sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Magia de Natal

Acordei com o som da chuva forte batendo na janela. Morfina não estava ao meu lado, já tinha saído para trabalhar. Levantei, cocei, peguei um cigarro no criado mudo e fui me aliviar. Depois fui até a cozinha pegar um copo d’água, sentei para ler o jornal e encontrei um bilhete em cima da mesa, era de Morfina:

“Bom dia querido, espero que não esteja novamente de ressaca. A noite passada foi realmente muito divertida e memorável, foi incrível estar com você e acordar ao seu lado. Mas preciso ser sincera... Depois do que conversamos e de ver as marcas em seu rosto hoje cedo, não pude evitar repensar minha vida. Você estava certo, meu passado é um enorme circulo de problemas, principalmente meus últimos relacionamentos e eu não quero te envolver nisso. Infelizmente sei que preciso fazer isso. Não podemos continuar juntos, espero que me entenda.

Obs: Ainda quero outra noite ao seu lado. Beijos, sua Morfina.”.


Eu entendia o que ela queria para si, sabia que estava fazendo a coisa certa e fiquei feliz por Morfie. Sentiria saudades daquelas pernas macias sobre mim. Fiz um café para acompanhar outro cigarro. Juntei minhas coisas, terminei meu café e sai, ainda chovia, mas não me incomodava, apenas seguia meu caminho.

A chuva começava a apertar cada vez mais, continuava não me incomodando, mas não haviam condições de chegar em casa daquele jeito. Então fui ao shopping, o primeiro lugar que encontrei para me distrair.

- Com licença senhor. – O segurança se direcionou a mim.
- Sim? É comigo?
- Sim, senhor. Não é permitida a entrada de bebidas alcoólicas no estabelecimento. Eu vou ter de pedir para o senhor jogar fora a sua cerveja se for entrar no shopping.

Eu tinha comprado umas latas de cerveja depois que sai da casa de Morfina.

- Jogar fora? Não seja por isso. – Virei à metade que faltava da lata, depois a joguei no lixo. - Pronto.
- Uau! Bom, obrigado e desculpe pelo incomodo.
- Tudo certo chefe.

Há um bom tempo não ia a um shopping, sempre me perdia e tinha a sensação de ser o único estranho no local. Talvez fosse a barba, apesar de nunca me sentir mal pela minha preciosa. Eu era indiferente, as pessoas são sempre cheias de frescuras em lugares com muita “exposição”, na verdade eu me sentia bem sendo diferente de certos babacas.

Dentro de um shopping não há o que fazer nunca, a não ser gastar dinheiro que não temos em comida, roupas ou em um cinema. Eu sempre ia direto para a livraria. Gostava do ambiente, o cheiro dos livros novos é algo sempre agradável, novos livros são sempre bem vindos afinal de contas.

Fui cumprimentar velhos conhecidos da LP&M pocket, sou colecionador fiel dos livros da LP&M. Porém, me deparei com um livro que não havia encontrado antes. Sua capa me chamava atenção por ter três homens de roupas gastas, um deles com uma lata de lixo na mão e o outro ajudando o terceiro a acender uma ponta de cigarro. Sempre me interessava por livros com “vagabundos”. O nome era “Na pior em Paris e Londres” de George Orwell. Peguei.

Conhecia pouco sobre George, apesar de ter algum livro perdido em casa e meu pai também ter, não me lembrava de seus textos claramente, apenas de um clássico: "Revolução dos Bichos". Decidi redescobri-lo, por que não dar uma chance a um novo livro? Gostaria que todos pensassem assim quando vissem meu nome na capa de um livro jogado nos cantos de alguma livraria...

Passei algumas horas me divertindo no recinto antes de pegar a fila para comprar meu novo achado. Na fila, outra surpresa. Reconheci uma mulher de cabelos castanhos. Era uma amiga de outras épocas, Marina.

Fiquei em dúvida se deveria aborda-la, mas antes de concluir meu pensamento, ela se virou e veio em minha direção.

- Leo! Meu deus, quanto tempo.
- Oi Mari. Sim, muito... Você está diferente, cortou o cabelo, parece mais sorridente. Está ótima.
- Você dizendo de mim? Já viu o tamanho da sua barba? Linda!

Marina sempre foi diferente das outras nesse sentido, ela não se importava com a aparência física como muitas pessoas. Ela simplesmente gostava de boas conversas, boas companhias e uma boa garrafa de vinho.

