segunda-feira, 21 de setembro de 2015

Justiça Poética

Quando criança eu nunca tive muito tempo pra refletir sobre a existência de um Deus todo poderoso, sobre o que era a política que todos tanto debatiam durante os encontros de família ou sobre o amor entre duas pessoas (e se fossem do mesmo sexo então, aí que a coisa ficava ainda mais distante de minha cabeça infantil), meus pensamentos eram exclusivos para fantasias com super-heróis e o velho sonho de ser “o cara” em um Copa do Mundo. Ao longo de muito tempo eu, assim como muitos, inconscientemente aceitei tudo como era, então, Deus era Deus (apesar de ser criado em família ateísta), política era coisa de adulto e amor, ao menos para mim, era a coisa mais bela de todas, idealizava o conceito do sentimento até mesmo em minhas aventuras imaginárias trajando minha capa e o restante do uniforme de um “super”. Contudo, os tempos passaram, muito já vivenciei, experimentei e, principalmente, redescobri. Hoje, bem mais velho, tenho outras ocupações em meus pensamentos. Ultimamente debates sobre religião, política e amor são figurinhas carimbadas em meu cotidiano, porém com alguns acréscimos, como as lições que tirei de minhas experiências e a mais bela de todas as ciências, a Filosofia, que aos poucos tenho o prazer de adquirir mais e mais conhecimento na área. E é por isso que decidi escrever aqui este argumento.



Começando pelo “todo poderoso”. Por ter crescido com pais ateístas, tive muita liberdade para escolher uma religião ou crença a seguir, coisa que por anos nunca tive o menor interesse em me envolver. O pouco que conhecia vinha das bocas de parentes ou amigos, mas nunca me influenciaram no assunto em questão. Eis que no auge dos meus 20 anos criei curiosidades de vertentes muito mais históricas do que “uma busca pela minha fé”. Encontrei muitos conceitos interessantes, porém o conteúdo histórico sempre me fascinou mais, e assim cheguei a Filosofia. Eu sei, eu sei, a Filosofia não é uma religião, mas depois de muito refletir, cheguei a um ponto meu. Dezenas de pessoas são seguidoras fiéis de conceitos escritos como relatos de outras pessoas que viveram em uma época distante descrevendo uma doutrina a respeito de um ser divino criador do mundo dos vivos e dor mortes. Sócrates, considerado o “Pai da Filosofia”, tornou-se conhecido principalmente através também de relatos em obras de escritores que viveram mais tarde, no caso, especialmente dois de seus alunos, Platão e Xenofonte. Não estou aqui elevando Sócrates ao ponto mais elevado, um “Deus”.  Mas aos meus olhos, mediante meus conceitos atuais, escolhi confiar nos relatos de Platão, definindo o “Pai da Filosofia” como um dos meus objetivos de estudo e influência para o meu pensamento crítico futuro.

Tenho de admitir, ainda não sou dos mais interessados em política, talvez seja coisa da minha geração ou pela idade. Apesar de sermos “animais políticos”, continuo sem a faísca que inflamaria meu interior. Entretanto, meu interesse pela geopolítica e pelos debates das atualidades aumentam vagarosamente ao longo dos últimos meses, fato que me intriga para o que poderei me transformar quando chegar ao ápice dessa nova busca por conhecimento. Somos “animais” e somos curiosos, com a quantidade certa de determinação, não existem programas de computador que possam prever nossos limites ainda.

Passando das máquinas sem coração para as pessoas sem sentimentos. Na minha infância eu brincava muito com a ideia de ter um amor para o resto da vida, minha imaginação levava isso em seu diversos mundo, desde o herói salvador da terra ao homem adulto chefe de uma família feliz. Acredito que por muito tempo carreguei essas histórias comigo, porém conforme fui envelhecendo, fui vendo que tais histórias eram possíveis de vida apenas em meu mundo das ideias, enquanto na vida real não era bem assim que acontecia. Parece que as pessoas têm medo de expressar seus sentimentos ou não os expressam como imaginam. Também tem aqueles que são mais honestos consigo, mas sofrem pelos que não conhecem o valor que existe para essa atitude. O que as pessoas parecem não entender é que para uma relação ter um resultado positivo é preciso ter confiança, companheirismo e amor próprio, este que na verdade é o principal elemento para o sucesso de uma relação, é ele quem estrutura tudo isso. Dessa forma não haveriam barreiras entre estados, conflitos entre sentimentos ou divergências de opiniões que interferissem numa relação verdadeiramente amorosa.


