terça-feira, 26 de junho de 2012

Direção Certa

- Sejam todos bem vindos a Exposição Literária de Escritores da Região. Esperamos que vocês possam apreciar as obras apresentadas. Estaremos servindo bebidas e petiscos durante toda a exposição, que terminará às 23 horas em ponto. Tenham uma boa noite! – Anunciou o anfitrião do evento.

Era uma noite importante, meus escritos estariam sendo expostos no local. Mélanie usava um vestido preto, com detalhes brilhantes e saia até a metade das coxas, ela havia comprado ele especialmente para a ocasião. Eu também estava bem vestido com meu smoking preto e com Charles cheio até a tampa com uísque para acalmar meus nervosos, afinal eu teria de apresentar meus trabalhos para o público. É estupidez fazer um artista ter de explicar sua obra, não importa qual seja, está ali, escrita, desenhada, pintada da forma como o autor pensou. O trabalho já foi feito, agora basta interpretar, usar um pouco do que resta da inteligência dentro de suas cabeças. A pior coisa para um artista é apresentar seu trabalho, é aquela pessoa não entender a mensagem dentro da arte.

- Em fim a grande noite! – Bob chegou todo elegante com sua nova acompanhante, Melissa.
- Sim... Finalmente. - Respondi.
- Nervoso?
- O que acha meu velho? – Tomei uma golada.
- Relaxa, você escreve bem pra caralho, as pessoas te adoram.
- Não é isso... – Peguei um copo de uísque com o garçom e comecei a tomar.
- Não é esse o temor dele, Leo tem medo de palco. Acha que sua voz muda, que seu comportamento fica diferente e que todos o odeiam. – Interviu Mélanie.
- Leo, fica tranquilo cara, toma mais um gole e vamos fumar um cigarro. Você se sairá bem lá na frente, confie em mim irmão. – Tranquilizava-me Bob.
- Meu caro, mas que bela noite não? – Disse alguém que se aproximava.

Era outro escritor, o pior dos tipos, aquele que se acha o melhor mas não admite isso e ainda se considera o mais culto dentre todos ao seu redor, seu nome era Thiago Fernando de Souza, quem nesse ramo se chama Thiago Fernando?

Ele era um babaca. Estava com suas roupas de alta classe, seu topete levantado, a barba “para fazer” mas muito bem feita, seu sorriso idiota na cara, os olhos verdes, cara estúpida... Eu queria soca-lo quando reconheci a voz grossa soando em meus ouvidos.

- O que você quer? – Respondi.
- Apenas cumprimenta-lo e desejar boa sorte a meu companheiro de ofício.
- Não existe amizade entre concorrentes, é isso que somos, concorrentes. Você quer o meu pão, e eu quero o seu. Odeio o seu trabalho e você odeia o meu.
- Leo, não fale assim com ele somente por que está nervoso. Olá Thiago, há quanto tempo. – Mélanie novamente interviu.
- Olá minha nega, como você está?

Deram um abraço apertado e um beijo no rosto. Bastardo, essa é a minha mulher.

- Estou ótima e você? Nervoso também para a apresentação?
- Melhor impossível, ainda mais quando tenho o privilegio de estar em sua companhia. Nervoso? Jamais, me acostumei com esse tipo de evento, afinal faz parte do trabalho não?

Riram como dois idiotas.

- Como é bom vê-la novamente querida, você não sabe como eu sentia falta desse seu jeitinho e de como você puxa o...

Bob me puxou para o canto.

- Calma, não comece a ficar puto.
- Maldito, você me conhece melhor do que eu mesmo. Olhe para eles, dois babacas.
- Relaxa você não precisa inventar merda pra cabeça, ela é sua mulher, não de um babaca qualquer. E quem é esse cara?
- É um idiota metido a escritor culto que ela jura ser um grande amigo, mas eu sei quem ele é e o que passa naquela cabeça estupida dele... O escroto deve pensar enquanto olha para os lábios dele como seria beija-los, tenho certeza disso!
- Viu? Você mesmo sabe que ele é apenas um idiota que quer o que não pode e nunca terá, no caso, é a sua garota.
- Eu quero ir até lá e soca-lo até tirar o sorriso mongol da cara dele!
- Leo, para com isso! Anda, vamos dar uma volta.

Por mais que eu não quisesse deixa-los a sós, eu sabia que era melhor sair com Bob para esfriar a cabeça, eles são amigos, não poderia fazer nada para impedir isso.

Andamos, bebemos, Bob olhava para a bunda de todas que passavam a cinco cm de distancia e dizia alguma piada besta. Nada de novo naquilo tudo, nem no lugar. Decoradores sem criatividade...

Saímos para fumar.

