segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Vamos todos a São Paulo!

Acordamos cedo, eram nove horas da manhã, saímos da casa dela e fomos comer algo em uma padaria.

- Bom dia, aqui está o cardápio – Fomos recebidos pelo atendente.
- Bom dia.
- Bom dia, obrigado.

Mélanie me observava.

- Vou querer um café.
- Você tem de comer algo.
- Nem vou argumentar.
- Por que agiu daquela maneira ontem?
- Mél, eu estava bêbado.
- Novidade. Leo, você foi estúpido com meus amigos.
- Não quis agrada-los como você.
- Ei, deixe de ciúmes. O que te fez mudar?
- O que mudou?
- Antes tentava ser legal com os outros.
- Não quero novos amigos.
- Você mal tem amigos, Bob e Alex são os únicos, praticamente.
- Já é o bastante.
- Sim, eles são ótimos e te ajudam em tudo, mas não são os mais calmos... Quero dizer, eles são pirados e cachaceiros como você.
- Como Maquiavel diria: "É melhor ser temido do que ser amado".
- Sua paciência se foi, não é mesmo?

O garçom voltou.

- Escolheram?
- Vou querer um café grande e um pão de queijo.
- E eu um expresso pequeno e um croissant.
- Anotado. É... O senhor me permite dizer algo?
- Claro.
- Vocês formam um belo casal.

Olhei para ele curioso com o comentário.

- Bom, obrigado, você é muito simpático.
- Há há, gentileza sua. – Ele se virou e saiu satisfeito.
- Espere... – Puxei-o para baixo pelo braço – Você pode me trazer uma boa dose de conhaque?

Ele me olhou, sorriu.

- Não é permitido vendermos bebidas alcoólicas antes das onze, mas eu dou um jeito.

Coloquei uma nota no bolso de sua camisa.

Mélanie me olhava no fundo dos olhos, sabia que não era pela bebida, geralmente eu tomava umas às oito horas da manhã.

- Com ele você é gentil?
- “Sempre seja bom com os que trazem sua comida ou sua bebida.”.
- Você é encantador.

O garçom voltou logo com nossos pedidos, todos eles. Agradeci, ele sorriu outra vez. A felicidade às vezes depende de um gesto simples como tratar alguém bem ou com respeito, recebendo isso de volta.

Eu estava feliz com meu conhaque em mãos.

- Leo, olhe discretamente para o lado direito.

Um casal se acariciava, estavam bêbados talvez, ela brincava com a calça dele.

- Que baixaria...
- Estão apenas vivendo o momento. Hoje é um saco viver, acordar pra sentir o vazio da alma. Gostaria de ser como eles em certos momentos, são felizes e desinibidos.

Tomei um gole de café.

- De certa forma está certo. Mas isso é um local público.
- Sim.
- Você está triste?
- Não se preocupe, estou bem.
- Sei que não.

Ainda tomei dois copos de conhaque antes de sairmos.

Combinamos de encontrar com um casal de amigos, Ana Letícia e Noel. Ana era jornalista formada, tinha a pele branca como neve, corpo magro, porém belo, sorriso e olhar de tristeza, apesar de ser capaz de alcançar a felicidade, principalmente graças a Noel. Já ele, era alto, magro, sempre com um belo sorriso amarelado e engraçado no rosto para nos fazer rir.

- Leo! – Exclamaram juntos e sorridentes.
- Meus amigos! – Olhei para Mélanie me recordando de seu desabafo quanto ao número de amigos que eu possuía.
- Há quanto tempo não nos vemos, você mudou muito.
- Cara, você tá parecendo aqueles homens das cavernas dos desenhos, há há há.
- Obrigado – Apesar da brincadeira, eu realmente me orgulhava daquilo.
- Mélanie, sempre linda, não?
- Obrigada Leticia. Você também não deixa de ser uma fofa e linda.
- Então, prontos para ir?
- Sim, vamos logo para evitar o trânsito.

Entramos no meu carro, eles deixaram o deles em casa. Logo estávamos na estrada, a caminho de São Paulo para a Bienal do Livro. Este ano eu iria credenciado, nós escritores também merecemos certos privilégios, por que não?

A viagem fora tranquila, muitas conversas colocadas em dia, músicas calmas, outras agitadas, mas todas de ótima qualidade. A estrada impecável, sem transito até chegarmos no Sambódromo, onde uma fila de uns 30 carros nos aguardava.

- Mas que merda!
- Mal chegamos e já entramos no clima paulista... – Disse Leticia.
- Ei, você! Vá à merda! – Gritei para todos que olharam. – Agora sim, o ar puro me proporcionou essa alegria paulista.
- Afinal, qual a diferença de paulista para paulistano? – Perguntou Mélanie.
- Paulista nasceu aqui, paulistano somos nós que nascemos no estado de São Paulo. – Respondi.
- Mas que bonito. Você é muito mais do que apenas álcool e odor de cigarros. – Elogiou-me Noel.

Deixamos o carro no estacionamento, 20 reais até o fim do evento. Peguei minha credencial e nos encaminhamos todos para a entrada dos credenciados.

- O senhor não pode fumar lá dentro, terá de apagar seu cigarro. – Direcionou-se a mim um segurança.
- Ó, perdão. Eu não me dei conta disso, apagarei meu cigarro agora. Me desculpe. – Olhava para ele com um sorriso falso no rosto e em meu tom de voz.

A fumaça ia diretamente a seu nariz antes de apagar meu cigarro. Entramos, acendi outro.

O lugar estava enfestado de gente, alunos, velhos, adolescentes, adolescentes esquisitos com roupas esquisitas e caras esquisitas e cheiros esquisitos. Por sorte o cheiro dos livros anulava o odor de todos ao meu redor, a temperatura estava alta, ainda mais por que eu, como de costume, não largava de minha flanela azul marinho.

