segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Morfina

Meus olhos doíam por conta da claridade, o quarto era inteiro branco, não sei quem achou que deixar um paciente dentro de um quarto completamente branco era algo que o acalmaria em um estado ruim. Eu me sentia como uma ideia pré-matura dentro do infinito dos pensamentos vazios.

- Bom dia, campeão.

Reconhecia aquela voz.

- Alex? Cacete, como eu vim parar aqui? Eu morri? – Tudo ainda era confuso.
- Relaxa, um babaca te pegou com o caro. Estava chapado e furou o sinal vermelho.
- Que cagada...
- Ainda não sei como, mas entraram em contato comigo e estou aqui desde manhã. Bob foi apertar um lá fora, nós ficamos assustados.
- Valeu, é sempre bom ter vocês por perto.

Mais tarde eu descobri o porquê apenas eles estavam ali. Papai teve um compromisso, mamãe estava na praia, meus irmãos nem ficaram sabendo do ocorrido. Sinto-me tão seguro.

- O que eu ainda faço aqui?
- Você levou uns pontos na cabeça, mas está em forma.

Entrou a típica enfermeira dos sonhos. Rosto simpático de expressão tranquilizante, lábios vermelhos, cabelos castanhos, pernas, bunda, peitos na medida.

- Olá, que bom que acordou. Esta na hora de trocarmos o seu curativo.
- Uau... – Mal sabia como reagir. – Olá, enfermeira Morfina.
- Morfina?
- Sim, você me trouxe o mesmo efeito.
- Pra certas partes... – Sussurrou Alex, pelo menos ele achava que o tinha feito.

Alex teve que sair, ele não aguentava ver machucados ou sangue.

- Como você se sente? – Começou a trocar meu curativo.
- Bem melhor agora. – Seus peitos me tocavam.
- Então você é do tipo que prefere morrer jovem e bonito?
- Não, não me acho grande coisa.
- Você é bonitinho, mas se continuar assim acabará logo.
- Não é uma fã, certo?
- Vi na sua ficha que era escritor, consegui ler algo na internet. Gostei.
- Não te agrada meu estilo de vida. Você vê desgraças de mais, é por isso. No seu lugar, eu beberia o dobro.
- Não sou de beber muito.
- Você é uma graça, Morfina.

Ela sorria enquanto saia com aquele rabo enorme balançando.

Me deixaram sair para dar uma volta e respirar um ar puro. Fui fumar um cigarro com Bob e Alex.

- Ó ar puro!
- Esse lugar me dá arrepios. – Disse Bob.
- Odeio hospitais, é o centro das doenças. – Eu disse.
- Foda... – Disse Alex.

Voltamos para meu quarto, enquanto eu esperar a segunda a enfermeira ajeitar meu curativo, ela mal parava para respirar. Bob e Alex falavam com Morfina. Malditos amigos, era a minha garota. Olhavam para mim, sorriam e se foram. Novamente estava sozinho.

Um homem não deve ficar só em um momento como este. Não me refiro ao acidente, mas sim ao local e o sentimento que ele trás. Ao redor haviam doentes terminais, remédios para dor, médicos que não exercem sua profissão, em todos os lados está ela, a morte.

No outro dia recebi a notícia de que queriam me fazer um teste psicológico para definirem se eu seria ou não levado para a clínica de reabilitação.

- Mas que porra? Enfie essa merda no rabo!
- Calma, você não esta são. – Tentava me levar no papo a segunda enfermeira.
- O que? Eu estava bem até um filho da puta tentar me matar. Não preciso disso, este lugar que me enlouquece. É por isso que vocês ainda me seguraram aqui? Reabilitação?
- O senhor tinha álcool suficiente no sangue para derrubar um gorila.
- Leve o seu gorila para o teste. Eu não farei essa merda!

Morfina entrou, estava linda e calma.

- Leo, vamos, fique calmo. Se não há nada de errado, mostre a eles.

Agora ela me queria? Vaca. Como todas, quer se mostrar superior por ter algo além de amor por entre as pernas.

Tomei um calmante e aceitei uma breve conversa.

- Olá, Leonard. Você está ciente do que nós faremos aqui, certo?
- Depende do que quer dizer com “nós”... Sim, estou ciente.
- Daremos inicio ao acompanhamento psicológico. Como você se sente?
- Eu me sinto e isso já é suficiente. Estou vivo.
- Sim. Emocionalmente, como está?
- Excitado, puto, cansado. O que você quer ouvir? Vamos direto ao ponto, doutor.
- Leonard, você sente falta da bebida? Como foram seus dias aqui?
- Deprimentes. Ao meu redor há apenas desespero.
- E a bebida?
- Como você se chama doutor?
- Wagner. Por favor, responda a minha pergunta.
- Wagner, você bebe?
- Sim, casualmente.
- Wagner, eu vou te dizer o que faremos. Você vai entrar para um acompanhamento psicológico e em seguida para a reabilitação, pois você é um alcoólatra.
- Não, espere...
- Sim, você é, não eu. Na verdade, sou o mais sóbrio e são aqui.
- Vamos retomar o acompanhamento, não fuja do assunto, nem tente me distrair. Como são seus dias?
- Não tão ruins como algumas noites. E sim, bebo, mas não preciso de ajuda. Loucos são os que não tomam consciência de seus próprios pensamentos.

Ele se calou, me olhava sem saber exatamente o que fazer. Olhava a faixa em minha cabeça.

- Doutor, nós acabamos por aqui. – Levantei, abri a porta. – Até a próxima sessão, meu velho.

Estava livre outra vez. Peguei minhas coisas, troquei de roupa e sai daquele manicômio. Deixei aqueles monstros para trás. Bem na frente do hospital tinha uma velha padaria, entrei para me refrescar. Pedi uma dose e uma cerveja. Os velhos olhavam para a faixa branca e para o copo em minha mão, eu me virei para eles.

- Um brinde aos santos que criaram essa maravilhosa bebida que um dia nos matará – Os olhares se voltaram para meus olhos. – de prazer!

Eles abriram um sorriso enorme. Deu-se inicio a vida puritana.

O álcool subiu rápido em meu sangue, os remédios contribuíram para isso. Logo estávamos em vivendo em fleches. Tive a sensação de que éramos piratas com nossos copos estourando em brindes no ar, as conversas gritadas e o alegre caos no ambiente. Éramos verdadeiros piratas, io ho, io ho!

Acordei ainda bêbado, minha cabeça doía e meus movimentos eram lentos, pense se tudo aquilo não passou de um sonho.

- Caralho... Tenho de me acostumar com isso.
- Acostumar com o que?

Arregalei os olhos, Morfina estava em pé na minha frente segurando um copo d’água e um remédio. Ela usava apenas uma camisa social branca, tinha as pernas grossas e brancas nuas se aproximando das minhas mãos. Meu coração acelerou, a respiração ficou ofegante com longos intervalos. Se aquilo fosse um sonho, eu não queria acordar.

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