio adoentado, por isso teve de dar uma pausa com a bebida, eu não estava doente, tomava uma cerveja bem gelada.

Nós somos melhores amigos, do tipo que conversa sobre tudo, nossos problemas amorosos, econômicos, familiares, sobre politica, sobre música, sobre AIDS, sobre drogas, sobre Os Flinstons, sobre tudo.

Mas nossa amizade ia além das conversas, nós éramos amigos em nosso silêncio também. Estávamos sentados há horas, passamos a madrugada inteira ali, ao som de Bob Dylan e da chuva.

- Acho que eu vou fazer a barba. – Bob dizia passando a mão em seu rosto fazendo caretas.
- É, acho que você está precisando mesmo.
- É... Ei, o que você tá falando?! Já se olhou no espelho ultimamente?
- Não gosto de espelhos. Todas as vezes que me deparo com um, me assusto.
- A realidade é foda.
- Nunca vou me acostumar. Li em um livro que as pessoas fazem caretas diante de um espelho por não verem o que imaginam de si, arrumam cada fio de cabelo até estar perfeito. Mas para os outros, nada mudou.
- Eu te emprestei esse livro!

Bob saiu, foi até o banheiro se barbear, torci para que ele me trouxesse outra latinha.

A chuva me fazia pensar, o frio, o céu cinza e o sentimento de solidão, é um grande carregamento emocional. Tenho em minha memória várias manhãs como está, exceto pela barba, a bebida e algumas cicatrizes, eram todas iguais. Uma delas me é extremamente especial.

Todos dormiam e como de costume naquela época, eu não conseguia pegar no sono, mas sempre me sentia inteiro, era jovem, tinha a vida toda pela frente. Eu me sentei na janela, olhava triste para o céu pensando como seria um dia olhar para ele de manhã e saber que você não iria levantar pontualmente as sete e meia da manhã para, com dificuldades, preparar o café, comprar pão quente recém-saído do forno, leite e presunto. Fui interrompido com a sua presença, seu abraço, seus beijos, era perfeito.

Hoje sei como é viver cada dia sem você. Arrependo-me de muita coisa, de muitas manhãs longe de seus braços. Espero que esteja bem agora, descansando, sorrindo.

- Acorda, te trouxe outra cerveja.
- Obrigado, parece que leu minha mente.
- É fácil saber no que está pensando.
- Sim, fácil...

Ficamos calados por alguns minutos, longos minutos. Estávamos embriagados de sono e cansaço, mas não conseguíamos deitar para dormir.

- Como estão as coisas em casa?
- Nunca sei como dizer. Sinto que melhoram, mas não muda nada. Acho que estão de um jeito, mas parecem de outro e no fim, não sei como realmente estão.
- Que mulher complicada você foi arrumar.
- Novidade.

Demos algumas risadas e Bob continuou com as perguntas, ele queria me ajudar, sabia que eu não estava nos meus melhores dias, nenhum de nós estava.

- Ela não diz nada? Não mostra nada?
- Uma vez ou outra, anda muito ocupada com o trabalho. Mal me aguentei em pé nas últimas semanas, como eu ia saber o que ela queria dizer?!
- Você deveria maneirar, não é fácil manter as coisas em ordem desse jeito.
- Ando pensando nisso, mas é difícil.
- Eu sei.
- Eu queria ser importante para ela.
- Eu sei.
- Como vão as coisas por aqui?
- Difícil dizer, ela não tem sido a mesma. Ou melhor, tem sido cada vez mais ela, para ela, por ela.
- Quer um gole?
- Sim... Mas não posso.

O resto do dia foi melhor. Nos sentíamos bem conforme as horas passavam e não pensávamos muito. Assistimos ao jogo, demos uma volta com o cachorro, falamos sobre qualquer coisa que não fosse relacionado a trabalho. Tinha sido um bom dia, ambos precisávamos de uma pausa de nossas vidas.

Voltei tarde para casa, não veria Mélanie aquela noite, meu único compromisso era com a minha cama, macia, quente e velha, mas ainda era a minha cama, eu sabia exatamente como agrada-la.

segunda-feira, 16 de abril de 2012

O Sorriso do Palhaço Sem Dentes

Depois de alguns dias fora de casa e praticamente sem contato com Mélanie, eu finalmente fui aceito por ela, com as mesmas condições em relação a minha bebida, e agora também estava incluído meu temperamento explosivo, minhas confusões etc.

