sábado, 25 de janeiro de 2014

Romance Moderno é Romance de Boteco

“Eu me sinto tão sozinha desde então...” – Ela escreveu em um guardanapo, tentando ser discreta, usava algumas das garrafas de cerveja que estava sobre a mesa para disfarçar o que fazia. Seus amigos em volta da mesa conversando e dando risada mal notavam sua presença ali, mesmo ela não sendo o tipo de ficar calada por muito tempo em seus próprios pensamentos, ainda mais quando estavam todos reunidos em um bar.


Guardou o papel em seu bolso, devolveu a caneta para a amiga ao lado, mas sua cabeça continuava presa a suas reflexões parcialmente expostas em um pedaço rasgado de papel. Qualquer um que olhasse bem para seu rosto veria que algo havia de diferente, mas poucos olhariam além do óbvio, e o número de candidatos diminuía a cada garrafa que se esvaziava dentro do bar lotado.

Ela não se entregaria fácil, “Mais uma dose? É claro que eu tô afim”, a trilha sonora de sua noite resumida em uma frase. Por mais duro que fosse ela mantinha sua postura ereta, o copo meio cheio, a risada quase natural, que enganava a todos os bêbados ao seu redor na mesa.

Sua distração nas conversas bobas e sem sentido se concretizou, para alivio de sua mente desgastada de tantos pensamentos que iam e vinham ao longo daquela noite. Até que seus amigos se espalharam, alguns para a pista de dança, outros para o banheiro ou para área de fumante, deixando-a sozinha.

Olhando fixamente para o copo suado de cerveja tomou um susto que a fez colocar a mão sobre o coração acelerado, um sujeito desconhecido caiu sentado em sua frente no lugar deixado por um de seus amigos de bar. Com mais calma pode analisar o tal sujeito, barba ligeiramente feita, um sorriso clássico, a camisa xadrez escura e um copo na mão, tinha claramente passado do ponto.

- Oi... Eu não te conheço... – Ele afirmou de maneira questionável.
- É, eu sei disso. Você caiu na minha mesa.
- Então foi isso que aconteceu? – Abriu um sorriso besta enquanto refletia olhando para as luzes que piscavam atrás do balcão.

Ela não dava tanta atenção para o pobre coitado. Ele continuava sentado em sua frente, agora, olhando para seu copo.

Quando percebeu que não estava a deixando confortável, nem sendo motivado a continuar como uma companhia inusitada. Se levantou.

- Desculpa te atrapalhar.
- Não foi nada. – Não levantou os olhos quando o respondeu.

Ele já ia saindo em direção ao balcão, mas se conteve. Voltou para ela e perguntou:

- Você tá bem?
- Que?
- Perguntei se você tá legal, se aconteceu alguma coisa.
- Por que a pergunta?
- Bom, você tem muitas garrafas em cima da mesa, tá sozinha, nenhum namorado me chutou pra fora da mesa e... Desculpa, mas você tá com uma carinha tão triste.

Ela hesitou em olhar para quem pronunciava aquelas palavras tão sinceras e enroladas.

- Tô bem, não sei de onde tirou isso. Meus amigos foram dar uma volta, só isso.

Persistente, ele se abaixou próximo a ela, levantou suavemente seu rosto triste com os dedos.

- Ei... Não precisa ficar na defensiva, eu só não acho justo ver tanta gente se divertindo aqui e você sentada sozinha com tanta coisa triste brilhando nos seus olhos.

Por um instante ela pensou que iria chorar. Ele se sentou novamente em sua frente, malandro, encheu seu copo com uma das garrafas deixadas sobre a mesa.

- Posso te fazer companhia até que um dos seus amigos volte? – Perguntou inocentemente.
- Tudo bem, mas sem segundas intenções. Ainda não bebi o suficiente.
- Então tem um “ainda”?

Ela se surpreendeu com o que havia dito e com a resposta do desconhecido.

- Tô brincando, relaxa. Eu só vou te fazer companhia. Vai ser bom pra eu me recompor também, não tem um lugar pra sentar por aqui.
- Se recompor? Você tá bebendo mesmo sentado, vai levantar e cair de novo.
- Não tem problema, eu caio onde devo cair. Sou como um ajudante do bar, mas para os problemas e frustrações dos outros.
- Virou conselheiro de boteco?
- É como ganho a vida...

Pronto, com poucas palavras ele já conseguia tirar um sorriso sincero de uma menina desconhecida para ele, mas que, talvez, precisasse de ajuda, de alguma forma de conforto difícil de pedir para qualquer um, até mesmo para seu amigo mais próximo.

