segunda-feira, 18 de março de 2013

Tudo em Seu Lugar

O céu desabava lá fora, acordei com uma sequência de trovões de partir um carro ao meio. Eu estava suando muito, andava tendo muitos pesadelos com facas, dor, ódio e rancor, nada agradável para alguém que tem insônia crônica. Olhei para Billy que dormia ao meu lado na cama, ele nem notava o terror que se passava na rua.

Fui até o banheiro lavar meu rosto, minhas mãos tremiam novamente. Até mesmo um homem barbado pode se assustar com uma tempestade, talvez o motivo fosse alguma lembrança reprimida da infância voltando à tona com todo aquele barulho.

Olhei no relógio, 4 horas da manhã. Não conseguiria dormir, por que não comer algo? Um velho gosto que eu tinha era cozinhar, nunca fui um grande aluno, afinal acabava esquecendo como fazer algumas coisas, mas a vontade de aprender nunca ia para muito longe. Abri uma cerveja, enchi meu copo. Tomei tudo em um gole, enchi novamente, dei um pequeno gole para evitar que derramasse.

Procurei ingredientes. Um pouco de arroz, miojo, ovos, bife, hambúrguer e sanduiche congelado. Peguei dois ovos, dois hambúrgueres e o arroz, simples, mas seria o suficiente para meu lanche da madrugada.

Comecei a bagunça, é muito divertido cozinhar de madrugada, não me pergunte o porquê, apenas é. Foi algo tão relaxante, misturado com cerveja, que até me esqueci da tempestade. Depois que comi foi fácil voltar ao terror dos meus sonhos.

Acordei com o latido da pequena criança brincando com sua bolinha verde. Fiquei um pouco deitado pensando em algumas palavras de um poema que estava na cabeça há dois dias. Gostei do que surgia, poesia sempre me alegrava quando me fazia sentir aquela realização do criador.

Levantei devagar, joguei a bolinha para Billy pegar e entrei no banheiro. Tomei um banho demorado, a melhor solução para curar uma ressaca é essa, banho, escovar os dentes e tomar um bom café. Me olhei no espelho, peguei o pente para a barba... Deixei-o na pia e fui me vestir. Depois de deixar o pente da barba de lado, é quando tenho a certeza que abandonei as aparências e o copo é o que importa no momento.

Billy largou a bolinha e permanecia deitado calmo escutando a discussão que vinha lá debaixo, no bar. Não me envolvia mais quando acontecia isso, já tinha confusões de mais no meu currículo, gosto de morar ali, era melhor apenas cuidar do meu fígado.

Eu tinha aceitado um trabalho em uma revista eletrônica sobre literatura nacional, nela apenas os “anônimos” eram publicados. Meu trabalho era simples, escrever o que me viesse à cabeça. Poemas, contos, pensamentos revolucionários, cartões postais, receita de sorvete com cachaça... E eles realmente me pagavam, não muito, não o suficiente para cobrir o aluguel, mas fazer o que? Trabalho é trabalho, ninguém te diz o quão difícil é viver de sonhos, mesmo que digam, não há como sentir até ter de sobreviver.

Ascendi um cigarro, peguei um copo e abri o armário a procura de um bom whisky. Nada, não havia nada além de meia garrafa de vinho e garrafas com uma, no máximo duas gotas dentro. Procurei por toda a casa, embaixo da cama, na geladeira, dentro do forno, atrás da máquina de escrever, no banheiro, não era possível, minha casa não tinha uma garrafa para me acompanhar em meu ritual de escrita.

Olhei para Billy e disse:

- Garoto, não me espere acordado. Eu sei, não deveria ir lá, mas estamos vazios aqui em cima.

Ele inclinou a cabeça, levantou as orelhas e me encarava sem entender uma palavra que eu dizia.

Peguei meu casaco, meu cigarro e desci.

Entrei no bar, os vagabundos de sempre, alguns novos, eram esses que discutiam sem parar de cuspir enquanto gritavam. Desviei da confusão, encostei-me ao balcão. Arthur atendia do outro lado, fez sinal que eu esperasse um pouco. Augusto, o velho tarado do 26, estava sentado ao meu lado no balcão.

- Que porra toda é essa?
- As “meninas” estão ai o dia inteiro, discutem sobre tudo, truco, jornal, futebol, banco... A última dose desceu pesada em ambos, ai a coisa pego fogo quando começaram a falar da mulher do camarada da direita, de camisa azul.
- Não ouvi nada, pera ai, que dia é hoje?
- Domingo.
- Puta merda! Eu dormi o dia inteiro?

Nesse momento percebi que o céu continuava escuro.