Fui até minha casa pegar algumas roupas.

- Vai viajar? – Questionou meu velho amigo Arthur.
- Sim, vou ficar alguns dias longe desta prisão. – Respondi com tristeza nos olhos.
- Seu pequeno templo estará seguro, fique tranquilo. Aqui, chegaram estas cartas para você.
- Obrigado, Art. Bom, nos vemos em breve, cuidado com esses vagabundos desesperados que entram aqui.

No caminho dei uma olhada nas cartas. Eram apenas contas, exceto por uma. Estava datilografada e assinada por uma ex-namorada, ou melhor, uma mulher com quem eu tive um caso, sexo, muita bebida e nada além de duas semanas, o que a enlouqueceu.

“Preste bem atenção seu bêbado idiota. Se pra você eu fui só mais uma BOCETA que você podia entrar e sair à hora que bem entendesse, saiba que você está enganado! Seu verme, rabugento, viciado, estúpido, faltam palavras para descrever alguém como você... Nunca você encontrará alguém que tenha te dado amor, como eu dei. Não importa o tempo, eu te amei e você me usou. Caso algum dia você encontre alguém, é melhor ela ter um bom sistema de segurança, por que eu vou acabar com ela! Espero que você morra engasgado no seu próprio vômito, seu merda!”.

Será que ninguém consegue encontrar uma palavra melhor do que essa? Eu odeio a palavra boceta...

Achei que não seria uma boa ideia deixar aquilo chegar perto de Mélanie, ainda mais agora, quando ela acabará de me aceitar em seus braços novamente. Por isso queimei o pedaço de papel.

Fui recebido com um abraço forte e muitos beijos, mas eu ainda podia sentir aquela sensação de que ainda não estava tudo bem.

- Como você tem passado? – Ela me perguntou com certa estranheza.
- Bem, você sabe, nada fora do comum... Apenas tenho sentido sua falta.
- Eu também senti sua falta, meu querido. Mas você sabe muito bem por que nós tivemos de ficar alguns dias afastados, era preciso que você pensasse no que tem acontecido.
- Eu sei...
- Bom, eu tenho de ir trabalhar. Estamos preparando outra exposição, as coisas estão muito corridas, o tempo é curto, então mal consigo descansar. Você poderia fazer algo hoje, só voltarei de noite, por que não sai? Ouvi dizer que um circo veio para cá, passe lá, tente se distrair e sem precisar parar em um bar. – Mélanie não perdia uma oportunidade.
- Não sei não, odeio circos.
- Mas já? Leo, você precisa mudar alguns hábitos, você odeia tudo! Tente relaxar mais, vá até o circo, de algumas risadas e volte para casa para me fazer uma massagem.

O que ela não sabia, é que meu problema com circos vinha se arrastando há anos. Eu odiava palhaços, quando criança, tive uma má experiência com um deles. Fui ao circo com meu tio, estava assustado com a quantidade de pessoas embaixo daquela barraca enorme. Então, quando eu imaginei que poderia começar a relaxar, um homem alto, de roupas bem largas, uma cartola verde e com o rosto pintado se direcionou para a plateia e disse que escolheria alguém para se unir a ele em seu número com cavalos brancos. Muitos se ofereceram para ajudar o homem de batom na cara, mas ele decidiu chamar justamente a criança amedrontada sentada na última cadeira do lugar. Bom, o que aconteceu em seguida não é nada de novo, a criança se escondeu nos braços do tio implorando para ir embora enquanto chorava assustado com aquele bastardo colorido. Eu era a criança.

Passei o dia todo em casa, fumei um maço de cigarros de palha, aquilo estava virando meu novo vicio. Era uma delicia! O gosto, o cheiro e as lembranças de Minas Gerais. Depois das sete horas eu já estava de saco cheio, o sofá adquiriu a forma do meu corpo e a casa estava enfestada de fumaça. Peguei minha flanela, abri as janelas e sai.