- EI, LEO! TO FALANDO COM VOCÊ HÁ MEIA HORA, TA ME OUVINDO?
- Oi... Desculpa, eu me distrai com o céu...
- É, com o céu, sei...
- Bob, eu to bêbado, minha mulher tá com outro cara ao invés de estar aqui cuidando de mim e me ajudando a me preparar pra apresentação... Era pra ser uma noite importante para nós, e o que eu ganhei com isso? Nada cara, eu to sozinho outra vez.
- Mas que porra deu em você pra fica tão sentimental? Essa merda não é uísque, tá tomando hormônio feminino?

Dei um soco em seu braço.

- Você precisa de uma viagem, e eu sei muito bem para onde. – Ele sorria.
- Do que você tá falando?
- Um lugar onde cachaça brota do chão, a nicotina está no ar, no topo dos morros tudo que se pode achar é paz, sossego e uma cadeira te esperando para apreciar tudo isso em uma dose. O paraíso que tanto amamos, Pedralva.
Rimos descontraídos, como se nada houvesse acontecido, minha cabeça estava limpa, sem pensamentos negativos e eu não estava bêbado. Voltei a realidade.
- É você pode ter razão... Mas ela ainda está lá com outro.
- Isso tudo é coisa da sua cabeça...

Interrompi.

- Caralho, eu to bêbado, não surdo! Você já disse isso mil vezes e eu sei que não é tudo da minha cabeça... Agora anda logo, vamos lá pra dentro.

Voltamos para o evento. O número de pessoas presentes parecia estar maior a cada canto que eu conseguia olhar e diferenciar pessoas de paredes. Procurei Mélanie, sem sucesso. Até que notei seu perfume presente ali, próximo ao palco aonde eu iria me apresentar. Thiago a segurava pelo braço fazendo caricias, ela notou meu olhar, mas antes mesmo disso, já havia tirado as mãos do infeliz.

- E agora, aqui neste palco para um rápido bate papo sobre suas obras, o nome da escrita Bukowskiana: Leonard Cocain.

Uma luz ascendeu sobre mim, olhei ao redor muito tonto. Pus a mão em frente aos meus olhos para evitar ficar cego, respirei fundo, foquei minha raiva e meu ódio pelo mundo naquele momento em minhas pernas, para terem força suficiente pra me tirarem o quanto antes dali. Fui até o bar depois do salão de eventos.

- Desce mais uma. – Pedi ao garçom.
- Noite difícil, hein?
- Desculpe, eu não ouvi nada. Droga, eu to bêbado e surdo.
- Há há há. Aqui, essa é por conta da casa.
- Você é o melhor!

Uma mão delicadamente descia do meu ombro até minha mão com minha dose ainda cheia.

- Sabia que te encontraria aqui, meu amor.
- O que foi, cansou da festa?
- Você está aqui há duas horas, Bob me disse o que aconteceu. Vamos para casa meu querido, você não está bem.
- Eu estaria melhor dentro de um barril de pinga! – Minha voz soava como a de bêbados de desenhos animados, com soluços e tudo mais.
- Não deixe que o álcool fale por você. Pare de baboseira e me deixe te ajudar a levantar. Onde estão as chaves do carro?
- Ele está bem? O que houve companheiro? – Thiago surgiu para alegrar mais minha noite.

Levantei com o impulso da raiva, Mélanie deu um passo para trás assustada. Agarrei-o pelo colarinho com uma mão e o forcei contra o balcão.

- Olha aqui seu filho da puta metido. Não encoste mais na minha mulher, não tente entrar em contato com ela. Quem você pensa que é para chama-la de “nega” ou de “sua”? – Aproximava meu rosto ao dele devagar, para afronta-lo com meu bafo. – Vocês não são mais amigos, entendeu? Nunca foram. O tempo todo você pensava em entrar nela, mas agora chega, eu não vou aguentar esse monte de merda calado. Chega perto dela ou de mim outra vez que eu te faço engolir essas merdas de poemas todos entendeu?
- Leo, se acalme, por favor. Ele não fez nada de errado, apenas conversamos.
- Sim, apenas conversamos. Eu me precipitei, mas não pude me conter ao olhar para ela ali parada lendo...


Todos ficaram mudos, não existia mais som, apenas imagens se mexendo diante de mim. Meu copo caiu no chão, minhas mãos imploravam por um golpe certeiro naquele rosto de burguês que ele tinha. Mas não foi isso que aconteceu. Eu me contive como nunca antes havia feito, tomei fôlego e sai dali com Mélanie em meus braços, deixando para trás um ser que não valia um mero soco nos dentes. Ele é um verme tentado me passar para trás, mas isso não irá acontecer, ninguém me passará para trás, nem mesmo minha cabeça.

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