Como se tivessem planejado, seus amigos demoraram cerca de uma hora e meia até decidirem voltar todos na mesma hora. Mas já não fazia diferença, a garota não usava a cabeça para pensar em seus problemas, se sentia leve novamente, como se o sujeito do bar tivesse tirado o peso dela e guardado em si. “Seria isso real?”. Ela se perguntava com um medo que se perdia na próxima piada boba que ele contava para alegra-la. Quando deram conta que já passava das quatro horas e que ambos tinham dispensado suas respectivas companhias, ela os amigos e ele os primos, não se importavam, a noite faria o resto.

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Balanço de Ano


O circo estava montado, envolta da mesa de truco, todos os apaixonados por pinga gritavam, falavam sobre quem ficaria pior até o fim da noite e quem seria o privilegiado no começo da manhã seguinte quando acordaria ao lado da “tal”. Mas, como manda a tradição de fim de ano, alguém tinha de tocar no assunto “balanço de ano”. Sempre tinha o filho da puta pra trazer o tópico para a roda.

- Meu amigo, esse ano eu não pude reclamar de nada! Me casei (...)
- Espera até ano que vem...

Um olhar furioso foi lançado para todos os palhaços da roda que riam daquela piada.

- (...) consegui aquele emprego na firma e finalmente quitei a dívida do carro.
- Pensando assim... Acho que não me dei tão mal.
- Como assim?
- Meu noivado acabou, mas pelo menos fiquei com o barraco, sem prestações!
- As mulheres se vão, nossos barracos nos fortalecem. – Disse o filósofo do sindicato dos cornos.

Continuei quieto, jogando com a paciência do pôquer com uma pilha de latas de cervejas vazias como plateia ao meu lado. Eles continuaram com aquela conversa mole, que na verdade era apenas um discurso para mostrar quem afundou seu barco no oceano, mas manteve o pequeno bote salva-vidas, ou apenas a boia de emergência.

- Eu fico satisfeito que mais um ano se passou e estou respirando para ver a chegada do próximo. E esse sim será O ano!

Todos querem acreditar nisso.

- É isso ai cara, não fica pra baixo por que já tá pra começar o nosso ano.

O sujeito da expressão mais falsa se levantou:

- Um brinde ao novo ano!

Todos os sujeitos se levantaram para um brinde, felizmente, os jogadores profissionais do truco de boteco sabem que a regra do brinde não se aplicava a nós, afinal, estávamos em uma acirrada mão de onze.

A última ceia foi servida, nos juntamos à nossas amadas e desejadas esposas, namoradas e a “tal” para a refeição. Logo após o jantar iríamos contemplar a virada de ano com mais e mais álcool, pelo menos alguns pararam de beber para comer.

- Todos deem as mãos, por favor.

Um mau pressentimento estava no ar, novamente.

- Como este ano todos puderam vir à nossa casa, - Olhava para o marido claramente bêbado – não poderíamos ficar sem esse momento tão importante, não é mesmo? – Uma risada falsa, outro olhar malvado para o marido – Bom, que tal todos agradecermos pelo que de mais importante que nos aconteceu nesse ano?
- Eu só queria agradecer a companhia de todos vocês em momentos difíceis que tivemos nesse ano.
- Meu ano não seria o mesmo sem vocês.
- Com o nosso bebê a caminho, acho que não preciso dizer mais nada.

Apertaram forte a minha mão, “O que foi? Não fui eu quem fez a criança!”.

- Que tal o último brinde?

Novamente, o brinde, desta vez eu participava.

O mar de branco sobre a areia da praia não atrapalhava em nada a minha visão do verdadeiro mar, o oceano continuava a me acenar novos horizontes junto dele um vento forte que levantava e abaixava devagar as pontas do meu cabelo. O céu escuro começou a gritar, piscar e brilhar nos corpos brancos ao meu redor. Meus olhos fixados bem na ponta da parte baixa da garrafa que fazia as luzes coloridas do céu refletirem como pequenos diamantes caindo lá de cima.

Eu não precisava de nenhum balanço ou reflexão para o ano que ficou para trás, dentro de mim havia uma certeza que a minha cabeça tentava entender para colocar em prática, mas isso não era nenhuma novidade naquele momento. Fechei os olhos por poucos segundos como sinal de algum tipo de afirmação relacionada aquele sentimento que coçava o meu cérebro. Enfim pude apreciar o final do espetáculo de fogos no céu.

Naquela noite eu voltei para casa sozinho, por opção minha.