Estacionei meu carro enfrente ao circo, estava lotado, como naquela noite. As pessoas riam, espalhavam pipoca por todo canto e a música vinda de dentro era insuportável. Não consegui sair, aquilo tudo me deixou enojado e com muita raiva. Depois de quase trinta minutos eu sai, fiquei em pé, de frente para a entrada e depois de uma longa tragada, me virei, deixando apenas a fumaça de meu cigarro para trás. Foda-se, vou para o bar, amanhã eu me mantenho sóbrio por ela.

O lugar estava quase vazio, apenas um ou outro cliente, já da casa. Tomava uma dose de conhaque e uma garrafa de cerveja, estava na quarta rodada quando ele entrou. Olhei para o lado de vagar, de baixo para cima. O desgraçado parecia ter saído de algum pesadelo ou um filme de terror barato. Calça listrada, laranja, bem suja e com um buraco no joelho. A camisa branca com um colete roxo por cima, o cabelo sujo e ensebado era amarelo. Nariz vermelho, maquiagem borrada e um batom vermelho em volta da boca fazia com que ele tivesse um cara bem triste.

- O que você tá olhando? – Ele não tinha um dente.

Apenas virei meu rosto de volta para meu copo. Não conseguia me concentrar, minha cabeça estava naquela noite, estava naquele palhaço com sorriso quebrado sentado bem ao meu lado tomando uma dose de pinga. Minhas mãos tremiam como nunca. Tomei minha dose, pedi outra e também matei.

- As pessoas acham que só por que eu sou um palhaço deveria ser feliz o tempo inteiro e sair contando piadas... Eu vou contar uma coisa, não é fácil ser sempre alegre! Vocês não imaginam como é possível sofrer sendo feliz desse jeito. – Ele não parava de falar, despejava suas cartas sobre a mesa, soltava toda a sua angústia.
- Ei, por que você não aumenta o volume? – Pediu um dos clientes para o dono do bar.
- HÁ HÁ HÁ O PALHAÇO CHEGOU! VAMOS RIR DELE, VAMOS JOGAR COISAS NELE, AFINAL É SÓ UM PALHAÇO DESDENTADO!

As pessoas ao redor não se manifestavam, eu achava que ninguém mais o via, apenas eu. Ou então eles não ligavam, deviam estar tão bêbados que mal davam ouvidos. Meus copos iam apenas se esvaziando, minha cabeça começou a doer. Ele estava me olhando enquanto falava.

- É eu sou um palhaço, e você? Você é outro palhaço, sim, isso mesmo, para eles lá no planalto, todos somos palhaços. Um bando de porcos.

Virei meu rosto novamente para ele. O monte de bosta estava me olhando fixamente dentro dos olhos. Nunca olhe diretamente para os olhos de um cara bêbado, você pode não aguentar o dano que isso irá lhe causar. Levantei meu último copo sobrevivente e acabei com ele em segundos, sem nem sequer piscar, mantinha meu alvo na mira.

Mudanças não acontecem da noite para o dia, não seriam alguns passeios num circo estúpido que me fariam ser outra pessoa. E quem diabos disse que eu quero ser outra pessoa? Ao inferno com quem não me aceitar, eu bebo, fumo, faço o que quiser, são minhas escolhas e minhas consequências.

- Faça um favor para si e feche muito bem essa sua boca.
- Não me diga o que fazer, eu sou um palhaço, pago minhas contas e sou livre para falar o que quiser, onde quiser.
- Não, você não tem esse direito quando eu estou aqui. E sim, você é a merda de um palhaço, então fique quieto e dê o fora daqui antes que eu te coloque para fora.
- Eu vou contar outra coisa sobre palhaços... Palhaços são...

Eu o interrompi com um soco no canto esquerdo da boca, ele caiu. Quando se levantou, estava sorrindo, um sorriso quebrado e cor de musgo. Ele conseguiu o que queria, desde o inicio era isso, foi tudo planejado. Maldito, eu já podia ouvir aquela música estúpida do circo em minha cabeça outra vez.

Não me contive, mais dois socos diretos no rosto imundo e outro no estômago. Ele caiu sobre o balcão para se apoiar. Segurei firme pela gola de sua camisa, ele sorria, sangrava e gritava para ter mais. Aquela altura nada iria me impedir. Mais socos, mais sangue, mais pesadelos... Deixei o bastardo sem mais dois dentes, um olho roxo, cortes no rosto. Eu fui expulso do bar, para sempre.