Enquanto preparava esta conclusão tive a chance de fazer mais uma releitura dos meus pensamentos, com isso cheguei a um ponto que muito me interessou. Todos os meus pensamentos e planos se desassociam do senso comum, levando-me a uma direção futura mais singular. Isso me deixou empolgado para com o que está por vir, algo que tem sido difícil de acontecer nos últimos anos, mas que agora pode fazer total diferença. Acredito que se tal análise pessoal alivia o buraco que eu sentia, a mesma pode contribuir para outros que também se sentem “distantes de si” por algum motivo. É com isso em mente que reafirmo em mim: "Eu sou o meu próprio redentor. Nos dizem para encontrarmos “a felicidade nas coisas pequenas”, mas nos venderam sonhos grandes quando crianças. Daqui para frente farei a minha própria justiça poética.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Último Beijo

Peguei as chaves jogadas em cima da escrivaninha, liguei o carro e, em meio a uma tempestade, saí a sua procura pela última vez. Era difícil enxergar para onde eu ia, mas sentia algo diferente, como se minha intuição me guiasse até você. Há meses que não nos víamos e por um tempo a dor era a única em meus dias, apenas ela me fazia companhia. Mas isso havia acabado. Eu estava indiferente ao mundo e sua angústia vivida dia após dia. Seguia em frente, faróis acesos, a tempestade aumentava gradativamente. Quando dei por mim já passara dos limites da cidade, minha intuição me levara para uma estrada deserta cheia de árvores, curvas de alto risco e uma escuridão infinita.


A tempestade que gritava para fora do carro havia entrado, escorria pelos meus olhos a chuva e os raios saiam dos meus gritos, o desespero me encontrara em alguma esquina daquela estrada. Perguntava a Deus “onde estará o meu amor?”. Minhas mãos seguravam o volante com firmeza, as curvas eram intermináveis, a chuva tornava o asfalto escorregadio. Sem tirar os olhos da pista alcancei uma pequena garrafa de whisky que eu guardava no porta luvas por precaução. Abri com uma das mãos, tomava goles longos sem efeito em minha garganta batizada pelos anos passados em campeonatos de boteco.

Quando acordei a chuva ainda caia, havia uma luz mais forte do que a dos faróis do carro, eu finalmente havia a encontrado embaixo daquela árvore sozinha sorridente como sempre. Corri em sua direção, abracei-a forte, lágrimas escorriam de nossos olhos tristonhos. Naquele exato momento me arrependia de todas as vezes que duvidei que nós nos encontraríamos outra vez, me arrependia da dor que você passou sozinha por todo o tempo em que eu lhe esperava e você precisava de um tempo. Meu arrependimento tomava proporções maiores chegando a qualquer lembrança de brigas, discussões, dias em que ficamos sem nos falar, noites em que ficamos sem nos tocar, beijos que eu nunca irei recuperar. Eu sofria abraçado a ela questionando-a o porquê ela preferiu acreditar em sua verdade e não em nossa verdade. Passei dias acreditando na dor ao invés de acreditar no amor, mas isso finalmente acabara ali com aquele abraço de redenção, quando nos soltamos e selamos nosso reencontro com um beijo demorado era clara a conquista da redefinição de um romance vivo em cada fôlego tomado ao longo dos dias e noites que tivemos lado a lado.

Segurando firme em sua mão para que ela nunca mais me deixasse via um acidente na estrada, um carro batido em uma árvore enorme, um homem com o rosto encostado no volante e fumaça saindo do automóvel. Chegamos mais perto, havia sangue escorrendo por sua testa, senti algo quente escorrendo pelos meus olhos. Carros chegavam ao redor do acidente para socorrer o homem preso no veículo, os médicos disseram que ele ainda respirava, mas não foram capazes de reanima-lo, ele desistira da vida.

Nos olhamos, ela disse “me abrace querido, só por um tempo”. Eu a abracei forte e a beijei como se fosse nosso último beijo, de alguma forma eu encontrei meu amor naquela noite, eu tinha encontrado o amor que eu sabia que tinha perdido. Nosso abraço nunca terminou, era o nosso momento de viver nossa história de amor como se mais uma vez fosse a primeira vez.

segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Meia Palavra Basta

Passava da meia-noite, decidiu ligar e colocar ponto final à sua insônia.


