segunda-feira, 23 de abril de 2012

Fila Da Desolação

Bob e eu estávamos em sua casa na varanda sentados em suas confortáveis cadeiras de madeira. Era manhã, garoava bastante, nós fumávamos nossos cigarros de palha. Bob andava meio adoentado, por isso teve de dar uma pausa com a bebida, eu não estava doente, tomava uma cerveja bem gelada.

Nós somos melhores amigos, do tipo que conversa sobre tudo, nossos problemas amorosos, econômicos, familiares, sobre politica, sobre música, sobre AIDS, sobre drogas, sobre Os Flinstons, sobre tudo.

Mas nossa amizade ia além das conversas, nós éramos amigos em nosso silêncio também. Estávamos sentados há horas, passamos a madrugada inteira ali, ao som de Bob Dylan e da chuva.

- Acho que eu vou fazer a barba. – Bob dizia passando a mão em seu rosto fazendo caretas.
- É, acho que você está precisando mesmo.
- É... Ei, o que você tá falando?! Já se olhou no espelho ultimamente?
- Não gosto de espelhos. Todas as vezes que me deparo com um, me assusto.
- A realidade é foda.
- Nunca vou me acostumar. Li em um livro que as pessoas fazem caretas diante de um espelho por não verem o que imaginam de si, arrumam cada fio de cabelo até estar perfeito. Mas para os outros, nada mudou.
- Eu te emprestei esse livro!

Bob saiu, foi até o banheiro se barbear, torci para que ele me trouxesse outra latinha.

A chuva me fazia pensar, o frio, o céu cinza e o sentimento de solidão, é um grande carregamento emocional. Tenho em minha memória várias manhãs como está, exceto pela barba, a bebida e algumas cicatrizes, eram todas iguais. Uma delas me é extremamente especial.

Todos dormiam e como de costume naquela época, eu não conseguia pegar no sono, mas sempre me sentia inteiro, era jovem, tinha a vida toda pela frente. Eu me sentei na janela, olhava triste para o céu pensando como seria um dia olhar para ele de manhã e saber que você não iria levantar pontualmente as sete e meia da manhã para, com dificuldades, preparar o café, comprar pão quente recém-saído do forno, leite e presunto. Fui interrompido com a sua presença, seu abraço, seus beijos, era perfeito.

Hoje sei como é viver cada dia sem você. Arrependo-me de muita coisa, de muitas manhãs longe de seus braços. Espero que esteja bem agora, descansando, sorrindo.

- Acorda, te trouxe outra cerveja.
- Obrigado, parece que leu minha mente.
- É fácil saber no que está pensando.
- Sim, fácil...

Ficamos calados por alguns minutos, longos minutos. Estávamos embriagados de sono e cansaço, mas não conseguíamos deitar para dormir.

- Como estão as coisas em casa?
- Nunca sei como dizer. Sinto que melhoram, mas não muda nada. Acho que estão de um jeito, mas parecem de outro e no fim, não sei como realmente estão.
- Que mulher complicada você foi arrumar.
- Novidade.

Demos algumas risadas e Bob continuou com as perguntas, ele queria me ajudar, sabia que eu não estava nos meus melhores dias, nenhum de nós estava.

- Ela não diz nada? Não mostra nada?
- Uma vez ou outra, anda muito ocupada com o trabalho. Mal me aguentei em pé nas últimas semanas, como eu ia saber o que ela queria dizer?!
- Você deveria maneirar, não é fácil manter as coisas em ordem desse jeito.
- Ando pensando nisso, mas é difícil.
- Eu sei.
- Eu queria ser importante para ela.
- Eu sei.
- Como vão as coisas por aqui?
- Difícil dizer, ela não tem sido a mesma. Ou melhor, tem sido cada vez mais ela, para ela, por ela.
- Quer um gole?
- Sim... Mas não posso.

O resto do dia foi melhor. Nos sentíamos bem conforme as horas passavam e não pensávamos muito. Assistimos ao jogo, demos uma volta com o cachorro, falamos sobre qualquer coisa que não fosse relacionado a trabalho. Tinha sido um bom dia, ambos precisávamos de uma pausa de nossas vidas.

Voltei tarde para casa, não veria Mélanie aquela noite, meu único compromisso era com a minha cama, macia, quente e velha, mas ainda era a minha cama, eu sabia exatamente como agrada-la.

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