- Vamos naquele estande!
- Venham, vamos ver aquele outro!
- Ali parece ser legal, vamos, vamos!

Andamos como loucos, fomos a todos os estandes possíveis, até nossas pernas se sentirem mortas.

- Vamos comer. – Disseram Mél e Leticia.
- Puta que pariu! Com essas filas iremos comer amanhã de manhã. – Disse Noel com seu belo sorriso no rosto.
- Caralho...

Entramos na fila. Quinze minutos depois estávamos na metade. Mais dez e estávamos a cinco pessoas de sermos atendidos. Outros dez minutos e finalmente, éramos nós os escolhidos pelo divino.

- Bom tarde, o que vão querer? – Perguntou a vaca da atendente sem a menor vontade de nos servir.

Pedimos dúzias de lanches, não me lembro do que eram. Ela, novamente com má vontade, nos cobrou e em troca, recebemos um papel com uma senha. Outra vez na fila de espera.

- Mas que estúpida. – Reclamei – Entendo que a esta altura ela deve estar exausta, mas e dai? Não sou culpado por ela ter de receber meu dinheiro e se sentir irritada para descontar no atendimento.
- Calma, amor, tudo irá melhorar. Olhe este lugar, você ainda irá ser o dono de um evento de tamanho porte. Seus livros já estão por ai, aguarde, o mundo se curvará diante de seu talento.
- Tá...

Em vinte minutos todos estavam comendo, menos eu, é claro. Esqueceram-se do meu pedido, fiquei mais alguns minutos, intermináveis minutos, até dar no saco.

- Ainda não recebeu?
- Não.

A luz foi cortada, pela terceira vez. O evento estava ótimo, se não fosse pelo número interminável de pessoas, odores, cortes de luzes e pelo atendimento do “restaurante”.

- Nossa como não?
- Esqueceram-se dessa merda.
- Calma. Ei, moça... Moça...
- EI AMIGO!
- Sim, o que foi? – Ele me olhava feio.
- Vocês se esqueceram do meu lanche.
- Tá legal, já vou ver isso.
- Estou aqui a muito mais tempo do que qualquer um.
- Já vou ver. – Ele nem se dava ao trabalho de me olhar nos olhos mais.
- Você não entendeu, eu disse que se esqueceram da minha comida, aquela que eu esperei infernos para pedir e pagar e não receber.

Ele me olhou feio outra vez.

- O que você quer?
- Entreguei o papel.
- TÁ.

Recebi meu lanche. Comi sem vontade de comer, malditos...

Bebia em meu cantil, andávamos mais pelos estandes a procura de algo que valesse a pena pagar para ler.

Povo brasileiro, por favor, valorizem mais nossos escritores, valorizem mais os que prestem e não se percam em best-sellers. Há tanto o que ler por ai, da poesia aos romances, não se deixem ficar presos a esse único tipo de literatura, para não falar nos cultuados monólogos das redes sociais...

Ficamos lá por horas. Comprei dúzias de livros – “As Barbas do Imperador”, “Desespero”, “Doze Anos com Hitler”, “Poemas - Fernando Pessoa”, etc. No final foi um dia bom e rentável. Mas eu não via a hora de sairmos de lá. Estávamos todos cansados e, apenas eu e Noel, ainda pouco embriagados.

- Acho que está na hora de irmos embora. – Disse Leticia.
- Sim, está mesmo, Mal sinto minhas pernas. – Disse Mélanie.
- Eeei, esperem! – Disse Noel ofegante.
- O que foi? – Perguntaram.
- O Leo, de novo se metendo em confusões!
- O que?!?! – Exclamou em alto tom Mélanie.
- Ali, olhem.

Eu estava discutindo com um segurança e um babaca gordo.

- Olha aqui seu idiota, você acha que por ter esse crachá no pescoço pode falar o que quiser? – O gordo soltava um bafo de hambúrguer ao se direcionar a mim.
- Enfie suas palavras no CU!
- Senhor, eu vou pedir pra você se retirar.
- Não se mete.
- Senhor, - O segurança colocou a mão no meu ombro – você andou bebendo? É melhor tomar cuidado com o que diz.

Joguei-o contra a parede com um empurrão, segurava ele pela gola da camisa.

- Não me ameace seu filho de uma vaca. – Sentia que estava com um olhar de louco, com os olhos pulsando apontados como armas para seu rosto patético assustado.
- LEO! Larga ele agora!

Noel me pegou pelo braço e pediu para eu larga-lo. Soltei-o, mas antes o mandei tomar num certo lugar. Fomos embora.

No carro, eles me perguntaram o que havia acontecido.

- Aquele gordo fedia de mais. Ele pegou um livro e começou a falar merda.
- Tudo aquilo por isso??? – Perguntou Mélanie.
- Eu escutei sem perceber. Ele falava que On The Road era uma bosta qualquer, que assim como Crepúsculo, era apenas uma “jogadinha de marketing” para lucrar com as histórias de “outro drogado americano que se via como um filósofo qualquer”.
- Leo!
- O que? On The Road não é um livro qualquer. Jack Kerouac não é um homem qualquer...
- Ai meu deus. Nunca mais faça isso.

Noel e Leticia riram. De repente todos começaram a rir do ocorrido.

O som estava alto, a música era boa, todos conversavam outra vez. A estrada de volta estava limpa como antes, o sol se punha diante de meus olhos, era a melhor parte da viagem, a estrada. Olhei pelo retrovisor, São Paulo ficava para trás, o gordo ficava para trás, toda aquela poluição também. Coloquei a mão para fora da janela, levantei o dedo e sorria. Meus olhos estavam calmos por trás de meus óculos escuros. Nos vemos por ai...