- Alô?
- Te acordei?
- Mais ou menos... Eu tava assistindo um filme.
- Qual filme?
- Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças.
- Muito bom esse.
- Por que me ligou?

...

- Sei o que acontece com você.
- Sabe?
- Sim.

...

- Mas não podemos.
- Podemos sim.
- Não.
- Você não quer.

...

- Quer?
- Não podemos!
- Eu sabia! Você não quer.

Desligou.

Cinco minutos se passaram, ela ligou de volta. Ele assistia Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças.

- Eu quero, eu te quero há um bom tempo.
- Quer?

Ele sorria.

- Sim... Mas não deveríamos, não deveria ser tão difícil, não deveria ser tão complicado.

(Silêncio)

- Você me ama?

Não precisava nem pensar.

- Gostaria de dizer que te amo... Mas você não nos deu essa chance ainda.

...

...

- Boa noite, tenha bons sonhos.
- Você também.
- Eu te amo.
- Eu também.

terça-feira, 1 de julho de 2014

Tio


Queimei minha mão fazendo café naquela manhã, encontrei meus óculos ao lado do meu travesseiro, peguei no sono na noite passada enquanto estudava e devo ter dormido em cima dos malditos olhos de vidro. Fazia publicidade na PUC- Campinas, já me sentia vendido antes mesmo de concluir o curso. Perto da hora do almoço, coloquei uma lasanha congelada para esquentar no micro-ondas e a caixa me contou após dez minutos de espera que a lasanha estava vencida há duas semanas. Saí de casa deixando a porta aberta e o micro-ondas ligado, peguei meu maço de cigarros, fazia duas semanas que eu não fumava.

Fui até o Parque Portugal a pé, pensei que poderia me fazer bem um pouco de ar puro, ou então eu sufocaria todos ao meu redor com a fumaça dos meus cigarros, quem sabe até iniciaria um incêndio... Fiquei sentado lá observando as famílias aproveitando os poucos minutos que tinham durante a semana para se divertir, alguns casais se amavam até fazendo exercícios juntos, me senti triste por não ter pegado um livro antes de sair.

Esqueci-me de deixar o celular em casa, ele começou a vibrar dentro do meu bolso. Na quinta vez que ele se sacudia todo fui ver quem me ligava. Minha mãe sempre escolhia a hora errada para me ligar e me tratar como o filhinho que decidiu sair de casa para ganhar o mundo. Não atendi, desliguei aquela porcaria.

Estava acendendo outro cigarro quando fui atingido pela copa do mundo, uma “brazuca” me acertou em cheio na cabeça. Perdi meu cigarro, minha consciência e a paciência. Olhei para trás, era uma criança com a camisa da seleção brasileira de 2002, a nove do Ronaldo, eu tinha uma idêntica naquela época, presente do meu velho pai.

- Desculpa tio... – Ele estava com muita vergonha.
- Relaxa, tenho esse cabeção pra isso mesmo. – Eu ainda tentava fazer piadas.
- Cê viu pra onde foi a minha bola?
- Sim, tá aqui. – Me levantei e peguei a bola do chão. – Toma.
- Brigado tio!
- De nada.

Ele não foi embora, se sentou ao meu lado e ficou me olhando.

- Você tá triste tio?
- Não sei, acho que sim.
- Quer brincar de copa do mundo comigo e com meu pai?

Lembrei-me de quando eu jogava bola na praia com meu avô, meus primos, meu pai. Bons tempos.

- Não me desculpa, essa brincadeira é boa demais, mas é melhor você aproveitar com seu pai.
- Tá bom.

Parecia ter ficado chateado por alguns segundos, mas abriu um sorriso enorme quando seu pai chegou procurando por ele. Saiu correndo para abraça-lo, mas voltou pela última vez para se despedir.

- Fica triste não tio, tá bom?

Era como olhar meu reflexo num espelho do passado, pensando bem era quase como um yin-yang, os opostos/complementares gerados pelo absoluto ou pelo caminho, o Tao. O questionamento é frequente no dia a dia, mas dar-lhe o papel principal é perigoso, questionando se obtêm respostas, duvidando (de forma exagerada) se ganha incertezas, desespero, solidão.

Nos despedimos com um cumprimento de punho fechado.

