segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Balanço de Ano


O circo estava montado, envolta da mesa de truco, todos os apaixonados por pinga gritavam, falavam sobre quem ficaria pior até o fim da noite e quem seria o privilegiado no começo da manhã seguinte quando acordaria ao lado da “tal”. Mas, como manda a tradição de fim de ano, alguém tinha de tocar no assunto “balanço de ano”. Sempre tinha o filho da puta pra trazer o tópico para a roda.

- Meu amigo, esse ano eu não pude reclamar de nada! Me casei (...)
- Espera até ano que vem...

Um olhar furioso foi lançado para todos os palhaços da roda que riam daquela piada.

- (...) consegui aquele emprego na firma e finalmente quitei a dívida do carro.
- Pensando assim... Acho que não me dei tão mal.
- Como assim?
- Meu noivado acabou, mas pelo menos fiquei com o barraco, sem prestações!
- As mulheres se vão, nossos barracos nos fortalecem. – Disse o filósofo do sindicato dos cornos.

Continuei quieto, jogando com a paciência do pôquer com uma pilha de latas de cervejas vazias como plateia ao meu lado. Eles continuaram com aquela conversa mole, que na verdade era apenas um discurso para mostrar quem afundou seu barco no oceano, mas manteve o pequeno bote salva-vidas, ou apenas a boia de emergência.

- Eu fico satisfeito que mais um ano se passou e estou respirando para ver a chegada do próximo. E esse sim será O ano!

Todos querem acreditar nisso.

- É isso ai cara, não fica pra baixo por que já tá pra começar o nosso ano.

O sujeito da expressão mais falsa se levantou:

- Um brinde ao novo ano!

Todos os sujeitos se levantaram para um brinde, felizmente, os jogadores profissionais do truco de boteco sabem que a regra do brinde não se aplicava a nós, afinal, estávamos em uma acirrada mão de onze.

A última ceia foi servida, nos juntamos à nossas amadas e desejadas esposas, namoradas e a “tal” para a refeição. Logo após o jantar iríamos contemplar a virada de ano com mais e mais álcool, pelo menos alguns pararam de beber para comer.

- Todos deem as mãos, por favor.

Um mau pressentimento estava no ar, novamente.

- Como este ano todos puderam vir à nossa casa, - Olhava para o marido claramente bêbado – não poderíamos ficar sem esse momento tão importante, não é mesmo? – Uma risada falsa, outro olhar malvado para o marido – Bom, que tal todos agradecermos pelo que de mais importante que nos aconteceu nesse ano?
- Eu só queria agradecer a companhia de todos vocês em momentos difíceis que tivemos nesse ano.
- Meu ano não seria o mesmo sem vocês.
- Com o nosso bebê a caminho, acho que não preciso dizer mais nada.

Apertaram forte a minha mão, “O que foi? Não fui eu quem fez a criança!”.

- Que tal o último brinde?

Novamente, o brinde, desta vez eu participava.

O mar de branco sobre a areia da praia não atrapalhava em nada a minha visão do verdadeiro mar, o oceano continuava a me acenar novos horizontes junto dele um vento forte que levantava e abaixava devagar as pontas do meu cabelo. O céu escuro começou a gritar, piscar e brilhar nos corpos brancos ao meu redor. Meus olhos fixados bem na ponta da parte baixa da garrafa que fazia as luzes coloridas do céu refletirem como pequenos diamantes caindo lá de cima.

Eu não precisava de nenhum balanço ou reflexão para o ano que ficou para trás, dentro de mim havia uma certeza que a minha cabeça tentava entender para colocar em prática, mas isso não era nenhuma novidade naquele momento. Fechei os olhos por poucos segundos como sinal de algum tipo de afirmação relacionada aquele sentimento que coçava o meu cérebro. Enfim pude apreciar o final do espetáculo de fogos no céu.

Naquela noite eu voltei para casa sozinho, por opção minha.

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