- Veio fazer compras para o natal? Está meio em cima da hora, hein.
- Natal?
- Leo, hoje é dia 24 de Dezembro.
- Puta merda! Serio? Nossa, eu ando meio perdido depois que sai do hospital...
- HOSPITAL? O que aconteceu?
- Nada. - Saiu sem querer.
- Como assim?
- Eu fiz trabalho voluntário em um hospital recentemente. Me sentia sensibilizado pelos deficientes.
- Conta outra.

Ela sorria o tempo inteiro, parecia viva por dentro e por fora.

- Você está linda.
- Obrigada, você continua com esse seu jeitinho.

Não há como esconder, é sempre bom rever uma ex-namorada, quer dizer, quando no fim do relacionamento não houve brigas, choros e garrafas pelo ar, então sim, é sempre bom. Surge um sentimento de saudade que não havia antes quando não há contato. A melhor parte é que esse sentimento é reciproco.

- Se você nem lembrava que era natal, pelo jeito não tem planos, certo?
- Nada.
- Que tal mais tarde eu te ligar para tomarmos um vinho?
- Vinho, sempre vinho. Claro!

Passei meu telefone para ela.

- Eu preciso ir agora, tenho de encontrar minha mãe para dar um beijo e toda aquela baboseira. Eu te ligo mais tarde Leozinho.

Sorrisos.

- Ótimo.

Dei um leve beijo em seus lábios. Ela se foi.

Ainda chovia forte, mas a chuva dava sinais de que logo iria parar e eu finalmente poderia voltar para meu lar. Caminhei pela ultima vez antes de ir embora. No centro do maior salão do shopping tinha uma casa com detalhes vermelhos e verdes, falsa neve em volta, mulheres lindas vestidas com roupas nos mesmos detalhes da casa e um velho gordo de barba branca e cara de tarado sentado em uma cadeira.

- MAMÃE ELE APERTO MINHA PERNA E SUBIU!
- O QUE?! SEGURANÇA! SEGURANÇA!
- É mentira desse moleque! Tire suas mãos de mim seu filho da puta!
- Levem esse palhaço daqui agora! Francisco chama o substituto!

Entrei em uma loja de animais.

Olhei em volta, todos os pais e as crianças mimadas rodeavam os cachorros de puro sangue, os pássaros mais coloridos, os peixes de três cores e os gatos gordos. No canto da loja encontrei um bicho diferente. Ele era inteiramente preto, apenas uma pequena mancha branca no peito. A orelha machucada no meio, o olho esquerdo fechado, ele não enxergava com aquele olho. Mas algo havia nele, dentro de seu único olho bom era possível ver alegria de um jovem cachorrinho louco por diversão e amor, era tudo que ele queria da vida.

- Ei, o que há de errado com ele pra deixa-lo de canto? – Perguntei.
- Não vê? Ele está todo machucado para um filhote, é o único que não foi adotado ainda.

Meu sangue subiu, eu estava pronto para quebrar aquele cara no meio.

- Eu vou levar ele.
- O senhor pode ver aqueles ali da frente, estão em bom estado e com bom preço.
- Eu disse que vou levar ele.
- Mas...
- Mas é uma porra, eu já disse que quero levar ele! E outra coisa, não me venha com essa de “bom estado”, eu vejo essas espinhas na sua cara e não digo que você está arregaçado demais para entrar em um lugar como esse. Agora me da a merda da ficha pra eu assinar e levar o meu cachorro.
- É... Eu... Quer dizer, sim, claro.

As crianças me olhavam como o papai noel malvado, seus pais não acreditavam no que ouviram. Assinei a papelada, não paguei um centavo por que ele estava “mal” para por algum preço. Filhos das putas!

Finalmente estava em casa, ainda passei em um supermercado para comprar comida para o bicho e cerveja para o dono. Logo de cara o pequenino se encontrou em nosso aconchego e em minha cama. Bom, seu rosto sorridente facilitou as coisas para dividirmos minha cama.

- Seu safado, vou te chamar de Billy.

Ele me mordia, lambia minha mão, abanava o rabo, estava feliz finalmente. Maldita mania dos cachorros em me morder por diversão, deve ser a minha cara de taxo que passa essa expressão de mordedor.

Era bom tê-lo ali comigo, era um motivo para voltar para casa todas as noites com um sorriso.

Os fogos começaram, afinal, de quem foi à ideia de atear fogo no céu por causa do natal? Querem matar o velho para ficar com todos os presentes?

Billy ficou agitado, dei sua refeição natalina, abri a minha lata de natal acompanhada de uma bela garrafa de uísque, então começamos a celebração de outro dia para estarmos vivos.

Quase duas horas depois, Marina me ligou, disse que estaria vindo para minha casa com sua garrafa de vinho. Essa sim era a verdadeira magia natalina!

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