- Tchau tio!

quinta-feira, 26 de junho de 2014

Ele é Especial


Eduardo era um cara diferente, estava sempre em destaque comparado aos outros. Quando criança era o menino mais engraçado da turma, fazia até a professora chata de matemática rir de suas brincadeiras bobas. Quando adolescente ele era o menino com carinha de anjo, sabia beijar de língua há dois anos e meio, não era rico, mas ganhava blusas da Hollister e GAP dos seus primos mais velhos que iam bastante para fora do país com seus pais.

Mas foi em sua fase “pré-adulta” que Eduardo viu seu potencial chegar a um nível fora de suas expectativas. Esperto, como sempre, ele aprendeu com os primos mais velhos, com alguns filmes, livros e usando sua imaginação a arte de seduzir uma mulher. Não apenas de seduzi-las, mas de engana-las e manipula-las. Eduardo cortava o cabelo, fazia a barba, escolhia com maestria suas roupas de acordo com a estação do ano, com o lugar que passaria a noite ou até mesmo para ir ao trabalho e encontrar com a nova secretária boazuda que o chefe lhe fez o favor de contratar.

Após uma noite de bebedeira não planejada, ele e alguns amigos foram parar em um estúdio de tatuagem e piercing. Depois daquela noite, ele e os amigos criaram o ditado “se beber, nunca, nunca entre em um estúdio de tatuagem!”, uma mistura de “se dirigir, não beba” com “cu de bêbado não tem dono”. Um amigo fez uma caveira mexicana no braço, o outro uma carpa nas costas e Eduardo uma cobra no antebraço, mas era pouco para ele. Como já disse antes, Eduardo sempre se destacava. Apenas uma cobra? Não, impossível parar por ai...

Seis meses depois Eduardo viu seu nome e sua fama se espalharem por toda a cidade de São Paulo. As mulheres não resistiam a seu charme, os homens tinham inveja do seu talento, o menino vindo do interior apareceu para colonizar a metrópole com o prazer na ponta da língua. Ele ficou conhecido como “ponta dupla”, “linguarudo” e “língua de cobra”.

quarta-feira, 28 de maio de 2014

Incidente

Não era um dia qualquer, era o pior dia daquele mês para mim. Após ser jogado pra fora de casa pela minha tão “querida” noiva e ser obrigado a pedir hospedagem na casa de um amigo, afinal de contas, as contas não tinham fim, assim como minhas dores de estômago e as enxaquecas. A tal da sorte não dava as caras ultimamente, nem pra mim, nem pro meu time ou pros meus relacionamentos pessoais. Era como se todos ao meu redor tivessem 90% de chance a mais de ganhar na loteria, por exemplo.

A razão pela qual aquele dia, ou melhor, aquela manhã era considerada a pior ainda estava por vir.


Levantei cedo graças a combinação das minhas dores de estômago com o barulho que faziam no andar de cima que estava em reforma o mês inteiro. Encarando-me no espelho vi claramente minha ressaca através das olheiras, por isso saí praticamente correndo da frente do espelho para a varanda ascender um cigarro. Os remédios pra dor não faziam mais efeito, mas eu os tomava mesmo assim, apenas pela sensação de que ao menos eu estava tentando resolver um dos meus problemas.

Perdi a noção do tempo sentado observando o céu pela varanda, por minutos pude me perder nas nuvens deixando as dores de lado, mas elas voltaram com ainda mais força, força suficiente pra me derrubar da cadeira aos berros. Arrastei-me até o sofá da sala, escalei pelos braços até o ponto de me atirar de costas nele ficando todo desajeitado. Os remédios de antes haviam acabado, apenas a embalagem vazia estava sobre a mesa de centro.

Ainda deitado no sofá, descansei tempo suficiente para fumar mais um cigarro. Voltei para o banheiro para lavar o rosto e enxaguar a boca, segui para o quarto, troquei de roupa, mas continuava com minha aparência típica dos últimos meses, eu era o trapo vestido com roupas desbotadas. Peguei as chaves, dinheiro, receita e esperava o elevador chegar.

Entrei, estava vazio. Morávamos no décimo segundo andar, enquanto descia quase o prédio inteiro lá dentro sozinho tive a sensação de me ver em terceira pessoa e, sinceramente, nenhuma das outras duas pessoas me agradava, muito menos em terceira, todo imponente como “não-pessoa diretamente participante do discurso”... Charlatão!

O elevador parou no sexto andar, entraram duas pessoas, mãe e filho. Meu coração pulou para a boca assim que meus olhos a cobriram de elogios, eu literalmente engasguei naquele momento, o que fez o pequeno rir da cena e a mãe o censurar pela reação. Desculpei-me, foi o que tentei, mas minha voz quase nunca sai na primeira tentativa.