- Riá riá riá! – A risada do velho era exótica demais para os conservadores de plantão.

Arthur chegou para me atender. Colocou minha dose por conta da casa como de costume, tomei sem piscar.

- Fala Leonard Pessoa! Não aparece há um tempo hein, o que anda batalhando naquela velha máquina?
- Tentando me manter fora de confusões para conseguir batalhar por algo.
- Não diga que nós lhe causamos confusões, olhe ao seu redor, não há com o que se preocupar.

Arthur falou cedo demais.

- SEU FILHA DA PUTA! Levanta e me fala olhando na cara seu cabra safado!

O de camisa azul se levantou furioso, a cadeira caiu, seu rosto estava vermelho.

- Vagabundo, eu se que você traço ela! Agora vem com essa conversa mola, eu vô te fura, vai engolir esse saco peludo!

Ele tirou uma faca da cintura. Todos se afastaram assustados, o cara da frente se levantou meio cambaleando, mas também muito irritado.

- Meu pai, agora fodeu! – Disse Arthur. – Vão me destruir o bar, assim eu perco tudo.

O velho apenas dava risada quando começou a voar cadeiras e garrafas, o sentimento se espalhou e a confusão passava por quase todos. Eu não sabia o motivo de todos estarem se engalfinhando porque um corno bêbado queria arrancar as bolas do cavalheiro que traçou sua amada e fiel esposa. O companheiro tem seu direito.

Um cara caiu em mim, o joguei para o lado, olhei para frente e outro vinha em minha direção segurando uma garrafa sobre a cabeça, ele gritava. Com o antebraço o impedi de me acertar com a garrafa, então acertei um soco em sua costela e três no rosto, ele caiu de lado. Outros me olhavam no canto do bar, um deles vinha em minha direção. Eu teria de acabar com a confusão pela raiz, teria de pegar o cara da faca.

Ele se preparava para pegar o traidor, mas um cara vinha por trás para acerta-lo desprevenido com o taco de bilhar na mão. Corri em sua direção, peguei o taco, começamos a disputa-lo. Acertei um chute em seu joelho direito e bati com o taco em seu nariz, em seguida bati duas vezes na barriga, até ele cair e receber um chute na costela.

Voltei minha atenção para o corno com a faca na mão, ele me olhava como se eu fosse o esperma que entrará na bocetinha apertada de sua mulher pecadora. Ele bufava, veio para cima com a faca, dei um passo para trás desviando da faca. Outra investida, mais uma vez fui para trás, ele era rápido, consegui acertar minha camisa.

- Ei, vá com calma. Eu tô do seu lado, sei como é o peso na cabeça. – Tentava argumentar para acalma-lo. – Não precisamos seguir esse caminho companheiro.

Aparentemente falar dos chifres de outra não é a melhor forma de acalmar um chifrudo com uma faca apontada para sua barriga.

Eu já estava quase encostado na parede, teria de agir de uma vez. Novamente tinha aquela faca vindo pronta para rasgar meu estômago, desviei com um passo para o lado. Segurei seu braço junto ao meu corpo, acertei dois socos na barriga, uma cotovelada no rosto, ele soltou a faca. Em seguida um taco de bilhar veio de trás na minha nuca, fiquei tonto e soltei o corno, mal via de onde vinham os golpes, um soco no olho direito, outro na barriga, chutes nas minhas pernas para que eu caísse e recebesse mais um chute no rosto. Eram os dois que me encaravam antes.

Um tiro no vazio encerrou o espetáculo, Arthur finalmente pegou sua arma atrás da caixa registradora e pôs fim no meu sofrimento.

- Pra fora daqui seus desgraçados! Rápido, vão!

Todos saíram correndo, ficaram apenas dois bêbados que não haviam se levantado durante a briga, apenas olhavam tomando suas cervejas.

As coisas se acalmaram, eu tinha um saco de gelo na nuca e o sangue já estava estancado. O velho ria, Arthur também, mas agradeceu a ajuda. Tomamos duas cervejas para por a cabeça em ordem.

- Já chega, preciso subir e terminar meu trabalho.
- Obrigado pela ajuda, novamente.
- Sem problemas Artie.

Peguei minha garrafa de whisky, um saco de amendoins e um maço de cigarros de palha.

Billy dormia em minha cama, joguei o saco de gelo que já era praticamente liquido na pia, abri a garrafa e me servi algumas doses. Sentei de frente para a máquina com um copo gelado no olho roxo, depois de uma tragada revigoradora coloquei o papel na máquina e comecei a escrever aquele poema que pensei logo quando acordei. Nada melhor do que um bom poema depois de uma grande confusão.

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