terça-feira, 25 de junho de 2013

Marcando Território


Foi em um domingo de manhã enquanto eu fazia como mandava o hábito, tomava meu café sem açúcar e lia o jornal, que percebi a situação em que eu estava vivendo. Se passaram duas semanas e eu nem sequer tinha procurado um lugar para morar, estava acampado na casa de Mélanie como um agregado. Era impossível não pensar onde a minha vida foi chegar.

A campainha tocou, fui atender ainda com aquele pensamento flutuando em minha mente.

- Leonard? Mas que surpresa!

Eram os pais de Mélanie, Bernard e Noelle.

- Oi, como vocês estão? Entrem por favor.
- Tudo ótimo, estávamos voltando de viagem e decidimos passar por aqui..
- Onde a Mélanie está? – Perguntou Bernard.

Ofereci sofá num gesto com as mãos.

- Ela tá trabalhando ainda, mas deve voltar pra almoçar.
- A sim...
- E vocês dois, como estão? – Novamente Bernard com suas perguntas.
- Estamos muito bem, nos encontrando juntos como sempre.
- Que lindo! – Disse Noelle.
- Por onde estavam viajando? - Perguntei
- Fomos passar alguns dias no Rio (de Janeiro). Aquele sol todo não é de se desperdiçar.

O velho safado com certeza estava de olho nas mulatas!

A porta se abria, era Mélanie chegando quando já era a hora do almoço. Seu pai assistia Tv, ele amava golf. Eu e sua mãe
cozinhávamos juntos com uma taça de vinho nas mãos.

- Mamãe! Pai! Que surpresa maravilhosa! – Não conteve a alegria em seu rosto.

Eles se abraçaram, trocaram carícias e elogios. Veio até mim, me beijou e pegou uma colher para experimentar o molho que fazíamos para o macarrão.

- Minha nossa, que delícia! Eu não acredito que você fez isso.
- Meu amor, é claro que não fui eu. Sua mãe manda, eu faço.
- Mél, esse menino tem tudo pra impressionar na cozinha.
- E eu não duvido, o problema é o que está em sua mão.

Olhou para a taça.

- Culpa da sua mãe. Ela insistiu, não resisti ao charme.

Me olhou aceitando minha desculpa esfarrapada.

Almoçamos como uma família. Uma família feliz que se reunia poucas vezes, mas a vontade de estar junto se mantinha a mesma.

- Nossa, já é tarde. Eu tenho de voltar pro trabalho, vocês voltam pra São Paulo hoje?
- Sim, mas só de noite.
- Se não atrapalharmos seus planos, gostaríamos de leva-los pra jantar.

Olhamos um para o outro, não entendi o que Mélanie procurava.

- Claro... Por que não?

Mélanie voltou para o trabalho, seus pais saíram durante a tarde toda para da uma volta pela cidade, enquanto isso, eu aproveitei para por o trabalho em dia. Minha coluna estava a toda agora que eu era oficialmente um desocupado sóbrio ex fumante, ex amante... Não estava arrependido, apenas refletindo sobre minhas influências literárias e hobbies para o dia a dia.

Quando eles voltaram, eu já estava no final do processo de edição de texto, meu cérebro mandava a concentração ficar mais nos erros de português e menos na saudade do tabaco. Bernard tomava um banho, Noelle brincava com o pequenino Billy.

- Você gosta de comida japonesa ou prefere italiana?

Porra, eu prefiro o bom e velho bife mal passado, mas como dizer isso? Simples:

- Não sei... Gosto dos dois, o que a senhora preferir.

Não estava mentindo ou fugindo de alguma iniciação de conversa. Eu tinha um trabalho a cumprir, finalmente sentia prazer em trabalhar novamente.

Mélanie chegou do trabalho, por volta das sete e meia da noite, se enfiou no chuveiro, infelizmente, sem a minha ajuda para escolher o que usar por de baixo de sua saia preta de seda ou apenas para esfregar as costas no banho. Saiu do quarto pronta, assim como seus pais, menos eu, é claro, sempre o último, mas como dizia meu pai: não é chique estar pronto no horário. Saudades dos conselhos do velho sabichão.

Fiquei pronto em menos de quinze minutos, coloquei meu terno, gravata fina, o perfume favorito de Mélanie, mas ainda consegui uma apertada forte no braço e a cobrança pelos preciosos quinze minutos de trânsito para chegarmos no restaurante caríssimo que o meu cartão de crédito se recusaria a pagar.

Não tínhamos reserva, mas o “papai” Bernard deu seu jeitinho para nos colocar dentro da festa. O garçom se apresentou, entregou os cardápios e escolhemos rápido, eu nem sequer sabia o que tinha pedido, não sei falar italiano...

