terça-feira, 1 de julho de 2014

Tio


Queimei minha mão fazendo café naquela manhã, encontrei meus óculos ao lado do meu travesseiro, peguei no sono na noite passada enquanto estudava e devo ter dormido em cima dos malditos olhos de vidro. Fazia publicidade na PUC- Campinas, já me sentia vendido antes mesmo de concluir o curso. Perto da hora do almoço, coloquei uma lasanha congelada para esquentar no micro-ondas e a caixa me contou após dez minutos de espera que a lasanha estava vencida há duas semanas. Saí de casa deixando a porta aberta e o micro-ondas ligado, peguei meu maço de cigarros, fazia duas semanas que eu não fumava.

Fui até o Parque Portugal a pé, pensei que poderia me fazer bem um pouco de ar puro, ou então eu sufocaria todos ao meu redor com a fumaça dos meus cigarros, quem sabe até iniciaria um incêndio... Fiquei sentado lá observando as famílias aproveitando os poucos minutos que tinham durante a semana para se divertir, alguns casais se amavam até fazendo exercícios juntos, me senti triste por não ter pegado um livro antes de sair.

Esqueci-me de deixar o celular em casa, ele começou a vibrar dentro do meu bolso. Na quinta vez que ele se sacudia todo fui ver quem me ligava. Minha mãe sempre escolhia a hora errada para me ligar e me tratar como o filhinho que decidiu sair de casa para ganhar o mundo. Não atendi, desliguei aquela porcaria.

Estava acendendo outro cigarro quando fui atingido pela copa do mundo, uma “brazuca” me acertou em cheio na cabeça. Perdi meu cigarro, minha consciência e a paciência. Olhei para trás, era uma criança com a camisa da seleção brasileira de 2002, a nove do Ronaldo, eu tinha uma idêntica naquela época, presente do meu velho pai.

- Desculpa tio... – Ele estava com muita vergonha.
- Relaxa, tenho esse cabeção pra isso mesmo. – Eu ainda tentava fazer piadas.
- Cê viu pra onde foi a minha bola?
- Sim, tá aqui. – Me levantei e peguei a bola do chão. – Toma.
- Brigado tio!
- De nada.

Ele não foi embora, se sentou ao meu lado e ficou me olhando.

- Você tá triste tio?
- Não sei, acho que sim.
- Quer brincar de copa do mundo comigo e com meu pai?

Lembrei-me de quando eu jogava bola na praia com meu avô, meus primos, meu pai. Bons tempos.

- Não me desculpa, essa brincadeira é boa demais, mas é melhor você aproveitar com seu pai.
- Tá bom.

Parecia ter ficado chateado por alguns segundos, mas abriu um sorriso enorme quando seu pai chegou procurando por ele. Saiu correndo para abraça-lo, mas voltou pela última vez para se despedir.

- Fica triste não tio, tá bom?

Era como olhar meu reflexo num espelho do passado, pensando bem era quase como um yin-yang, os opostos/complementares gerados pelo absoluto ou pelo caminho, o Tao. O questionamento é frequente no dia a dia, mas dar-lhe o papel principal é perigoso, questionando se obtêm respostas, duvidando (de forma exagerada) se ganha incertezas, desespero, solidão.

Nos despedimos com um cumprimento de punho fechado.

- Tchau tio!