Desde quando me mudei para lá, eu a tinha visto apenas duas ou três vezes, não sei como as descrever. Mas posso tentar ao menos descrever a mãe. Moradora do sexto andar, ela vivia junto com seu único filho, o pequenino tinha cerca de cinco anos. O fato de ser divorciada e livre como um pássaro aumentava minha angústia por uma conversa com ela, como nos velhos tempos em que eu tomaria a iniciativa. Mas, além das dores de estômago e da falta de confiança, algo por trás de tamanha beleza me segurava.

O elevador parou outra vez, mas dessa vez ele parou com um tranco que chacoalhou todo o cubículo com ocupação máxima de até oito pessoas não obesas. Como alguém pode se achar com falta de sorte tendo ao lado uma mulher de longos cabelos negros e a pele branca cobrindo suas pernas finas, o que destacava seus lábios rosados, ainda que fossem de um rosado claro. Mas é claro, o problema era óbvio, um pequeno problema para ser mais específico. Nenhuma fantasia sexual, até mesmo a mais clichê delas, envolve uma criança na cena, bom, talvez... Nove meses depois... Quem sabe?

- Manhê, o quequi aconteceu? – Seus olhos amedrontados começaram a se encher de lágrimas.
- Calma Juninho, não deve ser nada de mais. Daqui a pouco o elevador volta a funcionar. – Disse a mãe em tom reconfortante.

Agarrado as pernas de sua mãe Juninho me olhava assustado prestes a chorar. Agora era sua mãe quem me olhava esperando algum tipo de apoio as suas palavras.

Hesitei em falar alguma bobagem sem pensar, mas seus olhos me pediam ajuda, tinha se passado dez minutos e eu ainda estava calado. Éramos dois adultos e uma criança assustada, estávamos presos dentre daquele elevador. Eu precisava tomar frente assumindo o controle da situação, mesmo não tendo controle nenhum sobre nada.

Abaixei-me para ficar a altura do menino.

- Ei, não se preocupa, ok? Ficaremos bem. – Disse com confiança em minha voz.

Ele entendeu a mensagem, engoliu o choro após acreditar nas minhas palavras. Levantei-me, mas não deixei de dar uma rápida olhada para as pernas finas dela.

- Obrigada. – Ela disse apenas movendo os lábios para que ele não perdesse seu momento de tranquilidade.

Respondi com um sorriso envergonhado.

- Prazer, me chamo Sarah.
- Paulo.
- E esse é o Juninho. – Fez um carinho tirando a franja do rosto do garoto.
- Olá. – Respondi.
- Você é novo aqui?
- De certa forma... Estou ficando na casa de um amigo aqui.
- Ricardo, certo?
- Sim, ele mesmo. Eu não saio muito de dentro do apartamento, acho que é por isso que não nos conhecemos antes. – Era isso ou o fato de eu estar evitando contato com outros seres pensantes.
- Não, não. Eu já te vi por aqui algumas vezes. – Puxou uma mecha de cabelo para trás da orelha.

Fiz cara de sofrimento, a maldita dor no estômago voltava para estragar o momento para mim.

- Tá tudo bem?
- Sim... Quer dizer, não. Eu tô com uma dor horrível no estômago.
- Há há há, você tá com vontade de fazer cocô! – Disse o menino.
- Junior! Não tira sarro da dor dos outros. – Repreendeu a mãe.
- Não tem problema, talvez seja isso que me cure desse sofrimento. – Falei olhando pra ele.

Logo que terminei de falar tive vontade de abrir a porta do elevador e me jogar, se é que era possível. Falar que cagar resolveria meu problema? Quem é o idiota que diz uma coisa dessas na frente de uma mulher linda como Sarah?! Eu me odiei tanto que contive a responder apenas e não mais falar o que me vinha à cabeça. Talvez eu precisasse mesmo colocar algumas coisas pra fora, faria qualquer coisa para acabar com aquilo.

Quarenta minutos se passaram, já estávamos entregues sentados no chão gelado do elevador a espera de uma salvação.

- Ninguém sabe que estamos aqui? A essa altura não valeria a pena sair de casa pra levar ele pra escola!

Sarah estava claramente desesperada, o que não contribuía para manter Juninho calmo, por sorte ele havia pegado no sono e o único a se prejudicar com o tom de desespero dela era eu.