Dei uma olhada em volta, eles falavam sobre os futuros trabalhos de Mélanie e sobre a viagem do casal. Muitos casais em volta, todos pareciam felizes demais, muitas rosas sobre as mesas, até um pedido de casamento aconteceu por lá. Dois caras estavam sentados sozinhos em uma mesa, assim como você, eu também pensei nisso, mas olhando bem para a mesa: uma garrafa de whisky pela metade. Eram apenas dois solteirões caçando. Dei uma risada solitária.

- Mélanie! Quanto tempo...

Olhei para quem se aproximou.

- Eduardo!

Filho da puta... Eduardo era um ex-namorado de Mélanie, o viado era um cirurgião plástico daqueles que cobram o olho do cara para tirar tudo o que você tiver em um lugar e colocar em outra parte do corpo, só que um pouco mais empinado. Loiro, olhos claros e o maldito sorriso. Eu tinha ficado sabendo que ele estava de volta na cidade e que ainda pensava na MINHA mulher, que por sua vez esteve em dúvida entre qual dos dois ela escolheria. O escritor com defeito mental ou o cirurgião de pau pequeno e cartão de crédito feito de ouro.

Não podia fazer nada, meus argumentos eram fracos, os pais dela estavam ali e eu era um novo homem, ou melhor, em processo de mudança.

- Le... andro, certo?
- Continue tentado. – Apertei com força sua mão.

- Leonard. – Disse Mélanie me olhando feio.

Soltei a mão dele pra que ela fosse colocada sobre a nuca de Mélanie, que maravilha!

- Eu adoraria que pudesse ficar mais, só que tenho um compromisso. – Ele tentou olhar o decote dela. – Te ligo pra combinarmos um... Cafézinho?
- Claro!

Queria engolir o orgulho, mas engoli toda a água que estava no copo sobre a mesa. Minhas mãos formigavam.
O jantar seguiu no mesmo ritmo, eles conversavam, quando necessário eu respondia, às vezes puxava algum assunto para ter o que conversar, principalmente com Noelle.

- Leo?
- Sim.
- Você não respondeu a minha pergunta.
- O que você disse?
- O que quer de sobremesa?
- Nada... Só um café, sei lá.
- Café?
- Você está bem Leo? – Perguntou Noelle. – Parece distraído.
- Coisas do trabalho, nada demais. Eu vou querer o que você pedir Mél.
- Tá.

Paguei metade da conta, Bernard não queria que eu pagasse nada, eu deveria ter aceitado...

Os dois foram na frente até o carro, eu esperava Mélanie voltar do banheiro. Pude ver Eduardo sentado em sua mesa com uma acompanhante morena, alta e bela. Ele sorria olhando para mim. O destino me amava. Seu sorriso aumentou quando viu meu claro descontrole com as batidas com a ponta do pé no chão, acenou para mim... Era um homem morto!

Parei ao seu lado na mesa, ele continuava com sua cara de deboche e superioridade.

- Desculpe atrapalhar, mas posso perguntar uma coisa?

Soltou o ar de deboche olhando para sua acompanhante com desprezo pela minha interrupção.

- Você é um cirurgião, certo? Eu queria saber uma coisa...
- Seja rápido, por favor, estamos tentando jantar aqui.
- Há dois tipos de acidentes, o proposital e o “acidental”. Suponhamos que os freios do seu jaguar lá fora sejam cortados, você
sofre um acidente de carro e teria de passar por uma reforma física.

Ele estranhou o tom da conversa.

- Mas se acidentalmente um garfo ou uma faca caísse sobre a sua mão, que assim como a minha, é o seu objeto de trabalho. Bom, vamos direto ao ponto... Qual você teria mais trabalho para corrigir?

Ele estava assustado. Antes que dissesse algo, olhou para o garfo em sua mesa, para mim e novamente para o garfo. Rapidamente colocou sua mão sobre o talher. Eu sorria. Com a mesma velocidade acertei um cruzado de direita em seu olho esquerdo, ele caiu com a cadeira.

- É sempre bom falar com você “Dudu”.

Alguns funcionários se aproximavam enquanto eu já me direcionava para fora do restaurante, Mélanie me esperava na porta, ela viu toda a cena.

- Eu nunca tive de escolher entre vocês, sempre soube quem era o meu homem.

Ela estava dentro da minha cabeça?

- Feliz dia dos namorados seu brigão. – Me beijou com tanta vontade que eu mal tive tempo de pensar, apenas respondia com a língua.

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