Voltei para casa sem perceber que minha mão estava derramando sangue por todo lado. Mélanie chegaria em alguns minutos, eu estava fedendo, estava bêbado e sangrando, não me importava mais. Um calor crescia dentro de mim, e só aumentava, quando ela entrou pela porta e olhou para mim, simplesmente aconteceu. Eu estava puto, era o limite. Não iria mais aguentar aquilo outra vez. Durante toda a minha vida eu era o cara errado, sempre carregava a culpa e quando tentava aliviar as coisas, me atacavam por estar exagerando.

- Mas o que aconteceu com você? – Ela estava desesperada.
- Eu fui ao circo, como você pediu. – Me levantei meio tonto.
- E como você acabou bêbado e sangrando em um circo? – Ela olhava minha mão ensanguentada.
- Não importa como aconteceu, o que interessa é que eu cansei. Mél, eu sou esse cara, você me conheceu assim, se apaixonou por este cara.
- Mas o que...
- Eu não vou mais carregar isso. Em algum momento eu preciso ganhar algo, preciso me sentir confortável, eu preciso relaxar e abaixar a guarda uma vez ou outra. Merda!

Ela me olhava tentando entender se era eu quem dizia aquilo ou se era apenas um bêbado desesperado.

- Eu não posso ficar aqui, amanhã quando estivermos todos sóbrios terminamos essa conversa.

Minha impaciência não me permitiu esperar por uma resposta, então fui embora. Dirigia com raiva, não enxergava sinais de trânsito, curvas, a chuva que caia, nada. Fechei os olhos e respirei fundo, quando os abri um grande clarão me cegava, o som da buzina me calou.

Acordei deitado no banco de trás do meu carro. Com cuidado levantei. Estava parado em frente a uma escola, várias crianças corriam sorrindo brincando entre elas. Uma delas carregava uma máscara de palhaço nas mãos. Não há como escapar dos nossos pesadelos, eles acham uma forma de voltar para nos assombrar, talvez seja melhor enfrenta-los de uma vez. Eu não sei como sobrevivi à noite anterior, não sei o que iria acontecer com meu relacionamento, não quero perde-la, mas preciso de algo que me faça senti-la cada vez mais presente dentro de mim e eu dentro dela. Eu precisava de um copo de café e um cigarro.

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Mijando Sangue

Faziam três noites que eu não voltava para casa, era impossível voltar quando se está bêbado a ponto de apagar toda noite. Por duas noites eu dormi no sofá da casa de Mélanie e na última eu não consegui sair do banheiro. Ela novamente sentia que aquilo era ruim para mim.

- Bom dia eu querido.
- Dia? Mas já?
- Sim, outra noite vazia em sua memória?
- Merda... – sussurrei para mim mesmo.

Ela se sentou ao meu lado no sofá e colocou uma bandeja com um copo com café e dois pães com manteiga sobre a mesa.

- Nós precisamos conversar. Não dá pra você continuar se matando desse jeito.
- Mel, não faça isso. Não tenha ciúmes dela outra vez, nossa relação é estritamente profissional.
- Você não precisa beber para escrever! Faz dia que não saem mais àquelas palavras lindas da sua boca, saem apenas mais de seu fígado em forma de vômito!

Tomei uma grande golada de café, exatamente o que eu precisava, estava vivo novamente.

- Olhe meu amor, vamos estabelecer uma coisa; eu passo a me controlar com a bebida e você não me deixa mais apagado naquele banheiro, minhas costas estão me matando!

Era sábado e eu havia combinado com Bob e Alex de nos encontrarmos para conversar e beber, mais do de sempre, exceto pelo fato que todos levaríamos nossas acompanhantes para finalmente serem integradas ao grupo. Bom, isso era o que Alex queria acreditar, já que ele iria apenas exibir seu novo troféu ruivo de 20 anos de idade.