Mas o que eu iria fazer? O que eu deveria falar? Eu era a pior companhia que alguém poderia ter naquele momento, talvez fosse melhor estar sozinha dentro do elevador do que estar ao meu lado me ouvindo falar sobre merda...

- Por favor, não me entenda mal tudo aquilo que eu disse antes... Foi só pra fazer o menino não se sentir mal por ter dado risada.

Ela me olhava calada.

- Pra ser sincero eu não tenho vivido a minha melhor fase, o que provavelmente é fácil de perceber. Eu tenho evitado as pessoas, mas... Acho que já é hora de mudar isso. Você gostaria de...

O elevador balançou, a energia do prédio voltou, estávamos descendo novamente. As portas se abriram e enfim saímos do elevador.

- Que alívio! Acorda meu bem, tudo voltou ao normal.

Não adiantou, ela continuava segurando o sonolento garoto em seus braços.

- Acho melhor eu coloca-lo na cama enquanto preparo algo pra ele comer.

Olhei para meu relógio, já passava das 13h.

- Tá bom.

Ela entrou no elevador.

- Paulo! – Exclamou Sarah segurando a porta.
- O quê?
- Eu estava esperando isso fazia um tempo, mas eu cansei. – Disse ela sorridente – Me liga pelo interfone do prédio pra gente combinar alguma coisa, que tal?
- Claro, farei isso!
- Até logo.

Sai com uma expressão de alegria em meu rosto, seria sorte? Não, eu não acredito mais nisso. Era apenas uma questão de autoestima. Minhas dores sumiram, ainda assim iria buscar meus remédios, só por precaução. Não era mais manhã, era o começo do melhor dia daquela semana.

terça-feira, 22 de abril de 2014

Pré-Show


Apoiava minha cabeça pensativa em minhas mãos, mantinha os olhos fechados e a respiração cronometrada. Com alguns drinks e cigarros começava a me acalmar. O pescoço relaxava, o tique nas pernas era constante, mas o olhar mantinha-se focado no que ainda estava para acontecer. No momento em que eu saísse daquele camarim enfrentaria toda a plateia sozinho, isso se não tropeçasse no palco ou entrasse em pânico. Nunca fui bom em manter pensamentos positivos.

Minhas tentativas de manter o controle eram momentâneas. Quanto mais nervoso eu ficava, mais vezes eu revisava meu material para o espetáculo, meu setlist. Não me sentia seguro com meu potencial, não me sentia seguro naquele terno barato, minha barba coçava, meu tique piorava e eu estava bêbado faltando alguns minutos para começar o que nomearam de “atração principal”.

Algumas pessoas ainda estavam dentro do meu camarim bebendo e celebrando a minha grande noite, demorei a me dar conta de que conhecia três, talvez quatro dentre eles. Por sorte me escondia por trás dos meus óculos escuros e da fumaça dos meus cigarros, acendia um no final do outro. Com tapinhas nas costas e palavras de incentivo elas saíram me deixando em paz com meu desespero.

No momento em que todas saíram, tranquei a porta, ou melhor, chutei a poltrona até parar atrás da porta. Cadeiras arremessadas contra a parede, quadros e espelhos rachados com socos e pontapés, cinzeiros atirados pela janela e restos de garrafas espalhados pelo chão. Me acomodei na poltrona novamente, após respirar fundo tomei um longo gole até não sentir mais nada. Podiam arrancar meus dentes naquele momento, eu estava livre.

Fui até o que sobrará do espelho, ajeitei a gravata, puxei os pelos da barba para baixo, assim como meu cabelo. Treinei um sorriso, não conseguia nada perto do que pudesse se chamar de natural. Acendi outro cigarro enquanto tirava a poltrona do caminho.

Podia ouvir o mundo ao meu redor outra vez, as vozes impacientes pela apresentação da noite, os organizadores assustados com o barulho que devo ter feito trancado naquele camarim. A última golada, eu estava livre. O sorriso veio fácil como o tropeço que eu daria ao subir no palco.

As luzes ofuscavam a minha visão, recoloquei meus óculos e então pude ver tudo, uma escrivaninha, um frigobar cheio de cervejas e uma multidão de cabecinhas escuras como sombra, essas cabecinhas gritavam meu nome, já estavam pegando fogo. Eu sentia o fogo dentro do meu peito esquentar cada vez mais. Coloquei meus escritos sobre a mesa, abri uma cerveja e, logo depois de um rápido arroto, dei início ao show.