sábado, 28 de abril de 2012

Preconceito No Olhar

Acordei bem cedo, eram nove horas da manhã. Mélanie já tinha ido trabalhar, me levantei, cocei. Ela deixou um bilhete sobre a escrivaninha, ao lado do meu maço de cigarros.

“Bom dia meu querido! Espero que não tenha dormido demais, tive de ir trabalhar e não quis te acordar, você fica tão calmo enquanto sonha... Queria apenas avisar que você tem de levar o lixo para fora, tomar banho, pagar a conta da luz e arrumar a sua bagunça na escrivaninha. Preparei seu café, apenas esquente o pão. Voltarei tarde, mas levarei algo para comermos, OK?

Meu lindinho barbudo...

Obs: Não beba demais! Não beba antes do meio dia!”.


Como ela era carinhosa. Larguei o bilhete onde estava, acendi um cigarro. Mijei, cocei, tomei meu café, li o jornal, li alguns poemas do Bukowski e fiquei de cueca até o meio dia, sem bebidas alcoólicas.

Coloquei minha calça jeans, camisa preta, flanela que era do meu pai e um par de tênis rasgados. Não tomei banho. Desci no bar do Arthur para almoçar.

- Bom dia português! – Ele me chamava assim por causa do meu time, a Portuguesa.
- Bom dia companheiro.
- Hoje tem bisteca e ovo com bacon. Qual vai ser?
- Manda a bisteca acompanhada de uma cerveja GELADA.
- Ô Augusto! Manda bala na bisteca! E frita um ovo também= Arthur se direcionou para mim. - Esse é por conta da casa portuga.

Comi como nunca, meu estômago voltou a funcionar. Culpa da bebida uma ova! Duas garrafas se foram e uma hora passou.

- Faz outra pra mim, mas é pra viagem.
- Hoje você tá na miséria mesmo hein. Ô Augusto...

O sol pegava leve, o céu azul, nuvens em forma de dragões, ursos, tudo o que a imaginação permitisse. Estacionei o carro próximo ao parque, como era meio de semana não tinha muita gente, isso era ótimo. Escolhi um banco, me sentei e esperei com um cigarro aceso.

A barba enorme, toda embaraçada e um pouco suja, assim como o cabelo escuro. Dentes amarelados, suas roupas eram velhas, muito bem conservadas, melhores que as minhas por sinal.

- Grande Luiz!
- Olá, como vai Coca?

Não gostava de compartilhar meus problemas com Luiz, ele vivia nas ruas, mal tomava banho, tinha de pedir dinheiro aos outros para sobreviver. Então sempre dizia que estava tudo bem, mas o desgraçado via quando não estava.

- Ótimo, como sempre. E você, firme na luta?
- Não tenho escolha.
- Aqui, trouxe algo para você.
- Que cheiro bom... Hmm, bisteca, que delícia! Obrigado meu caro.

Nós sempre evitávamos falar sobre o que aconteceu para ele chegar ali, mas falávamos sobre todo o resto. Eu tentava ajuda-lo, sozinho, lutando todos os dias para viver, dormindo ao relento, é fácil alcançar a loucura assim.

- Vamos dar uma volta.
- Você quer beber não é? Tem um bar aqui perto.
- É por isso que nossa amizade dá certo.

Demos algumas risadas e fomos para o bar.

O lugar estava bem movimentado para àquela hora, provavelmente eram clientes habituais, por isso estranharam nossa chegada. Era difícil dizer quem era o mais “civilizado”, ambos estávamos sem tomar banho, sem fazer a barba há dias, mal vestidos, etc. Maldito preconceito! Somos todos iguais ali dentro, todos bêbados, lixos humanos, desiludidos em busca da salvação em um copo de pinga.

- Aquela mesa parece estar nos chamando, Há a palavra “sujera” escrita nela. – Elevei o tom para dizer sujeira.

Nos sentamos, o atendente nos observava com cuidado, analisando nossas roupas para saber se poderíamos pagar por algo ou se era apenas uma brincadeira de mendigos.

- Traz uma cerveja. E das geladas!

Com certa demora ele atendeu ao meu pedido.

- Vocês tem dinheiro? – Nos questionou.
- O que você acha?

Luiz não dizia uma palavra, ele estava nervoso, talvez envergonhado.

- Pagamento adiantado.
- Aqueles cavalheiros não precisaram pagar antes.
- Clientes da casa.
- E que tal um sinal de boa fé?
- Que tal vocês se mandarem?

Joguei o dinheiro sobre a mesa. Ele abriu a garrafa.

Os olhares continuavam, Luiz estava cada vez mais envergonhado. Eu estava puto por ele. Olhei nos olhos de todos que estavam nos encarando. Levantei meu copo e disse em voz alta:

- Sonhe sonhos altos para encher seu copo com esperança!
- É a última que morre. – Disse um gordão próximo ao balcão dando gargalhadas irônicas.
- Sim, você pode ser o primeiro. – Retruquei o rechonchudo.
- Cuidado com suas palavras, saco de bosta.
- Ao menos posso ver o meu saco...
- O que disse?!
- Pedi outra dose.

Luiz se segurava para não rir. Sai para fumar um cigarro.

- Acho que vocês deveriam ir embora daqui. – Disse um cara alto e magro.

Fingi que não o ouvia. Terminei meu cigarro e fui entrar no bar novamente.

- Eu disse para irem embora, entendeu?
- E eu digo: saia da frente.

Ele cuspiu um catarro verde com pus bem próximo do meu pé. O tomei pela camisa e o pressionei contra a parede.

- Respira perto de mim mais uma vez, que eu abro um buraco na sua cabeça pra ver se você começa a ouvir direito! – Não sei de onde saiu aquilo, eu iria apanhar até cuspir as minhas bolas pra fora, eu era a minoria no lugar.

Consegui o que queria: todos me olhavam, mas assustados. Deviam achar que eu era um louco, ou que eu estava armado, não sei. Acabei com a minha dose, amassei o dinheiro e joguei sobre o balcão. Saímos com ar de soberania, mas com um tremendo calafrio.

Nós somos todos hipócritas, preconceituosos, narcisistas, egocêntricos, somos um bando de filhos das putas. Ou seja, somos iguais. Miseráveis presos num saco de gordura fedida e suja, rastejando pelo mundo em busca de uma luz. Alguns a encontram, outros não. Encontramos ela nos olhos de uma linda mulher, dentro de uma garrafa, no escudo de um clube, nas asas de um avião, não importa, nós queremos, nós precisamos dela.

Quebre as correntes que te prendem dentro da racionalidade e comece a viver a sua vida por você. Foda-se o imposto de renda, o governo, a polícia, o preconceito, o amor, a dor, o cachorro da esquina e a velha na rua. Solte o grito e seja você, seja diferente do resto de bosta rastejante do mundo.

Como eu odeio falar isso para não perder meu foco. Malditos, tentando me pegar desprevenido... Um dia eu ainda enfio a mão na sua cara, não importa o motivo, eu apenas não gosto de olhar para a sua cara.

Merda, esqueci de tudo que Mél me pediu!

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