Fomos para um bar novo, novo para mim, Bob era amigo de um dos garçons e Alex era conhecido no lugar como “O Urso Bêbado”. As horas se passaram, os copos esvaziavam cada vez mais rápidos e todos estavam bêbados. Eu e Alex começamos nossa velha disputa de doses, cada um tomava cerca de três a cada 10 minutos.

- Esse é o problema de hoje em dia, se continuarem inventando leis estúpidas para que nós não possamos beber ou fumar em lugares públicos, por exemplo, logo seremos proibidos de olhar diretamente nos olhos de uma mulher, ou de falar a palavra maconha na rua! – Se expressou Bob.
- São esses políticos idiotas querendo nos enganar criando leis sem sentido ao invés de fazer algo decente para a nossa sociedade e assim, acabam acalmando as massas. – A morena, cujo nome já não me recordava, continuou o que Bob havia dito.

Depois de certo ponto, eu me cansava dessas discussões de bar e me concentrava apenas no meu copo e nos lábios doces da minha francesa. Ela se levantou, me deu um beijo que quase me derrubou da cadeira e foi até o banheiro. Aproveitei aquele momento para matar mais duas doses acompanhado por Alex, O Urso.

- E então Bob, quando sai seu filme? – Perguntou Alex.
- Ainda não temos uma data certa, mas acredito que não vá levar tanto tempo como aconteceu com o último... Provavelmente no próximo festival de cinema, eu consiga leva-lo para as telonas!

Meu limite já havia sido ultrapassado há muito tempo, eu tinha tomado uma garrafa de vinho e dose latas de cerveja antes de chegar ao bar, contando o que eu tinha tomado durante as horas que ficamos lá, era uma boa somatória para outro apagão. Com forme a frequência que você bebe em excesso, sua memoria tende a falhar cada vez mais e esses apagões são inevitáveis.

Levantei lentamente meus olhos, minha expressão não era das melhores, quando consegui focar minha visão na imagem a minha frente, vi Mélanie sendo levada contra a parede por um cara alto, cabeça raspada e aparentemente forte.

- Cara, você não parece muito bem. – Disse Bob.

A preocupação dele não me servia de nada, minha mente estava focada ali, em Mélanie. Juntei forças para me levantar e ir em sua direção, cambaleando mas consegui. Peguei o brutamonte pelas costas, acertei um soco bem no meio do nariz e o joguei sobre a mesa. Ouvi gritos, possivelmente eram de Mel. O próximo soco para ele foi como uma bala, mas para mim foi como um foguete sendo lançado para o espaço, pois assim que eu o acertei não me recordo de mais nada.

Abri meus olhos devagar, minha visão estava embaçada e meu corpo completamente dolorido. Aos poucos me levantei e dei uma olhada ao redor.

- Mas que porra de lugar é esse?!
- Bom dia, Bela Adormecida. – Era Alex.
- O que aconteceu? Como eu vim chegar aqui?
- Cuidado, você não tá muito bem. Eu te trousse para a minha casa, sua francesa me pediu para cuidar de você, ela parecia bem nervosa e queria que você ficasse com um amigo.

Olhei para minhas mãos, estavam com machucados e sangue seco, meus lábios inchados e provavelmente meu olho estava roxo, pois doía muito, mal dava para abri-lo.

- O que aconteceu?
- Você foi pra cima de um cara que tentava se dar bem com a sua garota, até foi uma boa briga, você o derrubou e acertou belos socos, mas o cara era da polícia... Ele e seus outros dois amigos. Eles te deram uma surra, você foi expulso do bar, por sorte o amigo do Bob não colocou o estrago na nossa conta.
- Isso é sorte? – Olhei com raiva para ele, que sorria.
- No final, você estava deitado na rua cuspindo sangue. Sua menina me pediu para cuidar de você, sabe como é, um ombro amigo.
- Ela não conhece muito bem meus amigos... Anda logo, abre uma garrafa, eu preciso beber até esquecer que essa merda toda aconteceu.
- Mas é claro, tudo pelos amigos!

Fui até o banheiro, me olhei no espelho, não tinha sido uma boa briga, eu fui destruído e ninguém se quer tentou me proteger. O problema é que não da pra se proteger de si mesmo, sua mente é mais forte que seu corpo. Coloquei pra fora e comecei a mijar.

- Caralho, to mijando sangue!